A VALORIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

18/08/2021

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        A violência doméstica está cada vez mais presente na realidade da nossa sociedade, acometendo famílias de diversos núcleos e composições sociais, infelizmente. E com isso, cada vez mais se faz necessário disseminar conhecimento e apoiar a criação e manutenção de políticas públicas e sociais de enfrentamento a essa prática já considerada e tipificada como crime.

        A violência contra a mulher pode acontecer de várias formas e muitas vezes não deixa, necessariamente, sinais visíveis, podendo se dar de forma física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial. Essas formas de agressões são complexas, perversas, e não ocorrem isoladas umas das outras, tendo graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos humanos e deve ser denunciada [1].

        Há muitas atitudes no âmbito doméstico em que as mulheres acabam interpretando como algo estrutural, social, ou ainda como “maneira de criação” do agressor – não como formas de violência, e em razão desse pensamento que muitas vezes está enraizado devido ao modo de criação, acabam por não notar a evolução dessas agressões de uma forma mais branda à uma que pode se tornar fatal.

        Recentemente, tivemos alterações legislativas tratando da violência contra a mulher, incluindo no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, a ser atribuído a quem causar dano emocional “que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. O crime pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método. A pena para este crime é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

        A partir dos casos recorrentes de violência doméstica em nossa sociedade, percebe-se que o crime tem, em sua maioria, a mulher como vítima e alvo principal (pessoa do gênero feminino, ou seja, transgênero também). O homem jamais poderá ser sujeito passivo do delito em apreço e nisso não reside nenhuma espécie de violação à igualdade entre os gêneros, pois a proteção diferenciada se justifica em razão da vulnerabilidade da mulher nesses casos. Já o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.

       A referida norma não exige nenhuma relação especial entre o autor e vítima. Logo, mesmo que o tipo penal tenha sido inspirado pela Lei Maria da Penha, contextualmente dela se distancia em razão da violência psicológica não ser dependente da ocorrência no âmbito das relações domésticas, familiares ou afetivas. É possível, por exemplo, que seja praticada por um líder religioso contra uma fiel - situação que certamente demandaria uma apreciação mais esmerada, dada sua possível colisão com a liberdade religiosa – devendo ocorrer a ponderação entre liberdade e violência).

       Em uma análise sob essa ótica, vamos imaginar uma situação em que em virtude de humilhação recorrente, ou em virtude de menosprezo à condição de mulher (enquanto gênero, ou identidade de gênero), a vítima passe a sofrer de síndrome do pânico, se isolando em sua casa e fugindo de ambientes externos por medo. Tal situação caracteriza o crime previsto no art. 129, § 13, do CP (lesão corporal contra mulher em razão do sexo feminino), que prevalece sobre o art. 147-B, por ser delito mais grave. A resposta é a mesma se, não existindo a condição de sexo feminino exigida pelo § 13 do art. 129, a lesão é qualificada pelo resultado (por exemplo, se impede o exercício das atividades habituais por mais de trinta dias, ou se representa enfermidade incurável).

       Entretanto, inexistindo a condição de sexo feminino e sendo a lesão leve, o art. 147-B prevalecerá sobre o art. 129, caput, desde que o agente provoque não só danos à saúde psíquica, mas também prejuízo à autodeterminação feminina. Sem esse prejuízo o crime será o do art. 129, caput (lesão corporal).

O dano emocional também pode ser no sentido do ato de controlar ações ou pelo simples menosprezo, controlando comportamentos, crenças ou decisões da mulher, ainda que esses controles, diretos ou indiretos, não lhe causem efetivamente perturbação do pleno desenvolvimento (seria uma forma de manipulação). O sujeito ativo, por exemplo, pode causar a intervenção emocional para fazer com que a vítima tenha dúvidas acerca de sua capacidade de decidir corretamente, degradando sua assertividade. Controlar significa governar, ou seja, o autor assume o comando de aspectos da vida da vítima, impondo modos de pensar, de agir etc, fazendo com que a vítima, por exemplo, deixe de frequentar determinados lugares, não vista certas roupas, afetando a liberdade individual feminina.

       Uma novidade trazida na mesma alteração legislativa tratada acima, é de nova maneira de identificação de vítimas em situação de abuso: a lei 14.188/21 cria um programa de comunicação entre órgãos do judiciário, executivo e defensoria pública, onde a mulher que tiver um sinal em “X”, preferencialmente na mão, e em vermelho, será facilmente identificada como sendo uma vítima de algum tipo de violência doméstica. A mesma lei alterou a Lei Maria da Penha, acrescentando o critério de perigo atual ou iminente para o afastamento do agressor do lar ou de local de convivência com a vítima.

       Nesse sentido, é importante tratar sobre as medidas protetivas de urgência, que não dependem da instauração de inquérito policial ou ação penal (tem caráter autônomo), e quando solicitadas devem ser acompanhadas de provas da situação de risco e/ou indicar testemunhas que presenciaram a violência ou saibam do perigo vivido pela mulher, sobretudo se o pedido das medidas precisar se estender para os filhos e/ou familiares. O juiz decidirá sobre esse pedido antes mesmo de ouvir a outra parte, e ao receber o pedido tem o prazo de 48h para decidir. Caso o requerimento de proteção seja deferido, o agressor será intimado e estará obrigado a cumprir as medidas, sob pena de prisão.

       São exemplos de medidas protetivas:

- Suspensão da posse ou restrição do porte de armas;

- Afastamento do lar;

- Proibição de aproximação e de contato da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

- Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores;

- Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

- Comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação;

- Acompanhamento psicossocial do agressor, entre outras.

            Importante salientar que quando a proibição é de contato inclui o contato por redes sociais, e se a vítima entrar em contato ou voltar a se relacionar com o agressor as medidas podem ser revogadas.

       Para solicitar as medidas protetivas de urgência, a vítima deve procurar a Delegacia da Mulher ou a Delegacia mais próxima e relatar a violência sofrida (através do Boletim de Ocorrência ou requerimento separado) ou ligar para o 197. Ainda, em alguns locais é possível o requerimento online e/ou por meio da delegacia virtual ou No Ministério Público ou Diretamente no Juizado de Violência Doméstica e Familiar, por meio de uma petição ou na Defensoria Pública.

       Quanto ao prazo das medidas, o juiz pode tanto determinar, como também prorrogar, bem como conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio. Caso o pedido seja negado, a vítima poderá requerer a reconsideração

       Quando ocorre o descumprimento de alguma medida, é necessário ligar imediatamente para a Polícia Militar e informar o ocorrido. Nesses casos, o agressor poderá ser preso em flagrante, por incorrer em descumprimento de medida judicial, com pena que varia de 3 meses a 2 anos de detenção.

 Independente de inovações legislativas, é necessário que cada um faça sua parte, reconhecendo cada tipo de violência e não deixando que se perpetua e se normalize na sociedade. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil [2].

       Romper o ciclo da violência não é fácil! Em casos assim, procure ajuda profissional e especializada! Nós, do Crippa Rey Advogados, estamos ao seu dispor para qualquer esclarecimento, e sempre atentos a qualquer mudança legislativa ou executiva.

 

Natasha Japur

OAB/RS 98.400 

 

[1] https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html

[2] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/08/atlas-da-violencia-2020-infografico.pdf


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