AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DA LEI 14.112/2020 NO ÂMBITO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS

15/02/2021

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A Lei 11.101/2005 foi redigida para regulamentar a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, objetivando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

Durante os 15 (quinze) anos de vigência da Lei 11.101/2005 a doutrina e jurisprudência perceberam a necessidade de se flexibilizar ou reinterpretar diversas disposições legais. Em decorrência disso e, ante o agravamento da situação econômico-financeira em todo o país ante a pandemia da covid, viu-se a necessidade e urgência de se promover alterações na legislação até então vigente.

 

Com isso, após a aprovação do Projeto de Lei pelo Senado Federal, o Presidente da República sancionou a Lei 14.112/2020 a qual atualiza a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.

 

Dentre as principais alterações no âmbito da recuperação judicial, relacionamos os pontos abaixo:

 

 

  • Stay period

 

COMO ERA: A lei previa que o período de 180 (cento e oitenta) dias, denominado de stay period ou prazo de blindagem, seria improrrogável, embora a jurisprudência viesse permitido a sua prorrogação, muitas vezes por mais de uma vez, até que o plano de recuperação judicial fosse aprovado.

 

COMO FICOU: A lei trouxe expressamente a possibilidade de prorrogação do stay period, por igual período uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não tenha contribuído para o atraso no processo.

 

 

  • Convenção De Arbitragem

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava disposições acerca da convenção de arbitragem.

 

COMO FICOU: O processo de recuperação judicial, ou a decretação da falência, não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral.

 

 

  • Conciliação e Mediação

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava disposições acerca da possibilidade de conciliação e mediação entre o devedor e os credores, embora a jurisprudência já estivesse deliberando a respeito do tema.

 

COMO FICOU: A Lei 14.122/2020, a fim de incentivar a conciliação e mediação entre devedor e credores, trouxe seção especial para tratar das conciliações e mediações antecedentes ou em incidentes aos processos de recuperação judicial, podendo estas se darem em qualquer grau de jurisdição.

 

As novas disposições possibilitam a obtenção de tutela de urgência a fim de suspender as execuções contra o devedor pelo prazo de até 60 (sessenta) dias antes do ajuizamento da recuperação judicial, para tentativa de composição os credores em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Em caso de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial subsequente, o prazo deverá ser deduzido do stay period.

 

É vedado, entretanto, a conciliação e mediação sobre a natureza jurídica e classificação de créditos, bem como acerca dos critérios de votação em Assembleia Geral de Credores.

 

 

  • Perícia Prévia

 

COMO ERA: Não havia previsão legal acerca da constatação prévia, embora alguns juízes já se valessem de tal para decidir acerca do deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial ante a Recomendação nº 57 do Conselho Nacional de Justiça.

 

COMO FICOU: A perícia prévia passou a ser prevista no corpo da Lei 11.101/2005, sendo facultado ao juízo a sua realização, quando entender necessário.

 

No caso de o juízo designar a realização da perícia prévia, o perito nomeado terá o prazo de 05 (cinco) dias para apresentar o laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade da documentação apresentada conjuntamente à petição inicial.

 

É vedado, contudo, o indeferimento do processamento da recuperação judicial baseado na análise de viabilidade econômica do devedor.

 

 

  • Distribuição de Lucros e Dividendos

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava disposições, nem de possibilidade nem de vedação, acerca do tema.

 

COMO FICOU: Diante da vigência das alterações trazidas pela Lei 14.122/2020, a empresa devedora restou vedada de distribuir lucros e dividendos aos sócios e acionistas até a aprovação do plano de recuperação judicial, sob pena de incorrer em crime falimentar.

 

 

  • Cessão de Créditos:

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava disposições a fim de regulamentar o tema, embora fosse prática bastante corriqueira por parte dos credores.

 

COMO FICOU: A lei determina que a cessão ou a promessa de cessão de crédito habilitado deverá ser imediatamente comunicada ao juízo da recuperação judicial, entretanto, deixou o legislador de estabelecer qualquer sanção para o caso de descumprimento da norma.

 

 

  • Plano de Recuperação Judicial proposto pelos credores

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava quaisquer disposições a respeito do tema. A consequência da não aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores era a convolação em falência.

 

COMO FICOU: As disposições da Lei 14.122/2020 trouxeram para dentro da Lei de Recuperação de Empresas a possibilidade de os credores apresentarem plano alternativo no caso de rejeição do plano de recuperação apresentado pela empresa. Nesta hipótese, o administrador judicial submeterá à votação da assembleia geral de credores a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores.

 

A concessão deste prazo dependerá de aprovação por credores que representem mais da metade dos créditos presentes á assembleia geral de credores.

 

O plano de recuperação judicial proposto pelos credores somente será posto em votação caso apresente quórum específico de apoio por credores que representem, alternativamente, mais de 25% dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial ou mais de 35% dos créditos dos credores presentes à assembleia geral de credores que deliberou pela apresentação de plano alternativo.

 

Ainda, o plano não poderá prever obrigações novas não dispostas em lei ou nos contratos anteriores aos sócios do devedor; deverá conter previsão de isenção de garantias pessoais prestadas pelas pessoas naturais em relação aos créditos que sejam de titularidade dos credores que apoiaram/votaram favoravelmente ao plano alternativo, que não poderá impor sacrifício maior ao devedor e a seus sócios do que aquele que decorreria da liquidação em uma falência.

 

 

  • A Recuperação Judicial do Produtor Rural

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não dispunha de regulamentação a respeito da possibilidade do produtor rural pessoa física ingressar com pedido de recuperação judicial.

 

COMO FICOU: Restou incluída a possibilidade dos produtores rurais pessoas físicas ingressarem com pedido de recuperação judicial, podendo inclusive valer-se do procedimento especial, desde que não envolva crédito superior a R$ 4,8 milhões de reais.

 

A comprovação do prazo de exercício da atividade empresária por pelo menos 02 (dois) anos será admitida por meio de Escrituração Contábil Fiscal (ECF) ou de obrigação legal de registros contábeis que venham a substituí-la (no caso da atividade rural ser exercida por pessoa jurídica), do Livro de Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou de obrigação legal de registros contábeis que venham a substituí-la, da Declaração de Imposto de Renda e do balanço patrimonial (no caso de atividade rural exercida por pessoa física).

 

Na recuperação judicial do produtor rural somente estarão sujeitos os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural, ainda que não vencidos.

 

 

 

  • Do Pagamento dos Créditos Trabalhistas

 

COMO ERA: O pagamento dos créditos trabalhistas ou daqueles de cunho alimentar, não poderia se dar em prazo superior a 1 (um), e aqueles créditos até 05 (cinco) salários-mínimos, de natureza estritamente salarial, vencidos nos 03 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial, deveriam ser pagos no prazo de 30 (trinta) dias.

 

COMO FICOU: A disposição acerca do pagamento dos créditos até 05 (cinco) salários-mínimos, de natureza estritamente salarial, vencidos nos 03 (três) meses permaneceu inalterada, entretanto, restou possibilitado a extensão do pagamento dos demais créditos arrolados na classe trabalhista em até 02 (dois) anos, desde que o plano de recuperação judicial apresente garantias suficientes, tenha sido aprovado pela classe trabalhistas, e, garanta o pagamento da integralidade dos créditos arrolados na classe I.

 

 

  • Credores parceiros

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 não apresentava qualquer disposição a respeito da possibilidade de previsão de condições especiais à credores parceiros, contudo, a jurisprudência e a doutrina já admitiam a previsão no plano de recuperação judicial de tratamento privilegiado a determinados credores, desde que houvesse justificativa plausível para tanto.

 

COMO FICOU: A lei passou a permitir expressamente o tratamento diferenciado aos créditos sujeitos à recuperação judicial de fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura.

 

 

  • DIP financing

 

COMO ERA: A disposição existente até então mostrava-se demasiadamente insuficiente e não previa a necessária superioridade da operação. E, em razão disso, os financiamentos sempre contaram com garantias de natureza fiduciária.

 

COMO FICOU: O financiamento das atividades da empresa, e da própria recuperação judicial, não dependerão de autorização judicial, a menos que o objeto da garantia real seja um bem ou direito de terceiros ou da empresa recuperanda pertencente ao seu ativo não circulante, caso em que o juízo recuperacional, antes de decidir acerca do negócio jurídico a ser entabulado, ouvirá o comitê de credores.

 

O juízo recuperacional poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original, devendo a garantia subordinada, em qualquer hipótese, ficar limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original, e não se aplicando tal disposição não a qualquer modalidade de alienação fiduciária ou cessão fiduciária.

 

No caso de frustrada a recuperação judicial, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido, conservando-se as garantias constituídas e as preferências até o limite dos valores efetivamente entregues ao devedor antes da data da sentença que convolar a recuperação judicial em falência.

 

O financiamento poderá ser realizado por qualquer pessoa, incluindo credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo devedor, podendo, ainda, qualquer pessoa ou entidade garantir o financiamento mediante a oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos, incluindo o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam eles ou não em recuperação judicial.

 

 

  • Possibilidade de o fisco requerer a falência do devedor

 

COMO ERA: Embora a Lei 11.101/2005 já dispusesse que qualquer credor poderia pedir a falência do empresário e da sociedade empresária, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que a Fazenda Pública não tinha legitimidade ativa para requerer a falência de empresas e/ou empresários.

 

COMO FICOU: Atualmente, o fisco poderá requerer a convolação da recuperação judicial do devedor em falência caso haja descumprimento dos parcelamentos dos débitos previstos no art. 68 da LRF ou da transação prevista no artigo 10-C da Lei nº 10.522/2020, ou ainda quando restar identificado o esvaziamento patrimonial do devedor que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos a? recuperação judicial, como é o caso da Fazenda Pública.

 

Será considerada substancial a liquidação quando não forem reservados bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa futuro suficientes a? manutenção da atividade econômica para fins de cumprimento de suas obrigações.

 

Na hipótese de ser decretada a falência do devedor pela liquidação substancial da empresa, as alienações realizadas serão preservadas e consideradas eficazes, com o intuito de não prejudicar o terceiro adquirente de boa-fé. Outrossim, o produto de tais alienações deverão ser bloqueado, com a consequente devolução ao devedor dos valores já distribuídos a eventuais credores, os quais passarão a ficar à disposição do juízo.

 

 

  • Aspectos tributários

 

COMO ERA: A Lei 11.101/2005 previa que para a concessão da recuperação judicial, a empresa deveria apresentar Certidão Negativa de Débitos, entretanto, tendo em vista que a lei que prevê o parcelamento tributário demorou para ser promulgada havendo inúmeras discussões acerca desta, a jurisprudência entendeu pela flexibilização de tal exigência, dispensando, por diversas vezes, a apresentação da CND negativa.

 

COMO FICOU: Dentre as alterações provocadas pela da Lei 14.122/2020, não está a dispensa da apresentação de CND, restando, portanto, a exigência da apresentação da certidão negativa de débitos mantida.

 

Foi incluída a possibilidade de parcelamento dos tributos devidos sobre os ganhos de capital auferidos na alienação judicial de UPI: o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devidos sobre o ganho de capital poderão ser parcelados.

 

Apesar de garantir discricionariedade ao juízo da execução fiscal de créditos tributários para determinar atos de constrição patrimonial, o juízo da recuperação é quem detém a competência para determinar a substituição de tais atos que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, a ser exercida mediante cooperação jurisdicional.

 

Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, os débitos tributários federais poderão ser quitados de forma consolidada em até 120 meses. As prestações deverão calculadas de forma que as devidas nos primeiros anos sejam mais baixas que as devidas nos anos seguintes. Quanto aqueles débitos administrados pela Receita Federal do Brasil, até 30% da dívida consolidada poderão ser quitados com a utilização de créditos de prejuízo fiscal, podendo o saldo remanescente ser parcelado em 84 vezes, caso em que o valor das parcelas também deverá ser menor nos primeiros anos de pagamento.

 

Quando do deferimento do processamento da recuperação judicial, o contribuinte poderá submeter à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional proposta de transação, devendo as condições envolverem o pagamento no prazo de até 120 meses, reduções do valor do débito de até 70%, dentre outras.

 

 

Estas são algumas das principais alterações trazidas pela Lei 14.122/2020 no âmbito da recuperação judicial de empresas, e o escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para demais orientações relativas ao tema.

 

Porto Alegre, fevereiro de 2021.

 

Equipe de Recuperação Judicial e Falência

Adriana Dusik Angelo

OAB/RS 88.210


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