TRAVAS BANCÁRIAS E A FRUSTAÇÃO NO SOERGUIMENTO DA EMPRESA

17/09/2021

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É frequente que as empresas procurem linhas de créditos junto ao setor bancário, tanto para as operações diárias, quando para realizar investimentos de grande vulto, tal como ampliação da fábrica, modernização de linha de produção, entre outros outros.

 

Também é comum que as dividas em razão das linhas de crédito junto ao setor bancário sejam amortizadas por cessões de crédito, os quais podem varias entre cessão de duplicadas, aplicações financeiras, cessão fiduciária de títulos e de direito creditórios, entre outros. Tais cessões ocorrem durante as operações diárias das empresas, em que os títulos são cedidos ao bancos como forma de amortização da dívidas.

 

Ocorre, que, no setor empresarial, o meio mais comum de quitar as obrigações entre aqueles que compõe a cadeia produtiva, é por meio de emissão de duplicadas, ou seja, é por meio das duplicadas que a maior parte das empresas tem o adimplemento da prestação do seu serviço com a entrega das duplicadas.

 

Sendo assim, é notável que a empresa acaba ficando sem acesso à grande parcela de valores que seriam recebidos, os quais são direcionadas diretamente às instituições financeiras fornecedoras das linhas de crédito.

 

Portanto, forma-se um verdadeiro ciclo vicioso, pois a empresa, principalmente quando ultrapassa por um cenário de crise econômica-financeira, encontra dificuldade para arcar com todas as obrigações bancárias contraídas, mas também não tem acesso a expressivo montante para que possa ser injetada na sua atividade a fim de alavancar o processo produtivo, objetivando a melhora do cenário econômico.

 

Sendo assim, é evidente que com a cessão dos referidos títulos de crédito como meio de amortização de dívida, conhecido como travas bancárias, há uma limitação de acesso a recursos que são essenciais ao desenvolvimento das atividades da requerente.

 

Quando a empresa passa a vivencias um crise econômica-financeira, tal cenário tornna-se ainda mais critico, pois é evidente que a empresa se encontra impedida de ter acesso ao recursos proveniente da prestação do seu serviço, tendo em vista que os valores são depositados em conta de titularidade da empresa, mas vinculada ao credores bancário.

 

Portanto, quando a empresa passa a enfrentar crise economica-financeira, na qual as travas bancárias podem ter contribuído, e vislumbra na recuperação judicial meio para o seu soerguimento e reestruturação, é de suma importância uma análise quanto ao impacto e regularidade nas cessões creditórios.

 

Pois, entender que a empresa possa permanecer sem acesso a sua principal fonte de pagamemto vai de encontro a existência de todo o processo de recuperação judicial, podendo frustar toda a capacidade de soerguimento e reestruturação da empresa.

 

Perceber que os credores bancários podem permanecer impedindo que a empresa tenha acesso a sua principal fonte de renda, torna tal processo sem objeto, além de ferir todos os demais credores da empresa.

 

Tal situação favorece, unicamente, os credores bancário, ofendendo o princípio da par condictum creditarium e o princípio basilar do instituto da recuperação judicial, sendo o princípio da preservação da empresa , o qual está estampado no art. 47 da LRF:

 

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

O processo de recuperação judicial tem como objetivo manter em atividade a fonte geradora de empregos e de estímulo a atividade econômica. Como já narrado nos fatos da presente exordial, a empresa gera renda a uma vasta cadeia de produtores da região, além dos demais fornecedores e exportadores, sendo evidente que cumpre sua função social e contribuí para o desenvolvimento da atividade econômica.

 

Portanto, a permanência das travas bancárias impede a empresa de continuar exercendo sua atividade empresarial de modo saudável, ofendendo os princípios norteadores do processo recuperacional; além de não encontrar respaldo legal para tanto.

 

Sendo assim, os títulos e as aplicacoes financeiras devem ser liberados e restituídos à empresa, tendo em vista que entendimento contrário afronta a Lei de RecuperaçãoJudicial e Falência.

Ainda, cabe ressaltar, a Lei 11.101/2005 traz, em seu artigo 6º, §4º, que ante ao deferimento do processo de recuperação judicial devem ser suspensa todas as ações e execuções em face da recuperando, ou seja, veda-se qualquer ato expropriatório em tal período.

 

Ademais, tal suspensão ainda se aplica aos crédito extraconcursais quanto se tratar de bem essencial a atividade empresária, o que, obviamente, corresponde à receita a ser recebida, sendo emprescindível para manutenção da atividade empresária.

 

É o que estabelece o art. 49, §3 da LRF:

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

 

Nesse mesmo sentido, foi o que recentemente decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em relação ao processo de recuperação judicial da Livraria Cultura.

 

No agravo de instrumento tombado sob o n° 2236949-78.2018.8.26.0000/50000, o TJSP reconheceu a essencialidade dos recebíveis cedidos fiduciariamente, determinando a abstenção de bloqueio por “travas bancárias”:

 

Agravo Interno. Inconformismo contra a decisão liminar que manteve a decisão de primeiro grau. Recuperação judicial. Decisão recorrida que reconheceu a essencialidade de recebíveis cedidos fiduciariamente para o fim de determinar a abstenção de bloqueio por 'travas bancárias' do montante tido como imprescindível para o desenvolvimento das atividades da recuperanda. Inconformismo. Competência do Juízo da recuperação para constatação da essencialidade do bem. Precedente do C. Superior Tribunal de Justiça. Mérito. Agravante que sustenta que dinheiro não se enquadra na exceção prevista no final do §3º, do art. 49, da LRJ, tampouco é possível a aplicação analógica do art. 49, §5º, LRJ, por tratar especificamente de penhor. Irrelevância. Cessão fiduciária que não tem previsão literal expressa no artigo 49, §3º, LRJ. Criação do instituto meses antes da vigência da Lei n. 11.101/05. Caso o crédito seja considerado concursal, há impossibilidade de excussão dos direitos creditórios de recebíveis cedidos. Se considerado extraconcursal, a cessão fiduciária, ao receber o bônus do art. 49, §3º, LRJ, também deve se sujeitar aos ônus impostos pela lei. Essencialidade comprovada por demonstração do administrador judicial. Decisão mantida. Recurso improvido. (Tribunal de justiça do Estado de São Paulo, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Ag Int. n. 2236949-78.2018.8.26.0000/50000. Relator HAMID BDINE, 2018).

 

Ademais, é imprescindível a análise dos créditos amortizados por cessão de recebíveis, haja vista que é comum que na maiorias das operações este não guarnecem características de créditos extraconcursais, devendo serem quitados nos termos no plano de recuperação judicial a ser apresentados pelo empresa no momento oportuno.

 

Para se fato serem encontrados como créditos extraconcursias, é necessário que exista descrição de quais créditos foram cedidos, ou seja, a individualização dos créditos. Caso contrário, não há caracterização das obrigações objeto da cessão.

 

Tal vício de individualização é nítido quando, por ventura, fosse necessário determinar qual credor tem direito sobre qual título cedido, não seria possível, pois na maioria dos contratos de cessão creditais a fim de implementar as travas bancárias, somente, consta que a garantia será por meio de cessão de duplicatas, sem discriminar quais duplicatas.

 

Conforme dispõe o art. 1362, IV do Codigo Civil, é necessário a individualização da garantia para que essa possa ser válida e eficaz:

 

Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I - o total da dívida, ou sua estimativa;

II - o prazo, ou a época do pagamento;

III - a taxa de juros, se houver;

IV - a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

 

Ainda, a Lei 4728/65, que regula o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento, em seu artigo 66-B, §4 [1], dispõe que, para a cessão de títulos de crédito aplicar-se-á o disposto no artigo 18, IV da Lei 9514/97, que dispõe sobre o sistema de financiamento imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e outras, vejamos:

 

Art. 18. O contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida, e conterá, além de outros elementos, os seguintes:

I - o total da dívida ou sua estimativa;

II - o local, a data e a forma de pagamento;

III - a taxa de juros;

IV - a identificação dos direitos creditorios objeto da cessão fiduciária.

 

No mesmo sentindo, deixando evidente a necessidade de invidualização dos créditos cedidos, dispõe o artigo 33 da Lei 10.931/04:

 

Art. 33. O bem constitutivo da garantia deverá ser descrito e individualizado de modo que permita sua fácil identificação.

 

Além da individualização da garantia, para esta ter eficácia perante terceiros se faz necessário que se proceda o registro do contrato.

 

Sendo assim, tais garantias sem o devido registro público não se aplicam a sujeitos estranhos à relação entre banco e empresa, ou seja, perante os credores, tal cessão fiduciária não tenha qualquer eficácia. Ou seja, não há justificativa para que o crédito bancário não se encontre sob os efeitos dos demais credores concursais.

 

Nesse sentido dispõe o artigo 42 também da Lei 10.931/04:

 

Art. 42. A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações previstos na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei.

 

Ainda nesta linha de raciocínio, o artigo 1.361 do Código Civil:

 

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1 o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

 

Em outros termos, ante a ausência de registro, a cessão creditório não tem eficácia perante terceiros; bem como não se constitui a garantia fiduciária, logo não há a transferência de propriedade sob tais títulos.

 

Assim representa o entendimento do TJSP:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - NÃO SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL - "TRAVA BANCÁRIA" - CONTRATOS DE CESSÃO JUDICIÁRIA NÃO REGISTRADOS - RECURSO NÃO PROVIDO. Evidencia-se que a "trava bancária", ou cessão fiduciária de créditos recebíveis, é a garantia oferecida aos bancos pelas empresas na obtenção de empréstimos bancários para fomentação de suas atividades. Para a validade da "trava bancária", a fim de oposição do crédito fiduciário aos demais credores da empresa em recuperação judicial, faz-se necessário seu registro perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio da empresa recuperanda, antes da distribuição do pedido de recuperação judicial. Verificando que o contrato de cessão fiduciária de crédito, conhecido por "trava bancária", não foi registrado no Registro de Títulos e Documentos do domicílio da devedora, a instituição financeira não poderá proceder a "trava bancária" bloqueando os valores da recuperanda. Portanto, há necessidade prévia de registro do contrato de alienação fiduciária como condição sine qua non para a constituição da propriedade fiduciária. (TJ-MG - AI: 10024132763418003 MG, Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 16/12/2014, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2015).

 

Na verdade, se está diante de uma promessa de cessão fiduciária, pois o devedor resta impossibilitado de ceder a propriedade do recebível antes de tê-la recebido, ou seja, é uma cessão fiduciária de recebíveis futuros, incertos e inexistentes.

 

Logo, o credor bancário não detém a propriedade sobre tais títulos de créditos, não se justificando como credor extraconcursal, devendo estar presente no quadro geral de credores.

 

Assim, no tempo do ajuizamento da recuperação judicial se esta diante de um crédito a performar, não estando completamente aperfeiçoado, não sendo o banco credor titular da quantia, pois se esta diante de crédito futuro, logo não se equadra no dispoto no art. 49, §3 da LRF

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

 

É no mesmo sentido o entendimento do TJSP

 

Todavia, no que se refere aos direitos creditórios cedidos, sobretudo sobre o crédito futuro, a maioria desta C. Câmara vem entendendo que apenas deve ser considerado extraconcursal o título cedido ou o recebível aperfeiçoado antes da distribuição do pedido recuperacional, tratando-se, pois, de crédito performado; em contrapartida, o crédito a performar, ou seja, os recebíveis cedidos formados posteriormente à distribuição da recuperação, tratar-se-iam de crédito concursal.

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de instrumento n. 2193469-45.2021.8.26.0000. Relator Des. Leonardo Fernandes Dos Santos, julgado em 19 de agosto de 2021.) (grifei).

 

Além do mais, a obrigação derivada da promessa de cessão de recebíveis trata-se de obrigação a qual o devedor em recuperação judicial não pode cumprir, tendo em vista que estaria privilegiando determinado credores em detrimento dos demais, ante ao pagamento fora dos termos do planos de recuperação judicial, que , inclusive, dá ensejo a crime falimentar, nos termos do art. 126 da LRF.

 

É importante que se compreendar o impacto no fluxo de caixa da empresa com a liberação ou não das travas bancárias. Pois, com o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial e, liminarmente, determinar a liberação das travas bancárias, a empresa terá capacidade de manter suas operações ativas podendo se restruturar para obter um equilíbrio econômico e financeiro, visto que poderá realizar negociações de compra de matéria prima a vista obtendo descontos consideráveis.

 

Ademais, a liberação dos recebíveis e aplicações financeiras à empresa possibilitará o investimento em clientes mais rentáveis e melhora dos processos internos, obtendo assim uma margem melhor que lhe possibilitará o cumprimento de todas as obrigações em menor prazo, acarretando na recuperação da empresa com maior celeridade.

 

Portanto, é cristalina a importância do deferimento da liberação das travas bancárias à autora para o processo de soerguimento e restruturação empresarial, sob o risco de levar ao fim da empresa em privilegio se um único credor ou em proteção, somente, do setor bancário.

 

 

Letícia Maracci

OAB/RS 107.962

Departamento de Reestruturação Empresarial.

 

 

[1]Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.

(...)

§ 4o No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.


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