GESTÃO DE CRISE NO ÂMBITO PRIVADO EM TEMPOS DE COVID-19: AS POSSÍVEIS LEIS TRANSITÓRIAS E AS ORIENTAÇÕES PARA MINORAR O DESEQUILÍBRIO PATRIMONIAL

15/05/2020

Compartilhe:              


Não há dúvidas quanto a drástica mudança na vida de todos os brasileiros com o surgimento do novo coronavírus. Diante de inúmeras medidas legislativas adotadas em todas as esferas públicas, estabelecendo estado de calamidade pública, determinando o isolamento social, o fechamento de escolas, indústrias e comércios, visando reduzir a disseminação do vírus na tentativa de evitar uma crise sanitária, o impacto foi certeiro, também, perante a economia.

Com isso, diversas foram as medidas e leis no intuito de reduzir da melhor e mais abrangente maneira os impactos econômico financeiros na vida dos brasileiros enquanto perdurar a pandemia do Covid-19.

            Contudo, ainda há importantes Projetos de Lei emergenciais tramitando no Congresso Nacional, com o objetivo de minimizar ainda mais a colisão econômica financeira das pessoas físicas e jurídicas no que tange as relações estabelecidas na esfera do direito privado. Como é o caso dos Projetos de Lei nº 675/2020, nº 1179/2020 e nº 1397/2020, que possuem disposições transitórias para enquanto durar o decreto de calamidade pública nacional.

            Brevemente, passa-se a expor as principais disposições que cada um destes projetos de lei prevê até este momento, enquanto ainda estão em fase de análise e aprovação.

PL nº 675/2020[1]: Insere disposição transitória na Lei nº 12.414/2011 (a Lei do cadastro positivo), para enquanto durar a pandemia do Covid19, vedando a inserção no banco de dados de que trata a lei, de informações de inadimplemento de pessoas físicas ou jurídicas, para formação de histórico negativo de crédito.

Vale observar que antes mesmo da aprovação de referida lei, os sistemas de cadastros de proteção ao crédito Serasa Experian, Boa Vista SCPC, SPC Brasil e Quod já noticiaram que estão estendendo o prazo para negativação dos devedores – inclusão no cadastro de inadimplemento. A partir de 17/04/2020, após o interessado receber a comunicação de que será negativado, este levará até 45 dias para ocorrer. Antes, levava apenas 10 dias.

A medida publicizada pelos referidos sistemas deverá durar 90 dias, podendo ser prorrogada, tendo por objetivo, nitidamente, alongar os prazos para que o devedor possa renegociar com o credor durante esse momento de intensa crise que afeta tantas pessoas, físicas e jurídicas. Assim como, para eventualmente conseguir, com menos dificuldades, créditos junto às instituições financeiras e fundos de investimento para auxiliar na sua sobrevivência.

PL nº 1179/2020[2]: Dispõe sobre o denominado Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações de Direito Privado, alterando temporariamente normas do Código Civil, Consumidor e até mesmo da Lei de Locações, enquanto durar o decretado estado de calamidade pública.

Como termo inicial dos eventos derivados da pandemia causada pelo novo coronavírus, referida lei considera a data de 20/03/2020 e, em sua maioria, dispõe o termo final para as determinações, a data de 30/10/2020.

Como medidas principais a serem apontadas estão, o impedimento ou suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais durante o período compreendido entre a entrada em vigor da Lei e o dia 30 de outubro de 2020.

Assim como, há o reconhecimento de caso fortuito e força maior aos contratos, não considerando, porém, como fatos imprevisíveis os efeitos da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

Dispõe que o direito de arrependimento por uma compra, pelo consumidor, fica suspenso para a hipótese de entrega domiciliar (delivery), de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.

Ainda, veda a concessão de liminares de despejo de imóvel urbano para as hipóteses dispostas no inciso I, II, V, VII, VIII e IX do §1º do artigo 59 da Lei de Locações, incluindo a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, devendo-se observar, contudo, que a ação deve ter sido ajuizada a partir de 20/03/2020.

PL nº 1397/2020[3]: Prevê medidas transitórias até 31/12/2020 ou até quando perdurar o estado de calamidade pública, englobando qualquer pessoa natural ou jurídica que exerça atividade econômica, ou seja, também pode beneficiar pessoas físicas que se enquadrem como agentes econômicos.

O projeto institui um período de suspensão legal por 60 dias a contar da vigência da lei, durante o qual deverão ficar suspensas todas as ações judiciais, de natureza executiva, que envolvam discussões ou cumprimento de obrigações vencidas após o dia 20/03/2020, bem como revisionais de contrato.

Cria o procedimento denominado Negociação Preventiva que, quando decorrido o prazo de 60 dias da suspensão legal, no caso de o agente econômico comprovar a redução igual ou superior a 30% do seu faturamento comparado com a média do último trimestre, poderá ingressar uma única vez com esse procedimento.

Ajuizado este procedimento e concedendo o juiz o pedido, poderá continuar a suspensão das ações e execuções por mais 60 dias, período em que o devedor deverá buscar renegociar suas dívidas com seus credores.

Ainda, o projeto também traz significativas e provisórias alterações na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, dentre elas a possibilidade de suspensão por 120 dias das obrigações assumidas nos planos de recuperação homologados e até mesmo permitindo que as recuperandas apresentem novo plano de recuperação, incluindo créditos que sejam posteriores à distribuição do pedido de soerguimento.

Sem adentrar nos aspectos positivos e negativos de cada um deles, certo é que a suas aprovações são emergenciais e possibilitarão uma melhor reestruturação e enfrentamento da crise econômica atual pelos agentes do mercado, visando evitar uma enxurrada de insolvências e até mesmo, falências.

Além disso, vem para nortear a todos com maior segurança jurídica sobre determinadas questões que já estão sendo questionadas e judicializadas, evitando, também, decisões divergentes entre juízes e tribunais, assim como o abalroamento da justiça, de forma a prevenir e até mesmo incentivar maiores negociações extrajudiciais entre particulares.

            Enquanto não contamos com a aprovação destes projetos de lei, é possível apontar para uma forma e direção de gestão de crise no direito privado com intuito de minorar a crise econômica e o desequilíbrio patrimonial com ela advindo, considerando-se o que a legislação já dispõe, a doutrina ensina e orienta, somado a artigos e conteúdos jurídicos que estão sendo veiculados pelos doutrinadores neste momento de pandemia.

Certo e unânime é, tanto para os contratos pactuados, como para as obrigações avençadas antes desse grave momento de crise e de imprevisão, acerca da importância de se estabelecer entre as partes contraentes um diálogo constante visando reequilibrar, de forma justa e proporcional, as cláusulas e obrigações perfectibilizadas.

Isso porque, é notório que os reflexos da pandemia vêm dificultando ou até mesmo impossibilitando o cumprimento de obrigações e contratos que, através dos preceitos legais do Código Civil, permite-nos defender que estamos diante de situação de caso fortuito e força maior.

De forma que, o caso fortuito e a força retiram do devedor a responsabilidade de eventuais prejuízos pelo descumprimento de obrigações, bem como permite que não incidam, durante esse período, encargos da mora como juros e multas ante eventual inadimplemento.

Nesse sentido, deve-se atentar para a boa-fé objetiva, que permeia o contrato durante todas as suas fases, inclusive a pós contratual, de forma que as partes podem e devem renegociar o que restou pactuado.

Há o dever de cooperação neste importante momento, de maneira que a flexibilização das obrigações e cláusulas contratuais que estejam onerando excessivamente uma parte em detrimento da outra se torna necessária para reequilibrar financeiramente e conferir, de volta, estabilidade para os que estiverem sendo afetados na relação, devido aos efeitos da pandemia.

Importante, também, que essas negociações sejam devidamente registradas e documentadas entre as partes, desde as primeiras propostas apresentadas, requerendo-se e exigindo, sempre, uma resposta escrita em prazo razoável, que no caso presente certamente não deve ultrapassar muitos dias.

De maneira que, não havendo um consenso ou até mesmo uma recusa indevida de renegociar, esgotada alternativa que não seja a judicialização, será possível mostrar ao juiz que houve a devida tentativa e tratativa negocial extrajudicial, porém esgotada, não havendo outra alternativa do que submeter ao Judiciário a análise e ponderação quanto a necessidade de reequilibrar o contrato, revisando-o, suspendendo-o ou até mesmo extinguindo-o.

Outrossim, há convicção que cada caso deve ser analisado separadamente, pois os efeitos da pandemia podem impactar de diferentes formas a base econômica e financeira para os contraentes, a depender da capacidade econômica dos agentes, do ramo de atividades, do quão afetado foram com os reflexos do novo coronavírus e qual o seu potencial de recuperação.

Assim, é necessário que a situação econômica das partes tenha se alterado, efetivamente, ante os impactos da pandemia, de forma que as obrigações e os termos do contrato se tornem excessivamente onerosos para uma, ou até mesmo ambas as partes contratantes.

Dessa forma, evidente a imprescindibilidade de existirem provas, notadamente contábeis, a demonstrar de forma clara e precisa os impactos e os efeitos causados pela crise, de forma a refletirem sobre a relação contratual cujo intuito seja revisar, suspender ou extinguir.

Por fim, a depender do alcance da reestruturação ou não visualizando alternativas capazes de conter a crise, a insolvência, baixa liquidez e a perda de patrimônios essenciais, o ordenamento jurídico brasileiro traz a importante alternativa para auxiliar os agentes econômicos a atravessar a crise transitória e que se espera seja superável, por meio dos institutos da recuperação extrajudicial e judicial.

Esses procedimentos vêm como um caminho alternativo para o empresário e a sociedade empresária para que possam continuar operando, enquanto negociam com seus credores, sem se verem forçados a fechar as portas, ficando mantida, assim, sua função social, gerando empregos, renda e aquecendo a economia da região ou do país em que situados.

Estamos vivendo um momento atípico, o abalo econômico financeiro às pessoas naturais e jurídicas longe será por mera inidoneidade suas, mas sim pelas consequências imprevisíveis e alheias às suas vontades.

Os efeitos inesperados e consequências até mesmo incertas até então, tornam necessária a presença, cada vez mais, do diálogo e do bom senso, realidade que muitos têm dificuldades em visualizar como solução, mas que, neste sensível momento, demonstra-se como sendo a medida mais célere e eficaz para todos. 

O escritório Crippa Rey Advogados se coloca à disposição de seus clientes e parceiros para enfrentar este delicado momento de crise econômica, visando auxiliar nas orientações mais adequadas para cada caso concreto, para o reequilíbrio patrimonial e para a reestruturação dos agentes de mercado em geral.


Cadastre na nossa NEWSLETTER e recebe notícias em primeira mão.