A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 992/2020 E A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL COMPARTILHADA

27/07/2020

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Engajados em dirimir o maior número de dúvidas possíveis, bem como no sentido de auxiliar nossos clientes a atravessar o período conturbado causado pelo rápido alastramento do COVID-19 no Brasil, o escritório Crippa Rey Advogados vem prestar alguns esclarecimentos e informações acerca da Medida Provisória nº 992, de 16 de julho de 2020, que regulamentou a possibilidade da alienação fiduciária compartilhada.

A alienação fiduciária é uma forma de garantia que envolve os institutos jurídicos da posse e da propriedade. Pode-se dizer que ela é uma modalidade de financiamento, por meio da qual o bem a ser adquirido passa a ser propriedade do credor, que tem a sua propriedade resolúvel; já o devedor ficará com a posse da coisa, sendo o depositário e podendo usufrui-la.[1]

Nessa relação negocial, temos o fiduciante e o fiduciário. O fiduciante (devedor) é aquele que opta pela utilização desta modalidade de financiamento, transferindo ao fiduciário (credor) a propriedade de um bem, móvel ou imóvel, até o adimplemento total da dívida.

A constituição do negócio jurídico depende do objeto da alienação, ou seja, sendo este bem móvel, a formação se dá a partir da tradição; sendo este bem imóvel, conforme dito anteriormente, a posse ficará com o devedor e a tradição será ficta, por meio do constituto possessório.[2]

Após a quitação da dívida, o credor dará ao devedor um termo de quitação, que deverá ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis e, consequentemente, ocorre a extinção dessa alienação e a retomada do imóvel ao, até então possuidor. Frisa-se que a alienação fiduciária produz efeitos apenas em relação as partes que compõe o negócio jurídico.

Relativamente a esse instituto jurídico, o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 992, em 16/07/2020, dispondo, entre outros assuntos, sobre a possibilidade de compartilhamento da alienação fiduciária.

Conforme determina o artigo 14 da MP 992/2020, fica permitido ao fiduciante, com a anuência do credor fiduciário, utilizar o bem imóvel alienado, como garantia de novas operações de crédito. Quer-se dizer com isso que, um mesmo bem imóvel poderá ser compartilhado, garantindo novas operações de créditos, desde que tenha a anuência do credor fiduciário, bem como desde que contratadas com o credor fiduciário da operação original.

A alienação fiduciária compartilhada poderá ser utilizada por pessoa natural ou jurídica, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.  Quando se trata de fiduciante (devedor) pessoa natural, este somente poderá contratar operações de crédito com a alienação fiduciária compartilhada, em benefício próprio ou de sua entidade familiar, mediante a apresentação de declaração contratual destinada para esse fim.

Nesse sentido, é o teor do artigo 9º-A da Lei nº 13.476/2017 incluído pela Medida Provisória:

Art. 9º-A Fica permitido ao fiduciante, com a anuência do credor fiduciário, utilizar o bem imóvel alienado fiduciariamente como garantia de novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza, desde que contratadas com o credor fiduciário da operação de crédito original.

§ 1º O compartilhamento da alienação fiduciária de que trata o caput somente poderá ser contratado, por pessoa natural ou jurídica, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

§ 2º O fiduciante pessoa natural somente poderá contratar as operações de crédito de que trata o caput em benefício próprio ou de sua entidade familiar, mediante a apresentação de declaração contratual destinada a esse fim.

A MP 992 determinou que o compartilhamento da alienação fiduciária deverá ser averbado no Cartório de Registro de Imóveis competente, devendo conter as seguintes informações: (i) valor principal da nova operação de crédito; (ii) taxa de juros e encargos incidentes; (iii) prazo e condições do empréstimo ou do crédito; (iv) declaração do fiduciante, quando se trata de pessoa natural; (v) prazo de carência; (vi) cláusula com previsão, dispondo sobre a livre utilização do bem enquanto o fiduciante estiver adimplente; (vii) cláusula sobre o vencimento antecipado das parcelas e; (viii) cláusula sobre o cumprimento dos requisitos e disposições do artigo 27, da Lei nº 9.514/97.

O parágrafo 2º deste artigo assevera que as operações de crédito poderão ser celebradas, quando há o compartilhamento da alienação fiduciária, mediante instrumento público ou particular, sendo necessária a manifestação de vontade de ambas as partes, podendo esta ser por meio eletrônico.

Vejamos abaixo o dispositivo:

Art. 9º-B O compartilhamento da alienação fiduciária de coisa imóvel deverá ser averbado no cartório de registro de imóveis competente.

§ 1º O instrumento de que trata o caput, que serve de título ao compartilhamento da alienação fiduciária, deverá conter:

I – valor principal da nova operação de crédito;

II – taxa de juros e encargos incidentes;

III – prazo e condições de reposição do empréstimo ou do crédito do credor fiduciário;

IV – declaração do fiduciante, de que trata o § 2º do art. 9-A, quando pessoa natural;

V – prazo de carência, após o qual será expedida a intimação para constituição em mora do fiduciante;

VI – cláusula com a previsão de que, enquanto o fiduciante estiver adimplente, este poderá utilizar livremente, por sua conta e risco, o imóvel objeto da alienação fiduciária;

VII – cláusula com a previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação da mora, de que trata o art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a quaisquer das operações de crédito, faculta ao credor fiduciário considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais; e

VIII – cláusula com a previsão de que as disposições e os requisitos de que trata o art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, deverão ser cumpridos.

§2º As operações de crédito, no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, poderão ser celebradas por instrumento público ou particular, mediante a manifestação de vontade do fiduciante e do credor fiduciário, pelas formas admitidas na legislação em vigor, inclusive por meio eletrônico.

§ 3º As disposições do inciso II do caput do art. 221 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, aplicam-se à dispensa do reconhecimento de firmas e às operações garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária.

Salienta-se que, uma vez constituída alienação fiduciária compartilhada, a liquidação antecipada de quaisquer operações de créditos, não obriga o fiduciante a liquidar da mesma forma as demais operações de crédito ligadas a mesma garantia. Os prazos e as condições estabelecidas permanecem vigentes, conforme a nova redação do artigo 9-C da Lei nº 13.476/2017:

Art. 9º-C Constituído o compartilhamento da alienação fiduciária, a liquidação antecipada de quaisquer das operações de crédito, original ou derivada, não obriga o fiduciante a liquidar antecipadamente as demais operações de crédito vinculadas à mesma garantia, hipótese em que permanecerão vigentes as condições e os prazos nelas convencionados.

Parágrafo único. Na hipótese de liquidação de quaisquer das operações de crédito garantidas por meio de alienação fiduciária de imóvel, caberá:

I – ao credor expedir o termo de quitação relacionado exclusivamente à operação de crédito liquidada; e

II – ao oficial do registro de imóveis competente fazer a averbação na matrícula do imóvel.

Por fim, restou determinado pela MP 992 que, havendo inadimplemento e ausência de purgação da mora, relativamente a quaisquer operações de crédito, independentemente de seu valor, o credor poderá considerar vencidas antecipadamente todas as demais operações de crédito contratadas no âmbito da alienação fiduciária compartilhada.

O parágrafo primeiro deste artigo, afirma que após o vencimento antecipado de todas as operações de crédito, poderá o credor promover os procedimentos necessários para reaver o bem alienado.

Art. 9º-D Na hipótese de inadimplemento e ausência de purgação da mora, de que trata o art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a quaisquer das operações de crédito, independentemente de seu valor, o credor fiduciário poderá considerar vencidas antecipadamente todas as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais.

§ 1º Na hipótese prevista no caput, após o vencimento antecipado de todas as operações de crédito, o credor fiduciário promoverá os demais procedimentos de consolidação da propriedade e de leilão de que tratam os art. 26 e art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997.

O parágrafo 2º desse artigo, determina que a informação sobre o vencimento de todas as operações contratadas deverá constar na intimação requerida pelo credor fiduciário ao devedor fiduciante, a ser encaminhada pelo oficial de justiça do Registro de Imóveis.

[…]

§ 2º A informação sobre o exercício, pelo credor fiduciário, da faculdade de considerar vencidas todas as operações contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, nos termos do disposto no caput, deverá constar da intimação de que trata o § 1º do art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997.

[…]

  • Lei nº 9.514/97:

[…]

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

[…]

Já o parágrafo 3º, inclui no conceito de dívida, os saldos devedores de todas as operações de crédito garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária.

§3º Serão incluídos no conceito de dívida de que trata o inciso I do § 3º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, os saldos devedores de todas as operações de crédito garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária.

Quanto ao parágrafo §4º, este afirma que não se aplica a obrigação do credor de entregar ao devedor o saldo remanescente pela venda do imóvel no leilão, às operações garantidas pelo compartilhamento de alienação fiduciária. Nessa hipótese, o credor fiduciário poderá exigir o saldo remanescente, exceto quando uma ou mais operações tenham natureza de financiamento imobiliário habitacional contratado por pessoa natural. Vejamos:

§ 4º O disposto no §5º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, não se aplica às operações garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária, hipótese em que o credor fiduciário poderá exigir o saldo remanescente, exceto quando uma ou mais operações tenham natureza de financiamento imobiliário habitacional contratado por pessoa natural.

Por fim, relativamente ao parágrafo §5º, menciona-se que o artigo 54 da Lei nº 13.097/2015, aplica-se as contratações do compartilhamento de alienação fiduciária, isto é, os negócios jurídicos que tenham como finalidade constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre os imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes nas hipóteses em que não há o registro de algumas informações, conforme abaixo:

[…]

§ 5º O disposto no art. 54 da Lei nº 13.097, de 2015, aplica-se às contratações decorrentes do compartilhamento de alienação fiduciária.

[…]

  • Lei nº 13.097/2015:

[…]

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: (Vigência)

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil ;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil .

Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

[…]

Significa dizer que, inexistindo qualquer averbação e registro na matrícula do imóvel objeto de garantia fiduciária, acerca das hipóteses acima indicadas, como averbações de execuções contra o devedor, constrição judicial, decisão judicial, entre outras, será considerada válida a contratação decorrente do compartilhamento de alienação fiduciária de imóvel.

Importante frisar que tais disposições têm o objetivo de reduzir os juros para o tomador do empréstimo, bem como facilitar o acesso das pessoas naturais ou jurídicas às linhas de créditos disponibilizadas pelas instituições financeiras, com o intuito de reduzir os impactos causados na economia do país ante a pandemia do novo Coronavírus.[3]

A Medida Provisória por ter força de lei já está valendo, todavia o texto desta ainda será analisado e deliberado pelo Congresso Nacional, ou seja, ainda podemos ter algumas modificações.

O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca a inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e informa que está atento as eventuais modificações que possam ser feitas no texto da Medida Provisória, com o objetivo de melhor orientar nossos clientes e parceiros acerca da matéria sobre a alienação compartilhada de bens imóveis.

 

__________

[1] TARTUCE. Flávio. Direito Civil: direito das coisas. v.4. 11.ed. Rio de janeiro: Forense, 2019. p.953.

[2] TARTUCE. Flávio. Direito Civil: direito das coisas. v.4. 11.ed. Rio de janeiro: Forense, 2019. p.960.

[3] Disponível em:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/07/17/editada-mp-que-cria-linha-de-credito-para-empresas-com-receita-de-ate-r-300-mi


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