A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE VERBAS PREVIDENCIÁRIAS E SALARIAS RECEBIDAS EM ATRASO

31/03/2021

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O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento à debates inovadores, vem apresentar um breve informativo sobre o julgamento Tema nº 808 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 855091, no âmbito de repercussão geral, onde ficou reconhecida a não incidência do Imposto de Renda sobre os juros de mora incidentes sobre as verbas salariais e previdenciárias recebidas em atraso.

 

O caso em tela originou-se pela Interposição de Recurso Extraordinário em face da decisão proferida pelo Tribunal Regional da 4ª Região, nos autos de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, reconhecendo a inconstitucionalidade por não recepção pela Constituição Federal de 1988, do Art. 16, §único da Lei nº 4.506/1964[1], declarando, assim, a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do § 1º do Art. 3º da Lei nº 7.713/88[2], art. 16, § único, da Lei 4.506/64 e art. 43, inciso II e parágrafo 1º do Código Tributário Nacional[3].










 

EMENTA

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI N. 4.506/64 PELA CF/88. INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 1º DO ART. 3º DA LEI Nº 7.713/88, DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI Nº. 4.506/64, E DO ART. 43, INCISO II E § 1º, DO CTN (LEI Nº 5.172/66), POR AFRONTA AO INCISO III DO ART. 153 DA CF/88.

1. O art. 16, § único, da Lei nº 4.506/64, ao tratar como 'rendimento de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo', contraria, frontalmente, o disposto no inciso III do art. 153 da CF/88, que é taxativo em só permitir a incidência do imposto de renda sobre 'renda e proventos de qualquer natureza'. Juros moratórios legais são detentores de nítida e exclusiva natureza indenizatória, e portanto não se enquadram no conceito de renda ou proventos. Hipótese de não-recepção pela Constituição Federal de 1988.

2. Inconstitucionalidade do art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), sem redução de texto, originada pela interpretação que lhe é atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, com efeito vinculante, de forma a autorizar que sobre verba indenizatória, in casu os juros de mora legais, passe a incidir o imposto de renda.

3. Inconstitucionalidade sem redução de texto reconhecida também com relação ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66).

4. Os juros legais moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. A mora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária, cuja natureza é notoriamente alimentar, impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo o seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos. A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor, não possuindo qualquer conotação de riqueza nova a autorizar sua tributação pelo imposto de renda.[4]

 

Mencionados dispositivos reconheciam a natureza salarial dos juros de mora incidentes nos valores pagos em atraso em atraso de verbas salariais e previdenciárias percebidas por pessoas físicas. O Tribunal entendeu que o art. 16 da Lei 4.506/64, ao tratar 'rendimento de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo', estaria contrariando o art. 153, III da Constituição Federal[5], tendo em vista que tais verbas não se enquadram no conceito de renda ou proventos:

 

O dispositivo constitucional retro mencionado, consoante destacado pela Relatora, é taxativo ao reconhecer a incidência do Imposto de Renda apenas sobre os rendimentos ou proventos da pessoa natural, sendo certo que, ao contrário do que dispunham os dispositivos infraconstitucionais, cuja inconstitucionalidade fora reconhecida, os juros de mora têm natureza exclusivamente indenizatória e, portanto, sobre eles não é possível incidir o IR.

 

Acerca do conceito de renda e proventos, válido mencionar que, para Paulo de Barros Carvalho, três são as teorias que abordam o conceito de “renda”, sendo certo que a teoria adotada pelo Brasil, teoria do acréscimo patrimonial, que dispõe tratar-se a renda[6]:

 

(...) “renda” é todo o ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe em um incremento líquido de patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo.

 

Sendo assim, os valores provenientes de verbas de natureza indenizatória (hipótese que, segundo o julgamento em análise, se enquadram os juros), não podem ser consideradas como renda e, por consequência, não devem ser oferecidas à tributação, já que representam a recomposição de prejuízos subjetivos, não se caracterizando, portanto, acréscimos patrimoniais.

 

Ainda, com relação aos juros de mora, consoante exposto pela Relatora do Incidente recorrido, estes representam indenização dos prejuízos sofridos pelo credor, em decorrência do atraso no pagamento do seu crédito, estando tal verba conceituada no art. 404 do Código Civil Brasileiro, abaixo colacionado:

 

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

 

Acerca dos juros de mora incidentes sobre as verbas trabalhistas, salariais e previdenciárias, assim manifestou-se a Desembargadora Relatora:

 

A mora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária, cuja natureza é notoriamente alimentar, impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo o seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos. A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor. Essa verba, portanto, não possui qualquer conotação de riqueza nova, a autorizar sua tributação pelo imposto de renda.[7]

 

Destaca-se que, a respeito do Tema, a Corte Suprema já havia se manifestado, administrativamente, de forma convergente ao suscitado no acórdão recorrido, verificando, da mesma forma, a natureza indenizatória dos juros de mora:

 

1) Processo nº 323.526 - referendar, por unanimidade, o entendimento adotado pela Secretaria do Tribunal quanto à natureza indenizatória do pagamentos aos servidores do STF de juros de mora sobre a diferença da URV (11,98). O tema foi relatado pela Ministra Carmem Lúcia, que fundamentou seu voto na decisão da Corte no MS 25.641-9, julgado pelo Plenário do Tribunal em 22/11/2007.

(Presentes os Ministros Ellen Gracie, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau)

 

Assim, quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto pela União, a Corte entendeu que a incidência do Imposto de Renda tem como premissa o acréscimo do patrimônio, sendo certo que os juros de mora, por sua vez, não representam acréscimo patrimonial e sim, recomposição de prejuízo sofrido pelo credor em virtude do atraso no pagamento de seu crédito e, diante disso, não atendidos os requisitos mínimos de materialidade do Imposto de Renda, impostos pelo art. 153, II da CF88.

 

 

Para o relator do feito, Ministro Dias Toffoli, o artigo cuja inconstitucionalidade fora reconhecida não foi recepcionado pela Constituição Federal, de forma que não é possível atribuir natureza salarial aos juros de mora, já que tal verba existe para compensar, indenizar, um prejuízo sofrido:

 

“Nos termos do artigo 153, III, da Constituição compete à União instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza — IR", explica o ministro. "A doutrina especializada e a jurisprudência da Corte, no que tange à interpretação do dispositivo, têm firme orientação de que a materialidade do tributo está relacionada à existência de acréscimo patrimonial, aspecto ligado às ideias de renda e de proventos de qualquer natureza, bem como ao princípio da capacidade contributiva.”

 

O relator suscitou, ainda, o entendimento exarado pelo doutrinador Hugo de Brito Machado, que assim leciona:

 

“O Código Civil de 1916 estabelecia que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional. E o Código Civil vigente estabelece: ‘Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.’ Como se vê, o legislador previu que o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais se tem direito Plenário Virtual - minuta de voto - 05/03/2021 00:00 12 implica prejuízo. E o fez com absoluto acerto, pois é natural que as pessoas planejem suas finanças pessoais considerando o que devem pagar e o que têm direito de receber em determinadas datas. Assim, se alguém deixa de receber o que lhe é devido, pode deixar de comprar à vista e ser obrigado a comprar a prazo, pagando um preço mais elevado, configurando desta forma evidente perda patrimonial. E pode também ser obrigado a pagar com atraso uma dívida, tendo de pagar multa e juros de mora, o que também configura perda patrimonial. Não se trata de lucro cessante, nem de simplesmente dano moral, que evidentemente também podem ocorrer. Trata-se de perda patrimonial efetiva, decorrente do não recebimento, nas datas correspondentes, dos valores aos quais tinha direito. Perda que o legislador presumiu e tratou como presunção absoluta, que não admite prova em contrário, e cuja indenização com os juros de mora independe de pedido do interessado. Ressalte-se que o legislador previu a possibilidade de serem as perdas efetivas de montante maior do que os juros de mora, e por isto mesmo determinou que, se isto acontecer e não houver pena convencional, o juiz pode conceder ao credor prejudicado indenização complementar” (Não incidência do imposto de renda sobre juros de mora. Revista Dialética de Direito Tributário.”

Desta feita, entendeu o Ministro Dias Toffoli ser necessário realizar a diferenciação entre as categorias de verbas indenizatórias, observando quais representam, de fato, acréscimo patrimonial, e quais representam mera recomposição de um prejuízo, tendo a Corte Suprema fixado a seguinte tese:  "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".

 

Válido referir que o julgamento realizado, conforme anteriormente referido, afeta três dispositivos legais, sendo certo que, no tocante aos artigos 3º, §1º da Lei nº 7.713/88 (que dispõe sobre o conceito de rendimento bruto) e 43, II e §1º, do Código Tributário Nacional (que refere quais os rendimentos passiveis da incidência do IR), estes deverão ser interpretados em conformidade com o texto Constitucional, de maneira a excluir da hipótese de incidência do IR sobre os juros de mora.

 

Por fim, ressaltamos que o Tema nº 803 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 855091, foi julgado no âmbito da repercussão geral, portanto, a decisão deverá ser seguida/aplicada pelas instâncias inferiores da Justiça (Juízes de 1º grau e Tribunais de Justiças de Estado e Tribunais Regionais Federais).

 

O Escritório Crippa Rey Advogados está à disposição para orientá-los, bem como para sanar quaisquer dúvidas existentes envolvendo o debate.

 

 

Porto Alegre, 31 de março de 2021.

 

Anne Riegel

OAB/RS 118.242

 

 

[1]  Art. 16. Serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado tôdas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no artigo 5º do Decreto-lei número 5.844, de 27 de setembro de 1943, e no art. 16 da Lei número 4.357, de 16 de julho de 1964, tais como:  Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.

[2] Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.          (Vide Lei 8.023, de 12.4.90: § 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

[3] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.  § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

[4]TRF4 - Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000: Relatora Desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch: Data do Julgamento 24/10/2013: Segunda Turma: Data da Publicação: 30/10/2013

[5] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza;

 

[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 4ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2011. P. 677

[7] TRF4 - Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000: Relatora Desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch: Data do Julgamento 24/10/2013: Segunda Turma: Data da Publicação: 30/10/2013


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