A Lei de n° 11.101/2005 foi redigida para regularizar a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, objetivando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
No processo de falência, o administrador judicial apresentará ao juiz exposição circunstanciada, considerando as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, além de outras circunstâncias a respeito da conduta do demandado e dos responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicial ou com a falência.
Conforme previsão do artigo 184, os crimes são de ação pública incondicionada, ou seja, em regra quem detêm a legitimidade para oferecer denúncia é o representante do Ministério Público. Caso ultrapassado o prazo para o oferecimento da denúncia e verificada a inércia do parquet, o administrador judicial ou qualquer credor habilitado, poderá oferecer a ação penal privada subsidiária da pública, observando o prazo decadencial de 6 meses.
Quanto a competência para conhecer das ações penais pelos crimes previstos na lei, é do juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação ou homologado o plano de recuperação extrajudicial. Com relação á natureza dos crimes, a doutrina não é uníssona. Nesse sentido Almeida¹:
Há na doutrina grande divergência quanto à natureza do crime falimentar, sustentando uns tratar-se de crime contra o patrimônio, como sucede entre nós com Carvalho. Outros, como Galdino Siqueira, consideram-no crime contra a fé pública, não faltando aqueles que, como Oscar Stevenson, o julga um crime contra a atividade empresarial.
Os crimes falimentares estão previstos nos artigos 168 a 178 da lei, com penas que variam de um a seis anos de detenção ou reclusão, a depender da figura penal, bem como penas alternativas, o que pode possibilitar alguns benefícios legais ao réu condenado.
A configuração do crime falimentar precisa da presença de três requisitos, sendo eles a existência de um devedor empresário ou sociedade empresária que tenha sentença declaratória de falência, ou que tenha a concessão da recuperação judicial ou homologação da extrajudicial, além de ser necessário a ocorrência de fatos e atos provenientes de dolo ou culpa. Deste modo, verifica-se, portanto, que os crimes falimentares tipificados na referida lei podem ocorrer tanto antes quanto depois da decisão de decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação da recuperação extrajudicial, ressaltando-se que, sem essa decisão, não há falar-se em crime falimentar, tornando as condutas passíveis de serem caracterizadas como crimes de outra natureza.
Vejamos recente jurisprudência nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 168, CAPUT, DA LEI
11.101/05. CRIME FALIMENTAR. FRAUDE A
CREDORES. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DOLO
ESPECÍFICO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO
MANTIDA. ART. 168, §4º, DA LEI 11.101/05.
BENEFÍCIO DE REDUÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DA PENA.
PREJUDICADO. PENA CORPORAL JÁ SUBSTITUÍDA POR
RESTRITIVAS DE DIREITOS NA SENTENÇA. I - Os autos
fornecem elementos probatórios suficiente para
amparar o decreto condenatório. Restou
suficientemente comprovado que o acusado, na
condição e sócio e administrador da empresa
recuperanda, praticou ato fraudulento que
ocasionou prejuízo aos credores e a recuperação
judicial, tanto que culminou na decretação de
falência. II - Também comprovado o elemento
subjetivo do delito, consistente no especial fim de
agir, isto é, o dolo específico de fraudar credores.
Acusado que recebeu valor milionário, proveniente de
ação indenizatória, quantia que serviria para
cumprimento do plano de recuperação da empresa. No
entanto, quitou ínfima parcela dos créditos e, ao
restante do expressivo valor, deu destinação diversa,
em proveito próprio, causando prejuízo aos credores.
III - O art. 168, §4º, da Lei 11.101/05, prevê benefício
de redução ou substituição de pena. Contudo, se aplica
tão somente a microempresas e empresas de pequeno
porte, o que não é o caso dos autos. Outrossim, a pena
corporal imposta ao réu já foi substituída por
restritivas de direito por ocasião da sentença. Nada a
reparar. RECURSO IMPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº
50127375820188210001, Quarta Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal,
Julgado em: 01-09-2022)
O instituto da falência provoca uma série de obrigações e ônus para os representantes da massa falida, que da empresa fazem parte, ou que depois de decretado a sentença “pós falência” venham a participar. Vale lembrar que, no caso das sociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, são equiparados ao devedor ou falido para efeitos penais, conforme prevê o artigo 179 da respectiva lei.
Com relação aos efeitos da condenação por crime falimentar, o artigo 181 dispõe que pode ocorrer a inabilitação para o exercício de atividade empresarial, impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência, impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Cumpre mencionar que os efeitos não são automáticos e devem ser declarados em sentença, podendo perdurar por até cinco anos após a extinção da punibilidade, contudo, com possibilidade de cessar através de reabilitação penal.
Processo penal. Nulidade por cerceamento de defesa.
Inocorrência. Defensor não intimado para a audiância
no juizo deprecado. Ausência de prejuízo. Testemunha
que nada acrescentou ao conjunto probatório.
Inteligência do art. 563 do CPP. Preliminar rejeitada.
Crime falimentar. Axt. 187 da LF (ato fraudulento).
Prescrição da pretensão punitiva. Biênio decorrido
entre a data do recebimento da denúncia e o presente
julgamento. Inteligência do art. 199 da LF. Extinção da
punibilidade. Apelo ministerial prejudicado. Crime
falimentar. Escrituração atrasada de livro obrigatório
(art. 186, VI, da Lei de Falências). Configuração.
Materialidade e autoria demonstradas. Laudo pericial
conclusivo a respeito da paralisação na escrituração do
livro Diário e de Registro de Duplicatas. Crime
falimentar. Falta de rubrica judicial nos balanços (art.
186, VII). Configuração, ainda que não tenha
concorrido para a quebra. Autoria e materialidade
comprovadas. Delito de mera conduta. Caracterização
desde que decretada a quebra. Crime falimentar.
Desvio de bens (art. 188, III). Configuração. Não
arrecadação de bens que constavam da relação de
patrimônio mobiliário apresentada com o pedido de
concordata. Condenação mantida. Apelo defensivo
improvido. Crime falimentar. Interdição para o
exercício do comércio (art. 195 da LF) . Efeito da
condenação. Subsistência até a efetiva reabilitação.
Apelo ministerial parcialmente provido para esse fim.
(TJSP; Apelação Criminal 9101590-96.2002.8.26.0000;
Relator (a): Passos de Freitas; Órgão Julgador: 4ª
Câmara de Direito Criminal; Foro Central Cível - 19ª
Vara Cível; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro:
18/12/2003)
No tocante a prescrição, os crimes falimentares são regidos pelo Código Penal, tendo como início o dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Cumpre ponderar que a decretação da falência é causa interruptiva da prescrição nos casos em que se iniciou com a concessão da recuperação judicial ou homologação da extrajudicial. Dessa maneira, em que pese o Código Penal elencar de maneira taxativa os momentos do início da contagem do prazo prescricional e suas causas interruptivas, a lei de regência estipula particularidades para os crimes da lei de n° 11.101/2005.
Por fim, os crimes falimentares foram instituídos na tentativa de trazer uma maior seriedade aos institutos da falência, recuperação judicial e extrajudicial, punindo com maior rigor a prática de ilícitos penais ocorridos no tramite dos processos de recuperação de empresas, visando desestimular a prática de fraudes e golpes aos credores.
Camila Luzardo
OAB/RS 119.383
¹ SAHINA, Suellen Barbosa. O âmbito material e a natureza jurídica dos crimes falimentares sob a ótica
da Lei 11.101/2005. Disponível em: material-e-a-natureza-juridica-dos-crimes-falimentares-sob-a-otica-da-Lei-11101-2005>