A regulamentação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking) no Brasil

06/07/2020

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O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações legislativas e regulamentares, apresentar INFORMATIVO referente a Resolução Conjunta n. 1, de 4 de maio de 2020,  instituída pelo Banco Central, com autorização do Conselho Monetário Nacional, que dispõe sobre a implementação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking) por parte de instituições financeiras, instituições de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Em maio deste ano, foi editada a regulamentação, por meio da qual foram definidas quatro fases de implementação do sistema Open Banking. Se o plano for rigorosamente seguido, a previsão para que o sistema comece a funcionar é no segundo semestre de 2020, a partir de 30 de novembro, com a estimativa de estar totalmente implementado até outubro de 2021.

De acordo com o Banco Central do Brasil, para os fins dispostos na Resolução Conjunta 1/2020, define-se o Open Banking como o compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas[1].

Em outras palavras, o Open Banking é um sistema de compartilhamento de dados, produtos, informações e serviços financeiros pelos clientes bancários visando a abertura e integração de plataformas e infraestruturas de tecnologia capazes de descentralizar as informações financeiras detidas por grandes operadoras, como os bancos tradicionais, mediante autorização prévia do cliente proprietário dos dados, para que seja possível o acesso a melhores taxas, prazos e serviços financeiros[2].

O objetivo é possibilitar uma melhor oferta de produtos financeiros nos próximos anos, por meio do aumento da competitividade entre o sistema financeiro, incluindo-se neste rol as fintechs (pequenas empresas de tecnologia que atuam no setor financeiro e oferecem, por exemplo, contas digitais e crédito pela internet), permitindo que o cliente escolha que solução usar e tenha mais controle sobre seus próprios dados bancários.

Segundo o Banco Central, o Open Banking é uma aposta para reduzir as taxas de juros e gerar serviços financeiros melhores, mais eficientes e mais baratos para o cliente, sendo este um projeto centrado no consumidor, e tendo por base o princípio norteador de que ele é o proprietário de seus dados. Portanto, a segurança e privacidade de dados também se constitui como um dos princípios basilares, no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados.

Para as instituições reguladoras, o Open Banking cria um ambiente propicio para o surgimento de novas soluções de serviços e é um passo importante no processo de digitalização e profunda inovação do sistema financeiro, visto que propicia a redução de assimetria de informações entre os prestadores de serviços financeiros, favorecendo, assim, o surgimento de novos modelos de negócios e de novas formas de relacionamento entre instituições e entre essas e seus clientes e parceiros. Além disso, é um tema atual que vem sendo discutido em vários países ao redor do mundo, com escopo e dimensões diferentes. No caso brasileiro, as autoridades optaram por um modelo o mais abrangente possível.

Segundo a Resolução, constituem objetivos e princípios do Sistema Financeiro Aberto, para fins do seu cumprimento:

“Art. 3º Constituem objetivos do Open Banking:

I – incentivar a inovação;

II – promover a concorrência;

III – aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro; e

IV – promover a cidadania financeira.

Art. 4º As instituições de que trata o art. 1º, para fins do cumprimento dos objetivos de que trata o art. 3º, devem conduzir suas atividades com ética e responsabilidade, com observância da legislação e regulamentação em vigor, bem como dos seguintes princípios:

I – transparência;

II – segurança e privacidade de dados e de informações sobre serviços compartilhados no âmbito desta Resolução Conjunta;

III – qualidade dos dados;

IV – tratamento não discriminatório;

V – reciprocidade; e

VI – interoperabilidade.”

Na prática, o BC busca instituir uma série de regras a serem seguidas pelo mercado a partir da adoção dessa nova lógica, onde os bancos estarão obrigados a compartilhar as informações, com mecanismos que permitam que serviços bancários sejam isoladamente negociados. Assim, os bancos terão que deixar de funcionar como “caixas-pretas” dos dados de seus clientes.

Isso era impensável até pouco tempo, e, a partir de agora, as instituições financeiras tradicionais precisarão se adaptar a um novo momento de abertura, liberdade e inovação, por meio de parcerias com startups, fintechs e empresas de tecnologia que utilizam APIs (Application Programming Interface)[3] para criar uma imensa variedade de serviços financeiros que não estão hoje na cartela de produtos dos bancos.

Isso significa que a mudança facilitará a troca de valor entre produtores e consumidores de serviços financeiros, criando um ambiente favorável a novos modelos de negócios digitais através de APIs e ecossistemas inovadores, sendo possível alavancar dados, insights e extrema personalização de serviços, onde abre-se caminho para que o banco funcione como marketplace de serviços (uma espécie de “fábrica” de produtos financeiros), oferecendo produtos originados do ecossistema e agregando produtos e serviços de terceiros, por meio de uma visão ampla de dados que expõe o perfil financeiro completo a terceiros.

Segundo o Banco Central, o processo regulatório do Open Banking terá início em 30 de novembro de 2020, com estimativa de conclusão para outubro de 2021, tendo sido dividida a implementação em quatro fases:

  1. Fase I: o público terá acesso a dados sobre produtos e serviços das instituições financeiras participantes, no que diz respeito a canais de atendimento, serviços relacionados a contas de deposito à vista (corrente) ou poupança, contas de pagamento ou operações de crédito;
  2. Fase II: início do compartilhamento de dados e informações cadastrais de clientes e representantes entre instituições participantes do sistema, bem como a dados de transações dos clientes acerca dos serviços mencionados na Fase I, ou seja, esta fase é destinada à identificação e qualificação do cliente;
  3. Fase III: início do compartilhamento de dados transacionais do cliente, mediante histórico de informações financeiras, isto é, ocorre nesta fase o serviço de iniciação de transação de pagamento entre instituições participantes, bem como o compartilhamento do serviço de encaminhamento de proposta de operação de crédito entre instituições financeiras e correspondentes no país eventualmente contratados para esta finalidade;
  4. Fase IV: fase da oferta de serviços, onde ocorre a iniciação de serviços de pagamento, isto é, ocorre a expansão do escopo de dados para o Open Banking passar a incluir, entre outros, serviços como operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência complementar aberta, tanto no que diz respeito aos dados acessíveis ao público, quanto aos dados de transações compartilhados entre instituições participantes.

O compartilhamento de dados dos clientes, que começa a partir da Fase II, deverá ser realizado com o consentimento dos consumidores, em um modelo que esteja de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, conforme mencionado anteriormente. Assim, a Resolução prevê a responsabilidade pelo compartilhamento das informações, ficando a instituição participante responsável pela confiabilidade, integridade, disponibilidade, segurança e pelo sigilo em relação ao compartilhamento de dados e serviços em que esteja envolvida, bem como pelo cumprimento da legislação e da regulamentação em vigor[4].

Os padrões de tecnologia, governança, segurança e desenho de interface do Open Banking foram idealizados, segundo o Banco Central, para serem estabelecidos pelo próprio mercado, por meio da autorregulação, tendo conferido peso igual às diferentes categorias de instituições participantes, limitando o poder dos grandes bancos na tomada de decisões[5].

Após esse período de implementação, acredita-se que o Open Banking irá afetar toda a dinâmica econômica do setor, visto que o sistema financeiro do Brasil é altamente concentrado (poucos bancos dominam o mercado e ofertam a maioria do crédito). Assim, o principal problema do sistema financeiro brasileiro, referente à concentração de poder na mão de poucos bancos ou grupo, parece ter sido mitigado.

Diante do cenário inovador que as tecnologias disruptivas da 4ª Revolução Industrial vêm propiciando, por meio da Robótica, Inteligência Artificial, Big Data e Internet das Coisas, dentre outras, o Brasil tem sido considerado um país a frente nas questões de inovação do sistema financeiro e bancário por meio da regulamentação do Open Banking. No mundo, além da União Europeia e do Reino Unido, pioneiros na matéria, há vários países com ações em curso para implantar o Open Banking, como Austrália, Canadá, Cingapura, Estados Unidos, Hong Kong, Japão, Índia, Israel, México, Nigéria e Nova Zelândia, cada qual em momento particular próprio.

Para fins de consulta, informamos que a íntegra da Resolução Conjunta n. 1, de 4 de maio de 2020, está disponível para leitura no portal do Diário Oficial da União, e pode ser acessada clicando no link que segue: http://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-conjunta-n-1-de-4-de-maio-de-2020-255165055.

Sendo o que tínhamos para esclarecer no momento, colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para maiores consultas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outras explicações.

 

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[1] Artigo 2º da Resolução Conjunta n. 1, de 4 de maio de 2020, do Banco Central do Brasil.

[2] No âmbito da Resolução Conjunta 1/2020, o Banco Central também publicou a Circular n. 4.015, na mesma data, a qual dispõe sobre o escopo de dados e serviços do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking).

[3] As APIs podem ser definidas como sistemas de acesso digital que permitem que softwares e serviços possam ser integrados. Os aplicativos mais utilizados rotineiramente nos Smartphones são feitos de várias APIs.

[4] Artigo 31 da Resolução Conjunta n. 1, de 4 de maio de 2020, do Banco Central do Brasil.

[5] O Open Banking será obrigatório apenas para as instituições financeiras de grande porte, classificadas pelo Banco Central como S1 e S2.


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