É possível absolvição após a acusação de crime tributário?

24/02/2021

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Cientes do impacto causado quando do recebimento de uma denúncia criminal, vimos aclarar vossas senhorias, sobre a possibilidade do pedido de absolvição sumária criminal.

 

Além da pesada carga tributária vigente em nosso país, alguns empresários acabam sendo investigados e, por conseguinte, denunciados criminalmente, sendo penalizados, por muitas vezes, sem qualquer culpa.

 

Por esse motivo esclarecemos, é possível absolvição após a acusação de crime tributário?

 

Para respondermos essa pergunta iniciamos respondendo outra, afinal o que é crime tributário? Os ditos crimes tributários estão previstos na Lei 8137 de 1990. Tal ordenamento disciplina a chamada evasão fiscal, que “corresponde à conduta ilícita fiscal, após a ocorrência do fato gerador, que infringe a norma tributária, com vistas a ocultar ou reduzir o recolhimento da obrigação tributária.”[i]

 

Em linhas gerais, a lei de crimes tributários visa coibir a prática dos crimes de sonegação fiscal, fraude, conluio, a não emissão de notas e alteração de documentos fiscais. Como por exemplo:

 

Prestar informações falsas ou mesmo omiti-las às autoridades fazendárias;

Extraviar, falsificar ou alterar documentos fiscais, bem como inserir neles elementos inexatos para burlar a fiscalização;

Negar ou deixar de fornecer notas fiscais, bem como emiti-las com valores inexatos ou falsificá-las;

Deixar de recolher tributos e contribuições sociais no prazo legal, caracterizando apropriação indébita;

Exigir, pagar ou receber qualquer porcentagem sobre deduções de eventuais impostos ou incentivos fiscais;

Exigir, solicitar ou receber vantagens indevidas sobre tributos e contribuições sociais.

 

Importante salientar que, o mero inadimplemento fiscal não gera a ocorrência de crime, ou seja, o atraso no pagamento de impostos, por si só, não é capaz de ser considerado crime. Para a constatação da conduta passível de criminalização são necessários o cumprimento de alguns requisitos, a fim de que seja configurada fraude, sonegação, conluio, ou demais ações que prejudiquem, ou frustrem a arrecadação dos impostos devidos.

 

Esclarecidos tais pontos, caso haja investigação criminal geradora de ação penal, por um dos crimes existentes na lei de crimes tributários, devem ser observadas quais as possibilidades de encerramento da persecução - processo- penal.

 

No momento do recebimento da denúncia o acusado deve analisar calmamente as condutas indicadas, verificando se os atos descritos de fato ocorreram, se foram intencionais, se os valores indicados eram/são realmente devidos, qual a espécie do tributo e qual o motivo da irregularidade.

 

Analisados tais pontos, devemos passar para a fase da busca de teses defensivas. Para melhor exemplificar faremos o recorte analítico da tese de inexigibilidade de conduta diversa, como excludente de culpabilidade.

 

Para tanto, aclaramos que, para que uma ação (ato) possa ser criminalizada ela tem que ser culpável, ou seja, reprovável legalmente, prevista em lei.

 

A culpabilidade é a reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita. Assim, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita inculpável. Devem ser levados em consideração, além de todos os elementos objetivos e subjetivos da conduta típica e ilícita realizada, também, suas circunstâncias e aspectos relativos à autoria[ii].

 

A culpabilidade é composta por três elementos, a imputabilidade (quando o fato é previsto em lei), a potencial consciência da ilicitude (quando o a gente sabia o que fazia) e a exigibilidade de conduta diversa (quando não deveria ser feita a conduta).

 

Caso inexistam um dos elementos, o fato não pode ser considerado culpável, sendo o caso de excludente de culpabilidade, findando a acusação criminal. Existem inúmeras previsões legais para a exclusão da culpabilidade, como a inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, art. 26, caput, CP, o erro de proibição, art. 21, caput, CP, a coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte), dentre outras.

 

Assim, quando era exigível que a pessoa (física ou jurídica) agisse de outra forma, mas não fez, temos a exigibilidade de conduta diversa. Exige-se que não se pratique uma ação, portanto, sendo uma conduta delitiva, criminosa.

 

Mas quando é inexigível que uma conduta seja praticada? Pois bem, essa é a tesa que vimos aclarar, uma vez que, por diversos momentos é inexigível que o agente se porte de outra forma, sendo a causa de exclusão da culpabilidade.

 

É o caso da crise que vem assolando o nosso país, agravada com a pandemia mundial de COVID-19. Não é incomum que ocorram atrasos de adimplemento fiscal, com a finalidade de manutenção da higidez das empresas, que, com muito custo, lutam para manterem-se abertas.

 

Por esse motivo trazemos ao debate a questão da inexigibilidade de conduta diversa, pela ocorrência de abalos à estrutura da empresa, devido a graves crises financeiras. Na medida que é desmedida a exigência que, ao atravessar sérios problemas os administradores das sociedades empresárias venham a comprometer a empresa, bem como a sua própria vida, para manter em dia as suas obrigações tributárias.

 

A inexigibilidade de conduta diversa é tese adequada, e amplamente aceita, para ser defendida quando o agente tiver agido devido a impossibilidade de atuar de outra forma.

 

A inexigibilidade de conduta diversa deve ser invocada como tese defensiva sempre que se vislumbre a real impossibilidade de o agente, no caso concreto, agir de forma diferente. Nesse contexto os fatores sociais, políticos e até mesmo culturais poderão ser determinantes para amparar a tese.[iii]

 

Assim, caso existam justos motivos para a ação considerada criminosa, sim há possibilidade de absolvição pela inexigibilidade de conduta diversa. Esse é o entendimento aplicado pelas cortes, quando da comprovada existência de condições anormais, severas, suportadas por empresas, como foi o caso da reforma da sentença APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5010322-95.2017.4.04.7001/PR, vejamos:

 

"Além da redução do quadro de empregados durante o período de crise tanto da matriz quanto da filial, a prova documental contemporânea aos fatos demonstra a existência de execuções fiscais de expressivo montante, assunção de empréstimo de valor igualmente elevado acordo com o BRDE para pagamento de dívida de mais de doze milhões de reais e aproximadamente quarenta reclamatórias trabalhistas"

“A situação evidenciada, assim, demonstra ser crível a existência de condições anormais suportadas pela sociedade empresarial e que lhe retiraram a possibilidade de honrar todos os débitos, impondo-se o reconhecimento da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa."

 

Esse também foi o entendimento, em sentença de absolvição sumária proferida em nossa comarca, vejamos trecho do dispositivo:

 

[...]

Resta, portanto, demonstrado, pelos documentos apresentados, que, no período indicado na denúncia, a empresa administrada pelo acusado encontrava-se em sérias dificuldades financeiras, com redução do faturamento, prejuízo no período e grande endividamento com credores em geral, com o fisco e com os trabalhadores. Por outro lado o pedido de recuperação judicial demonstra a vontade do administrador de recuperar a empresa dentro dos parâmetros legalmente permitidos. Ademais, como já mencionado, a empresa manteve escrituração contábil e fiscal regular, tendo apresentado as declarações de tributos nos termos da lei.

[...]

Ante o exposto, julgo improcedente a denúncia proposta pelo Ministério Público Federal para absolver o réu XXXXX, com base no art. 386, VI, do Código Processual Penal. (omissão do nome do cliente proposital).

 

Desse modo, inequívoco dizer que, quando existam causas que denotem clara impossibilidade de agir de modo diverso, com documentação que comprovem as condutas, é sim possível a obtenção de absolvição criminal, com base na inexigibilidade de conduta diversa.

 

Sendo o que tínhamos para declarar até o momento, ficamos à disposição para melhor esclarecermos os pontos abordados brevemente no presente informativo.

 

Ellen Souza Martins

OAB/RS 100.719

 

[i] http://www.iaf.org.br/crimes-contra-a-ordem-tributaria/

[ii] CASTRO, Marcela Baudel de. A culpabilidade no Direito Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18n. 352120 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23766. Acesso em: 23 fev. 2021.

[iii] https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/692503008/a-inexigibilidade-de-conduta-diversa-como-tese-defensiva#:~:text=Como%20dito%20anteriormente%2C%20o%20nosso,de%20causas%20excludentes%20de%20culpabilidade.&text=Desse%20modo%2C%20a%20inexigibilidade%20de,capaz%20de%20excluir%20a%20culpabilidade.


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