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29/05/2023

E OS CRÉDITOS DE PIS E COFINS SOBRE O ICMS-ST?

Reflexões e tendências sobre o Tema 1.125 dos Recursos Especiais Repetitivos.

 

Luciano Kunzler, Advogado Tributarista

 

 

Não há dúvidas sobre a relevância da decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706, o famoso Tema 69, da “tese do século”, que findou por excluir da base de cálculo de PIS e COFINS os valores a título de ICMS incluídos em seus “recebimentos”, pois não integrantes do conceito de receita, tratando-se de valores com mero trânsito contábil nas contas do contribuinte porém destinados ao ente tributante estadual.

 

Do referido julgado, houve quem aquiescesse com a ideia de que o Tema 1.098 do STF – a tratar da possibilidade ou não de exclusão dos valores de ICMS-ST das bases do PIS e COFINS – seria resolvido nos mesmos moldes do ilustre paradigma, resolvendo a celeuma. Todavia, quando da desafetação do Tema 1.098, o STF reputou tratar-se a questão de matéria de cunho infraconstitucional, dado que a não-cumulatividade das contribuições em exame teria estatura legal, a ser tratada, exclusivamente, pelo competente Superior Tribunal de Justiça.

 

No âmbito do STJ, contudo, a questão sobre a possibilidade de o substituído excluir da base de cálculo de seu PIS e COFINS não-cumulativos os valores de ICMS-ST antecipadamente recolhidos pelo substituto em momento anterior da cadeia, encontra duas vertentes antagônicas em suas 1a e 2a Turmas. A decisão da 2a Turma entende de maneira mais ortodoxa a premissa de ter que haver dupla incidência de PIS e COFINS no substituto e no substituído para que se fale, efetivamente, em crédito da não- cumulatividade e desconto via compensação do PIS e COFINS devidos pelo substituído¹. A decisão da 1a Turma, em sentido antagônico, advoga pelo entendimento de que o creditamento de PIS e COFINS não-cumulativos, por ser previsão expressa advinda da lei de regência, independe da dupla incidência de PIS e COFINS, bastando haver cômputo do valor do ICMS-ST no preço de aquisição da mercadoria para revenda (ou insumo) para que o direito a crédito e compensação seja fruível pelo substituído².

 

Nesse cenário, torna-se imprescindível verificar e acompanhar o que está em julgamento no Tema 1.125 dos Recurso Especiais Repetitivos, no qual dois Recursos Especiais³, um pela Fazenda Nacional e outro pelo Contribuinte, foram selecionados como paradigmas do debate que pretende definir se o valor de ICMS-ST antecipado pelo substituto gera ou não créditos da não-cumulatividade de PIS e COFINS para o substituído. Trata-se exatamente da discussão declinada pelo STF e que se mostra plenamente apta a resolver a cizânia entre as duas turmas da Corte Especial.

 

Entretanto, mister alertar que, como o próprio ordenamento jurídico brasileiro tem demonstrado ultimamente, toda a prudência deve ser considerada e a promessa de encontrar pacificadora e remansosa jurisprudência sobre o complexo tema não é da mais fácil de se acreditar.

 

Saliente-se que, no elenco de assuntos do Tema 1.125, a não-cumulatividade não consta?. A princípio, tal fato pode até não ser um problema e indicar que, realmente, nos moldes em que posta a discussão, trata-se muito mais de verificar a repercussão do Tema 69 na fruição do direito ao creditamento e desconto dos valores de ICMS-ST na apuração do PIS e COFINS do que de um real cotejo das disposições legais com o conceito constitucional de não-cumulatividade.

 

Nesse viés, inclusive, se deram as falas do ilustre Doutor Roque Carrazza, pela contribuinte Distribuidora de Bebidas Maitan, e do Doutor Pedro Henrique Braz Siqueira, pela Confederação Nacional da Indústria enquanto amicus curiae. Amboas ressaltaram que a tese do Tema 69 não fez qualquer distinção quanto ao ICMS enfocado, tratando- se do gênero do qual derivam as espécies próprio e ST, de modo que a segunda espécie traz modificação tão somente quanto ao tempo do recolhimento, em nada modificando a situação de contribuinte do substituído, o qual, se não puder se creditar do imposto que a si competia e que foi pago pelo substituto e repassado no preço de aquisição, importará em acréscimo de 26% na carga tributária deste.

 

O racional é até óbvio, se considerarmos que no valor da aquisição de mercadoria para revenda, ou mesmo de insumos à industrialização, está inserido o valor do ICMS próprio do substituído, antecipado pelo substituto, mas efetivamente pago no preço pelo substituído, no que seria inadmissível obstar-se crédito sobre tal valor.

 

E, a gerar uma certa expectativa positiva no contribuinte, sobretudo naqueles que estão na condição de substituídos na cadeia produtiva em caso de substituição tributária progressiva ou “pra frente”, o ministro relator perfilou-se, em seu voto, com a tese defendida pelos contribuintes. Ou seja, o ministro relator Gurgel de Faria – que anteriormente vedara o creditamento, quando relator na 2a Turma do REsp 1.456.648 – assume agora novo posicionamento, destacando que o regime de arrecadação da substituição tributária em nada modifica a regra de incidência dos tributos e, consequentemente, em nada pode se afastar do racional da “tese do século”. A tese sugerida pelo relator foi a seguinte: “O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidos pelo contribuinte substituído no regime de Substituição Tributária Progressiva.”

 

Ainda é prematuro apontar qual a corrente sairá vencedora, principalmente, após o pedido de vistas da ministra Assusete Guimarães, no que é possível que traga voto-divergente. Além disso, no presente cenário de insegurança jurídica que vivemos, não se pode perder de vista as recentes modificações inseridas no ordenamento jurídico, seja pelas já obtidas decisões judiciais favoráveis em casos isolados com escora direta no RE 547.706/PR – passíveis de modificação ainda que transitem em julgado – bem como, e sobretudo, no que atine ao teor dispositivo da MP 1.159/2023 no ponto, a vedar o creditamento.

 

Por fim, e que traz ainda mais tônus à necessária prudência aos advogados, contadores e empresários, é essencial referir um ponto que passa despercebido aos que não se aprofundam no estudo do direito: o voto do relator e as defesas dos contribuintes, embora alinhadas, apoiaram-se todas na ofensa à “livre-concorrência” e à “quebra do pacto federativo”, em função de permitir que Estados e Distrito Federal editem leis em sentidos opostos, permitindo ou vedando o creditamento, no que se ofertaria, muito provavelmente, vantagens e desvantagens aos contribuintes conforme a unidade federativa em que operem. E, aí, a matéria voltaria, em tese, a ser da alçada do STF, ficando, inclusive, sujeita à sempre abjeta modulação de efeitos.

 

O melhor, no momento, é tomar medidas preventivas e evitar aventuras fiscais, se possível, buscando o respaldo do judiciário para garantir seu direito, ainda que mesmo o judiciário esteja titubeante.

 

 

 

¹ REsp 1.456.648/RS: RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E COFINS NÃO CUMULATIVAS. CREDITAMENTO. VALORES REFERENTES A ICMS-SUBSTITUIÇÃO (ICMS- ST). IMPOSSIBILIDADE. 1. Não tem direito o contribuinte ao creditamento, no âmbito do regime não cumulativo do PIS e COFINS, dos valores que, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS- substituição. 2. Quando ocorre a retenção e recolhimento do ICMS pela empresa a título de substituição tributária (ICMS- ST), a empresa substituta não é a contribuinte, o contribuinte é o próximo na cadeia, o substituído. Nessa situação, a própria legislação tributária prevê que tais valores são meros ingressos na contabilidade da empresa substituta que se torna apenas depositária de tributo (responsável tributário por substituição ou agente arrecadador) que será entregue ao Fisco. Então não ocorre a incidência das contribuições ao PIS/PASEP, COFINS, já que não há receita da empresa prestadora substituta. É o que estabelece o art. 279 do RIR/99 e o art. 3o, §2o, da Lei n. 9.718/98. 3. Desse modo, não sendo receita bruta, o ICMS-ST não está na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas devidas pelo substituto e definida nos arts. 1o e §2o, da Lei n. 10.637/2002 e 10.833/2003. 4. Sendo assim, o valor do ICMS-ST não pode compor o conceito de valor de bens e serviços adquiridos para efeito de creditamento das referidas contribuições para o substituído, exigido pelos arts. 3, §1o, das Leis n n. 10.637/2002 e 10.833/2003, já que o princípio da não cumulatividade pressupõe o pagamento do tributo na etapa econômica anterior, ou seja, pressupõe a cumulatividade (ou a incidência em "cascata") das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS. 5. Recurso especial não provido.

 

² REsp 1.428.247/RS: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. NÃO CUMULATIVIDADE. ICMS - SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA (ICMS- ST). AQUISIÇÃO DE BENS PARA REVENDA POR EMPRESA SUBSTITUÍDA. BASE DE CÁLCULO DO CRÉDITO. INCLUSÃO DO VALOR DO IMPOSTO ESTADUAL. LEGALIDADE. CREDITAMENTO QUE INDEPENDE DA TRIBUTAÇÃO NA ETAPA ANTERIOR. CUSTO DE AQUISIÇÃO CONFIGURADO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973. II - A 1a Turma desta Corte assentou que a disposição do art. 17 da Lei n. 11.033/2004, a qual assegura a manutenção dos créditos existentes de contribuição ao PIS e da COFINS, ainda que a revenda não seja tributada, não se aplica apenas às operações realizadas com os destinatários do benefício fiscal do REPORTO. Por conseguinte, o direito ao creditamento independe da ocorrência de tributação na etapa anterior, vale dizer, não está vinculado à eventual incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre a parcela correspondente ao ICMS-ST na operação de venda do substituto ao substituído. III - Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor. IV - A repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação de regência. V - Recurso especial provido. 3 REsp no 1.896.678 e REsp no 1.958.265 4 Os assuntos elencados são 1. (14) Direito Tributário; 2. (5946) ICMS/Imposto sobre Circulação de Mercadorias;

 

³ (5981) Substituição Tributária;

 

4 (6039) PIS; 5. (6008) Base de Cálculo; 6. (6035) Cofins


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24/05/2023

PORTARIA RFB Nº 319, DE 11 DE MAIO DE 2023: CONHEÇA OS PRINCIPAIS INCENTIVOS, RENÚNCIAS, BENEFÍCIOS E IMUNIDADES NO COMÉRCIO EXTERIOR

O Escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento às inovações legislativas e jurisprudenciais no Comércio Exterior, vem informar a publicação da Portaria da Receita Federal do Brasil nº 319, de 11 de maio de 2023. Em síntese, a Portaria RFB nº 319, dispõe sobre a transparência ativa de informações relativas a incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica, prevista no inciso IV do § 3º do artigo 198 do Código Tributário Nacional.

 

Aos efeitos de melhor elucidar a questão, o artigo 198, § 3º, inciso IV, do Código Tributário Nacional dispõe o seguinte:

 

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a
divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de
informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou
financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o
estado de seus negócios ou atividades.
(...)
§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
(...)
IV - incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza
tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica.

 

Nesse contexto, importante esclarecer que existem algumas diferenças entre incentivo, renúncia, benefício e imunidade de natureza tributária, que dizem respeito à forma como essas medidas são aplicadas e aos efeitos que têm sobre a Tributação Nacional e Internacional.

 

Para melhor elucidar, exemplificativamente, vejamos algumas das principais diferenças:

 

Incentivo Fiscal: Um incentivo fiscal é uma medida adotada pelo
Governo com o objetivo de estimular determinadas atividades
econômicas ou comportamentos desejáveis por meio de benefícios
tributários. Geralmente, esses incentivos consistem em redução de

alíquotas, isenção parcial ou total de impostos, prazos estendidos para
pagamento de tributos, entre outros;

 

Renúncia Fiscal: A renúncia fiscal ocorre quando o Governo abre mão
da arrecadação de tributos, seja por meio de isenções, reduções de
alíquotas ou outras medidas, sem que haja uma contrapartida direta ou
condicionada a determinadas atividades ou comportamentos. A renúncia
fiscal é geralmente motivada por razões políticas ou sociais, com o
objetivo de aliviar a carga tributária sobre determinados grupos ou
setores da sociedade;

 

Benefício Fiscal: O benefício fiscal é uma vantagem ou redução
concedida a um contribuinte específico, com base em critérios
estabelecidos pela legislação tributária. Esse benefício pode ocorrer por
meio de deduções, créditos ou isenções fiscais, que reduzem a carga
tributária do contribuinte em relação a determinadas situações ou
atividades específicas. Ao contrário dos incentivos fiscais, os benefícios
fiscais são direcionados a contribuintes individuais e podem ser
condicionados a requisitos específicos, como a realização de
determinados investimentos ou a geração de empregos; e,

 

Imunidade Tributária: A imunidade tributária é uma proteção prevista
na Constituição de um país que impede que determinados impostos
sejam cobrados sobre determinadas pessoas, bens, atividades ou
situações. Geralmente, a imunidade tributária é concedida a entidades
sem fins lucrativos, instituições religiosas, partidos políticos, entre
outros, com o objetivo de preservar a liberdade de expressão, a
liberdade religiosa, o exercício da cidadania ou outras finalidades
consideradas relevantes para a sociedade.

 

Nesse contexto, chama-se atenção específica aos Anexos III, I, e V da Portaria RFB nº 319, visto que elencam os incentivos, renúncias, benefícios e imunidades de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica, que são aplicáveis no Comércio Exterior, ao PIS e a COFINS vinculados à Importação, no Imposto de Importação e IPI, bem como nos Regimes Especiais de Tributação, respectivamente.

 

Evidente, assim, inúmeras oportunidades que podem ser usufruídas e observadas nas operações internacionais das Empresas. Destaca-se que a portaria possui uma previsão de atualização a cada semestre do ano, conforme consta no inciso II, do artigo 2, do seu texto normativo. No mais, a Subsecretaria de Arrecadação, Cadastros e Atendimento (SUARA), será responsável pela reavaliação das informações, bem como pela coordenação das ações necessárias para atualização das informações.

 

Por fim, o Escritório Crippa Rey Advogados se coloca ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema e auxílio de Empresas que tenham interesse na utilização dos benefícios constantes na Portaria da Receita Federal do Brasil nº 319, de 11 de maio de 2023, especialmente considerando-se que são diversos os requisitos a serem observados para que possam ser usufruídos da maneira adequada.

 

Porto Alegre, 24 de maio de 2023.

 

MURILO BORGES
OAB/RS 128.593
Departamento Aduaneiro
Escritório Crippa Rey Advogados


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18/05/2023

CLÁUSULAS ABUSIVAS EM CONTRATOS DE LOCAÇÃO

De acordo com Tartuce (2017), cláusulas abusivas são aquelas que violam princípios fundamentais do Direito, causando desequilíbrio entre as partes contratantes, e prejudicam os direitos de uma das partes em benefício da outra. No contexto dos contratos de aluguel, cláusulas abusivas são aquelas que, por exemplo, impõem obrigações desproporcionais ao locatário ou limitam indevidamente seus direitos.

 

Os contratos de locação, tanto residenciais quanto comerciais, são instrumentos jurídicos fundamentais para regular as relações entre locadores e locatários. Entretanto, a presença de cláusulas abusivas nesses contratos pode gerar desequilíbrio e injustiça nas relações locatícias, afetando os direitos e garantias das partes envolvidas. Nesse aspecto, a legislação brasileira, por meio do Código Civil e da Lei do Inquilinato, busca estabelecer diretrizes para essas relações, no entanto, nem sempre é suficiente para evitar a ocorrência de cláusulas abusivas.

 

A identificação de cláusulas abusivas em contratos de aluguel envolve o exame das disposições contratuais à luz dos princípios jurídicos mencionados e da legislação aplicável, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Código Civil e a Lei do Inquilinato.

 

Nesse mesmo sentido, a legislação brasileira possui dispositivos que tratam das cláusulas abusivas em contratos de aluguel, especialmente no Código Civil (Lei no 10.406/2002) e na Lei do Inquilinato (Lei no 8.245/1991).

 

O Código Civil, estabelece em seu artigo 421 que a liberdade de contratar deve ser exercida em conformidade com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Além disso, o artigo 422 do mesmo Código prevê que os contratantes são obrigados a guardar, na conclusão e na execução do contrato, os princípios de probidade e boa-fé. Esses dispositivos têm como objetivo evitar a inclusão de cláusulas abusivas nos contratos, garantindo o equilíbrio entre as partes e a justiça na relação contratual.

 

A partir dos conceitos e características das cláusulas abusivas, é possível avaliar as práticas adotadas no contexto dos contratos de aluguel. Nessa perspectiva, algumas cláusulas abusivas comuns nesses contratos incluem a imposição de multas excessivas, a exigência de garantias que vão além do permitido pela legislação e a atribuição de responsabilidades indevidas ao locatário, como reparos estruturais no imóvel.

 

Ao analisar as cláusulas abusivas em contratos de aluguel, é importante levar em consideração o princípio da conservação dos contratos, conforme mencionado. Esse princípio estabelece que, sempre que possível, as cláusulas abusivas devem ser interpretadas de forma a preservar a validade do contrato, evitando sua nulidade ou rescisão. Portanto, a anulação ou modificação de cláusulas abusivas deve ser feita de maneira proporcional e adequada, garantindo a manutenção da relação locatícia.

 

Neste contexto, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para assegurar a proteção dos direitos das partes envolvidas e garantir a justiça nas relações locatícias. Os tribunais têm desempenhado um papel importante na identificação e combate às cláusulas abusivas, por meio da aplicação dos princípios jurídicos e da legislação aplicável. Além disso, a jurisprudência tem contribuído para a consolidação de entendimentos e a orientação dos profissionais do Direito na elaboração e revisão dos contratos de aluguel.

 

Por fim, o Escritório se coloca ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema.

 

Porto Alegre, 18 de Maio de 2023.


Benoni Bernardes Brizolla
Departamento Cível
Crippa Rey Advocacia Empresarial


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10/05/2023

EQUIPARAÇÃO SALARIAL E PLANO DE CARREIRA – QUAL A CONEXÃO ENTRE ESSES DOIS ASSUNTOS?

STEPHANIE CAROLINA DE CASTRO SOUZA

 

O Plano de Cargos e Salários e o Plano de Carreira está previsto na CLT, em seu artigo 461, § 2º, que seja, o mesmo dispositivo que em seu caput trata da equiparação salarial.

 

É sabido que, quando dois empregados exercem a mesma função e possuem trabalho de igual valor, ao mesmo empregador e no mesmo estabelecimento empresarial, havendo diferenciação salarial entre eles, será imposta a equiparação salarial.

 

Ou seja, a inobservância dos critérios dispostos no art. 461 da CLT é capaz de gerar um passivo trabalhista vultuoso a empresa: ao empregado que pleitear a equiparação salarial e for procedente em seu pedido, é devido o montante inobservado no período em que havia a diferença de salários.

 

Entretanto, a legislação trabalhista dispôs ao empregador uma alternativa para que o pagamento de salários correspondente a cada função e o crescimento do empregado dentro da empresa se dê de forma mais objetiva: Plano de Carreira ou Plano de Cargos e Salários.

 

Em síntese, trata-se de uma ferramenta de gestão que pode ser utilizada pelas empresas para definir internamente regras de promoção e progressão de níveis, bem como de seus respectivos salários, a fim de que o empregado tenha em suas mãos a possibilidade real e objetiva de alavancar seu crescimento dentro da empresa.

 

Se bem aplicado, esse mecanismo poderá gerar um ambiente com maior motivação e produtividade, pois demonstra aos empregados, de maneira transparente, as possibilidades de progressão na estrutura organizacional da empresa, servindo, assim, de estímulo ao desenvolvimento profissional dos colaboradores, além de contribuir potencialmente para a retenção de talentos.

 

A primeira tarefa que o empregador deverá realizar é estabelecer previamente quais os cargos e a quantidade de níveis que pretende criar nos diversos setores da empresa, tais como, por exemplo, administrativo, financeiro, operacional e etc.

 

Nesse aspecto, é preciso ser dito que a lei não determina quantos níveis ou cargos a empresa deverá definir para implantar o Plano de Cargos e Salários, ficando isso totalmente a critério do empregador.

 

Em seguida, deve ser definida, de forma clara e objetiva, a descrição detalhada das atividades inerentes a cada função, bem como as atribuições, competências, resultados esperados e habilidades necessárias para que o empregado exerça o cargo previsto na estrutura organizacional, de modo que o mesmo tenha prévio e amplo conhecimento daquilo que realmente precisa fazer para progredir na empresa que, obviamente, deverá constar no Plano de Cargos e Salários.

 

Também é indispensável definir os valores das remunerações de cada uma das funções e níveis, sendo terminantemente vedada a estipulação de valor inferior ao mínimo legal, ou, ainda, a adoção de qualquer medida que implique em redução salarial. Logo, os atuais empregados devem ser enquadrados no Plano de Cargos e Salários de acordo com as suas respectivas faixas salariais, a fim de evitar eventual decréscimo no valor dos salários.

 

Aliás, recomenda-se que o empregador, até mesmo para que o efeito motivador não seja reverso, leve em consideração, na hora de definir a diferença dos valores dos salários de cada cargo, os conhecimentos exigidos para o exercício da função, o nível de complexidade das atividades a serem desenvolvidas, as responsabilidades pela execução de tarefas, ou, ainda, os resultados esperados pela empresa para quem exerce determinada função.

 

É extremamente importante que todas essas questões estejam bem definidas e alinhadas pela empresa, até mesmo com o objetivo de evitar que o Plano de Cargos e Salários tenha a sua validade eventualmente questionada perante a Justiça do Trabalho em uma possível demanda judicial, ou até mesmo para que não resulte em desmotivação da equipe.

 

O empregador também precisa saber que a existência de um Plano de Cargos e Salários bem implantados, com critérios de promoção justos e adequados, poderá evitar que a empresa sofra futuramente condenação judicial relacionada à pedido de equiparação salarial.

 

A equiparação salarial tem como fundamento o princípio da isonomia, previsto na Constituição Federal e na CLT, o qual estabelece expressamente que o salário deverá ser igual para empregados que exercem a mesma função, prestam serviços ao mesmo empregador e no mesmo estabelecimento empresarial, desde que a diferença de tempo de serviço não seja superior a 04 anos e a diferença de tempo na função não seja superior a 02 anos.

 

Assim, na prática, se dois empregados exercem as mesmas atividades, com igual produtividade e perfeição técnica, para o mesmo empregador, devem receber idênticos salários, independentemente da nomenclatura dada aos cargos que exercem, pois o que efetivamente importa para o Direito do Trabalho é o que ocorre na realidade.

 

No entanto, a CLT, de forma expressa, exclui o direito à equiparação salarial na hipótese em que o empregador submete os seus empregados a um Plano de Cargos e Salários organizado, exatamente por entender que as diferenças de remuneração ocorrem em razão dos critérios de promoção definidos pelo empregador no momento da instituição do referido plano.

 

É claro que este impedimento não é absoluto, o quadro de pessoal organizado não obsta que o empregado pleiteie judicialmente a preterição, o enquadramento ou a reclassificação no quadro de carreira - é o que dispõe a Súmula 127 do TST.

 

No entanto, após a alteração legislativa determinada pela Reforma Trabalhista, a CLT, de forma expressa, passou a não mais exigir da empresa qualquer forma de homologação ou registro em órgão público do Plano de Cargos e Salários que pretenda instituir, tendo, assim, reduzido a burocracia e, de certo modo, facilitado um pouco mais a vida do empregador.

 

Sem a referida exigência, o empregador poderá, portanto, instituir o Plano de Cargos e Salários por simples norma interna ou, se preferir, por meio de negociação coletiva com o sindicato da categoria profissional a que pertencem os seus empregados.

 

Mas, atenção: o fato de não ser mais exigida a homologação pelo Ministério do Trabalho e Emprego não implica em considerar que o empregador poderá instituir o Plano de Cargos e Salários da forma que entender melhor, pois o referido mecanismo não poderá jamais se sobrepor à lei, de maneira que a empresa terá sempre o dever de observar e definir critérios justos e equânimes para fins de promoção e progressão de níveis, caso contrário, o referido plano poderá ser declarado inválido pela Justiça do Trabalho.

 

Sobre o tema, vejamos alguns julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

 

EMENTA TRENSURB. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. A existência
de plano de carreira instituído pela reclamada, Empresa de
Trens Urbanos de Porto Alegre, constitui fato impeditivo à
pretensão do reclamante quanto ao pagamento de diferenças
salariais por equiparação, nos termos do art. 461, § 2o, da
CLT.
(TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0020094-35.2021.5.04.0021
ROT, em 23/03/2023, Desembargador Fabiano Holz Beserra)

EMENTA RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE.
EQUIPARAÇÃO SALARIAL. A equiparação salarial é prevista
no artigo 461 da CLT, que prevê a ocorrência de determinadas
circunstâncias para deferimento, vale dizer, identidade de
função, trabalho de igual valor, mesma localidade, diferença
de tempo de serviço inferior a dois anos, inexistência de
pessoal organizado em quadro de carreira. Evidenciado que a
reclamante não desempenhava as mesmas atividades
realizadas pelos paradigmas, nada a reparar na sentença que
indeferiu tal pleito. Recurso desprovido.
(TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0020520-10.2021.5.04.0292
ROT, em 05/07/2022, Desembargador Luiz Alberto de Vargas)

 

Outra alteração relevante trazida pela Reforma Trabalhista quanto ao tema é que o empregador poderá definir que as promoções previstas em seu Plano de Cargos e Salários, dentro de cada categoria profissional, poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou seguindo apenas um destes dois critérios.

 

Antes da Reforma Trabalhista, as promoções deveriam obrigatoriamente ser realizadas, de forma alternada, tanto por merecimento quanto por antiguidade, o que, de certo  modo, restringia a liberdade do empregador de optar pelo critério de promoção que melhor se adequava às peculiaridades do seu negócio.

 

Por se tratar de uma situação nova, pois a mudança pretendida representará uma alteração das regras do contrato de trabalho inicialmente estabelecidas no ato da contratação, é preciso que o empregador esteja atento à adesão dos empregados ao Plano de Cargos e Salários.

 

Com efeito, como as regras do Plano de Cargos e Salários passarão a fazer parte do contrato de trabalho do empregado a partir da sua efetiva instituição, por se tratar de um compromisso firmado entre patrão e trabalhador, é imprescindível que o empregador realize essa transição de maneira juridicamente segura e adequada, para evitar possíveis prejuízos no futuro.

 

Assim, é importante elaborar um documento para formalizar a adesão do empregado ao Plano de Cargos e Salários, o qual deverá ser devidamente assinado pelo colaborador. O referido documento poderá ser tanto um aditivo ao contrato de trabalho quanto um Termo de Adesão, sendo importante que nele se faça referência à data a partir da qual o Plano de Cargos e Salários passará a ser aplicado na empresa.

 

Para se proteger de possíveis demandas trabalhistas o empregador deverá ficar atento às atividades diariamente exercidas por seus empregados, a fim de evitar que o colaborador trabalhe em desvio de função, ou seja, que o mesmo exerça tarefas completamente diferentes daquelas previstas no contrato de trabalho e que exija do mesmo conhecimento técnico superior ao cargo para o qual foi contratado, o que poderá descaracterizar o Plano de Cargos e Salários.

 

Com efeito, muitas vezes por desorganização interna ou mesmo em razão de carência de mão-de-obra, pode acontecer de um empregado realizar atividades mais complexas e diversas daquelas ajustadas quando da admissão e, inclusive, específicas de um cargo com maior salário.

 

Nessa hipótese, o empregado poderá ajuizar reclamação trabalhista em face da empresa com o objetivo de postular as diferenças salariais devidas entre o salário que deveria perceber e aquele efetivamente recebido, com o acréscimo dos reflexos sobre férias, 13° salários, FGTS e etc.

 

Por outro lado, é necessário que o empregador acompanhe de perto se o empregado já cumpriu ou não todos os requisitos fixados no Plano de Cargos e Salários para a sua promoção, pois, também nessa circunstância, poderá vir a ser condenado no pagamento de diferenças salariais, de forma retroativa, por não ter realizado a reclassificação do empregado segundo as regras e critérios exigidos para fins de progressão.

 

Enfim, de nada adianta instituir um Plano de Cargos e Salários e, ao mesmo tempo, permitir que empregados trabalhem em desvio de função ou não sejam promovidos da forma correta e oportuna, caso contrário, a empresa estará formando um incalculável passivo trabalhista.


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04/05/2023

ICMS E O JULGAMENTO DO TEMA 1.182 DOS RECURSOS REPETITIVOS

Na última quarta-feira, dia 26 de abril de 2023, ocorreu o julgamento do Recurso Repetitivo - Tema 1.182 pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão submetida a julgamento e cadastrada como Tema 1.182 tem a seguinte controvérsia – “Definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”.

 

A Corte já havia entendimento – EREsp 1.517.492/PR – firmado no sentido de que o crédito presumido de ICMS não é considerado como um signo de riqueza nova do contribuinte, não representando uma receita passível de compor a base de apuração dos tributos federais. Assim, a renúncia fiscal do Estado exteriorizada por meio da concessão de crédito presumido de ICMS, consiste em uma verdadeira redução de custo que não te poder de incrementar o patrimônio do contribuinte, não podendo ter seus efeitos alcançados pela tributação do IRPJ e CSLL. Em suma, a exação federal não pode incidir sobre a parcela equivalente a renúncia fiscal do Estado.

 

Entretanto, a discussão envolvida no Tema 1.182 é apoiada na alteração legislativa trazida com a LC nº 160/2017, que incluiu os §§ 4º e 5º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014, prevendo expressamente que todas as espécies de benefícios fiscais do tributo representam subvenções para investimentos e podem, a depender do cumprimento de requisitos expressamente constantes no dispositivo em questão, serem deduzidos da base de incidência do IRPJ e CSLL.

 

O debate sobre a questão chegou ao STJ e, em síntese, a Seção fixou três teses repetitivas e pacificou a divergências existentes entre as turmas.

 

1. Considerou não ser possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – como redução da base de cálculo, diminuição da alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e CSLL, exceto quando atendidos os requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Assim, o entendimento anteriormente firmado no ERESP 1.517.492, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

 

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

 

3. A Lei Complementar 160/2017 incluiu os parágrafos 4º e 5º no artigo 30 da Lei 12.973/2014, sem, entretanto, revogar o disposto no seu parágrafo 2º. Dessa forma, a dispensa da comprovação prévia pela empresa, deque a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou à expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que s valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

 

Nesse sentido, foi pacificada a controvérsia existente entre a Primeira Turma do STJ – segundo a qual era extensível aos demais benefícios de ICMS a tese estabelecida no EREsp 1.517.492 – e a Segunda Turma do STJ – para a qual não poderia haver a exclusão irrestrita dos benefícios do ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

 

A discussão do Tema não trata de saber se os benefícios fiscais do ICMS devem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL, mas, sim, se a exclusão desses benefícios da base de cálculo dos tributos federais depende ou não do cumprimento das condições e dos requisitos previstos em lei.

 

Em apertada síntese, tem-se que o STJ autorizou a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente de comprovação de que foram concedidos em contrapartida de investimento, desde que sejam respeitados todos os critérios legais, tal como a constituição de reserva de lucro que só pode ser utilizada para absorção de prejuízo ou aumento de capital.

 

Entretanto, o Ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão do trâmite (sobrestamento) dos processos objeto do Tema 1.182 da sistemática dos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça, até a decisão final de mérito, em repercussão geral, sobre o Tema 843 no STF – possibilidade de excluir da base de cálculo do PIS e da Cofins os valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal.

 

Desse modo, os efeitos do julgamento do 1.182 estão, por hora, suspensos.

 

O escritório Crippa Rey Advogados se coloca ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema e discutir eventuais implicações estratégicas aplicáveis.

 

 

Porto Alegre, maio de 2023.

 

Departamento Tributário – Crippa Rey Advogados

 

Geórgia Valiati – Advogada OAB 129.368/RS


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19/04/2023

DIP FINANCING NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

DIP FINANCING na recuperação judicial

Camila Luzardo

 

A Lei de n° 11.101/2005 foi redigida para regularizar a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, objetivando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor e permitindo a manutenção e preservação da empresa.

 

Recentemente, a lei em comento sofreu alterações propostas pela lei de n. 14.122/2020, a qual trouxe diversas mudanças e novos institutos para conferir efetividade e agilidade aos processos, além de uma maior segurança jurídica.

 

Dentre as alterações, o presente artigo propõe explicar o DIP financing, do inglês debtor in possession, uma das melhorias trazidas pela alteração legislativa. Se trata de uma modalidade de financiamento para as empresas que estão em recuperação judicial. O objetivo da nova oportunidade é um fôlego para que as companhias possam suprir o fluxo de caixa e arcar com despesas operacionais. É um instrumento que garante a continuidade de funcionamento das empresas, já que a maioria encontra dificuldades de recursos para saldar as obrigações correntes.

 

O financiamento favorece esse mercado de investimento, uma vez que cria uma prioridade para o financiador, pois o crédito possui natureza extraconcursal, conforme dispõe o artigo 84 da Lei. Além do mais, entrou no inciso I-B do artigo 84, ficando atrás dos pagamentos somente dos artigos 150 e 151 (despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência e créditos trabalhistas até cinco salários-mínimos com vencimento até três meses antes da decretação da falência).

 

Na recuperação judicial, empresas que enfrentam dificuldades em honrar seu passivo ingressam com o pedido, juntando plano de recuperação e laudo de viabilidade. O plano estuda por alto os meios e um modelo de pagamento aos credores, e a análise de viabilidade vai apresentar um estudo sobre as chances de a empresa realizar esse plano.

 

Não raras vezes, a principal dificuldade das empresas recuperandas é a falta de capital de giro, isso porque na maioria dos casos, em especial quando o passivo é bastante elevado, não possuem condições de obter crédito no mercado, situação que pode ser contornada com o financiamento.

 

Com relação ao procedimento, o juízo no qual tramita a recuperação judicial é o competente para analisar o pedido de financiamento, o qual estando instruído, o próximo passo é a manifestação do conselho de credores. O DIP financing poderá ser garantido por oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos da empresa ou de terceiros, pertencentes ou não ao ativo não circulante. O objetivo da operação deverá ser o financiamento de atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor dos ativos.

 

A esse respeito, é relevante a ponderação de Marcelo Barbosa Sacramone:

 

A autorização judicial somente será necessária para a
obtenção de financiamento às atividades e às despesas de
reestruturação ou de preservação do valor de ativos, com a
oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos, se os
credores, pela Assembleia Geral ou pelos modos
alternativos de deliberação, não tenham aprovado o plano
de recuperação judicial com a previsão do referido meio de
soerguimento. Para a autorização judicial, após a oitiva do
Comitê de Credores, caso existente, ou do administrador
judicial, deverá ser reconhecida a evidente utilidade para a
reestruturação empresarial. Não apenas deverá ser aferida a
importância do financiamento da manutenção da atividade
produtiva, como deverá ser apreciado se a garantia
concedida ou a oneração do bem em garantia são
imprescindíveis e razoáveis ao financiamento pretendido,
bem como se não promovem a expropriação dos bens do
devedor em detrimento dos demais credores.¹

 

Importante destacar que qualquer pessoa pode ser o fomentador da atividade, inclusive algum credor da empresa, seja ele sujeito ou não aos efeitos recuperacionais. Estando presentes os requisitos, o juízo poderá deferir a realização da operação.

 

Após a efetuação do financiamento, a natureza é extraconcursal e as garantias estruturadas não poderão ser desconstituídas, a menos que seja configurada a má fé do financiador, conforme artigo 69-B. O juiz pode constituir garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor, em favor do financiador, independente da anuência do detentor original da garantia (artigo 69-C).

 

Essa nova modalidade aumenta as oportunidades para grupos de investidores que aplicam em ativos estressados.

 

Uma das principais dificuldades desse procedimento é o tempo, isso porque a autorização judicial necessária pode proporcionar muitos debates em sede recursal, porque algum credor pode entender que suas garantias estão sendo “esvaziadas”, o que acaba por tardar a decisão do juízo. Isso, inclusive, já foi impeditivo para que o DIP financing fosse implementado na prática, situação que ocorreu na recuperação judicial da OAS S/A, pois ante a demora do trâmite processual quanto à decisão, a investidora interessada (Brookfield Asset Management Inc.) retirou sua proposta.²

 

Ademais, quanto maior o custo para a empresa em dificuldades, menor a probabilidade da efetividade da recuperação. De suma importância que seja feita uma análise de riscos, pois vai implicar no aumento da eficiência da operação e, portanto, na redução de custos.

 

A nova operação proposta na legislação visa ao incremento da capacidade financeira e do fluxo de caixa e não ao pagamento dos credores concursais, em tese. Entretanto, tal questão não foi consolidada na lei e, na prática, a condução a ser dada dependerá do caso concreto e da abrangência da decisão judicial.

 

Por fim, a nova modalidade da lei busca fomentar as atividades da empresa, mantendo-a ativa no mercado, assim como procura diminuir os riscos aos agentes financiadores, trazendo maior segurança jurídica ao procedimento.

 

 

 

¹SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 373-374.

 

²Recuperação Judicial nº 1030812-77.2015.8.26.0100, 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.


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29/03/2023

A MODERNIZAÇÃO E AMPLIAÇÃO DA ESTRUTURA PORTUÁRIA ATRAVÉS DA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB No 2.129 DE 2023

O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento às inovações legislativas e às medidas de desenvolvimento econômico, vem informar a entrada em vigor da Instrução Normativa da Receita Federal no 2.129, de 31 de janeiro de 2023, que altera a Instrução Normativa RFB no 1.370, de 28 de junho de 2013, que disciplina a aplicação do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (REPORTO).

 

Inicialmente, cumpre destacar que o REPORTO permite adquirir no mercado nacional ou importar máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens – que constam no Anexo I do Decreto no 6.582 de 2008 – quando adquiridos ou importados diretamente pelo beneficiário do regime e destinados ao seu ativo imobilizado para utilização exclusiva na execução dos serviços relacionados no artigo 5o da IN SRF no 1.370/2013, com suspensão do pagamento dos seguintes tributos:

 

• Nas aquisições no mercado nacional (interno):
- Imposto sobre Produtos Industrializados;
- Contribuição para o PIS/Pasep;
- Cofins.


• Na importação:
- IPI vinculado à importação;
- Imposto de Importação;
- Contribuição para o PIS/Pasep-Importação;
- Cofins-Importação.

 

Forte nisso, a Instrução Normativa da Receita Federal no 2.129 de 2023, estabelece alterações significativas ao Regime Tributário específico incentivo no que tange à modernização e à ampliação da Estrutura Portuária. Em apartada  síntese, a referida Instrução Normativa no 2.129, com objetivo de corrigir distorções administrativas e reafirmar o papel do Auditor-Fiscal como autoridade tributária e Aduaneira da União, se caracteriza como instrumento para celeridade ao processo de desconcentração do poder decisório.

 

É possível verificar que as principais modificações estão nos artigos 17 e 18 da Instrução Normativa RFB no 1.370, de 28 de junho de 2013. Dentre elas, resta estabelecido que os benefícios o REPORTO passam a ser aplicáveis às importações e às aquisições no mercado interno realizadas até 31/12/2020 e de 01/01/2022 a 31/12/2023 – na redação anterior, o benefício seria encerado em 31/12/2020.

 

Sendo que, para a habilitação ou a coabilitação e a fruição dos benefícios do REPORTO – que anteriormente estava condicionada à regularidade fiscal da pessoa jurídica em relação aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) – restam condicionadas à adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE), à regularidade da inscrição e da situação no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), em conformidade com o disposto na Instrução Normativa RFB no 2.119/2022, bem como ao cumprimento das normas relativas aos impedimentos legais à concessão e à manutenção de benefícios fiscais.

 

Destaca-se que os principais aspectos para cumprimento das normas relativas aos impedimentos legais à concessão e à manutenção de benefícios fiscais, são: (i.) a regularidade fiscal quanto aos tributos administrados RFB, em conformidade com o disposto no § 3o do art. 195 da Constituição Federal e no art. 60 da Lei no 9.069 de 1995; (ii.) a inexistência de sentenças condenatórias decorrentes de ações de improbidade administrativa, em conformidade com o disposto nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei no 8.429 de 1992; (iii.) a inexistência de registro de créditos não quitados de órgãos e entidades federais, em conformidade com o disposto no inciso II do art. 6o da Lei no 10.522 de 2002; (iv.) a inexistência de sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, em conformidade com o disposto no art. 10 da Lei no 9.605 de 1998; (v.) a inexistência de débitos com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em conformidade com o disposto no art. 27 da Lei no 8.036 de 1990; e, (vi.) a inexistência de registros ativos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), derivados da prática de atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, em conformidade com o disposto no inciso IV do art. 19 e no art. 22 da Lei no 12.846 de 2013.

 

De mais a mais, conforme regra geral outrora definida pela Instrução Normativa RFB no 1.370, de 28 de junho de 2013, a habilitação ou coabilitação portuária e seu cancelamento deveriam ser formalizados por Ato Declaratório Executivo (ADE) emitido pelo Delegado da Receita Federal – tal determinação foi alterada pela Instrução Normativa RFB no 2.129.

 

A partir de 01/03/2023, o ADE passou a ser emitido pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela atividade na unidade administrativa com jurisdição sobre o estabelecimento matriz da pessoa jurídica requerente. Por conta da mudança, a interposição de recurso, cuja decisão cabia ao superintendente, agora recai sobre a autoridade hierarquicamente superior ao Auditor que originalmente decidiu, conforme prevê a Portaria RFB no 114 de 2022.

 

Já quanto o requerimento de habilitação ou de coabilitação, que anteriormente deveria ser requirido mediante formulário próprio, deverá agora ser efetuado por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC), disponível no site da RFB na Internet, acompanhado: (i.) da inscrição do empresário no registro público de empresas mercantis; ou, (ii.) no caso de sociedade empresária, do contrato de sociedade em vigor, devidamente registrado, bem como, no caso de sociedade por ações, dos documentos que atestem o mandato de seus administradores.

 

Por fim, o Escritório Crippa Rey Advogados se coloca ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema e auxílio de empresas que tenham interesse na utilização dos benefícios constantes na Instrução Normativa da Receita Federal no 2.129, de 31 de janeiro de 2023, especialmente considerando-se que são diversos os requisitos a serem observados para que possam ser usufruídos da maneira adequada.

 

Porto Alegre, 29 de março de 2023.

 

Murilo Borges
OAB/RS 128.593
Departamento Tributário
Escritório Crippa Rey Advogados


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22/03/2023

Limbo previdenciário - discordância entre o INSS e o empregador quanto a aptidão do trabalhador para retorno ao trabalho. De quem é a responsabilidade

Carolina de Castro

 

Limbo previdenciário - discordância entre o INSS e o empregador quanto a aptidão do trabalhador para retorno ao trabalho. De quem é a responsabilidade?

 

Analisando a legislação, vemos que, em caso de enfermidade, o pagamento do salário do empregado é feito pelo empregador até o 15º dia de afastamento. A partir do 16º, porém, o trabalhador está apto para receber o auxílio-doença pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em regra, quando o trabalhador recebe a alta médica, ele deixa de receber o auxílio previdenciário e o seu contrato de trabalho, que se encontrava suspenso, volta a funcionar normalmente.

 

Agora se você está do outro lado e é o empregador, medidas simples podem ser determinantes para evitar grandes prejuízos. O funcionário que retorna do INSS será avaliado pelo seu serviço de medicina do trabalho e, caso seja considerado inapto, o empregador deve protocolar um pedido administrativo junto ao INSS, contestando a decisão do órgão.

 

Agende uma nova perícia para o funcionário e, se possível, envie o médico da empresa para acompanhar a perícia. O trabalhador tem o direito de se fazer acompanhar de médico assistente na perícia do INSS. Esta atitude é a mais coerente e é a que pode isentar a empresa de, futuramente, arcar com o salário do empregado mesmo sem ele ter trabalhado.

 

É importante deixar claro que não existe lei que trate desta situação de maneira detalhadamente. Como o INSS é um órgão público, a tendência é que suas decisões tenham a presunção de acerto, presunção de veracidade.

 

Assim, a empresa que se recusa a receber o empregado após o período de auxílio-doença pode ser penalizada, tendo até mesmo que pagar o salário do funcionário mesmo sem a prestação do serviço.

 

É interessante avaliar se, enquanto não resolvido a situação, é possível colocar o funcionário em outra função, compatível com seu estado de saúde.

 

Não existindo a possibilidade de realocação, o empregador deve recorrer da decisão do INSS. Veja que a sugestão aqui é que a própria empresa questione a decisão do INSS. As decisões dos Tribunais em situações como estão no sentido de responsabilizar a empresa. Assim, se não aceita o empregado de volta e nada faz para questionar a decisão do INSS, o risco de ser responsável pelo pagamento de salários do período que o trabalhador ficou parado (e até mesmo o pagamento de indenização) crescem consideravelmente.

 

O que os tribunais vêm entendendo é que, em princípio, é do empregador a responsabilidade pelo trabalhador que foi liberado pela autarquia previdenciária, ainda que ele não esteja apto para retornar ao trabalho, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa.

 

Em não sendo possível readaptar as suas funções, poderá a empresa apresentar recurso administrativo ou uma ação acidentária em face do INSS.

 

Ressalta-se, ainda, que cabe também ao empregado, caso constatada a sua inaptidão, entrar com o recurso administrativo perante o INSS e, ainda, se for o caso, distribuir ação contra o INSS perante a Justiça Federal, de forma que o benefício seja restabelecido até a sua completa recuperação.

 

Caso reste comprovada a inaptidão do empregado para o retorno às suas atividades, poderá o empregador ajuizar ação em face do INSS pleiteando o ressarcimento dos salários pagos ao empregado durante o período do limbo previdenciário.

 

Por outro lado, se o trabalhador se recusar a retornar ao trabalho, seja na sua função ou em outra compatível com sua limitação, é essencial que o empregador se cerque de provas no sentido de que fez o possível para readaptá-lo e, assim, voltasse a trabalhar. Entre essas provas está um atestado e/ou laudo médico emitido por médico particular do empregado. A empresa poderá, inclusive, cooperar diretamente nos recursos administrativos perante o INSS, bem como registrar que entrou em contato com o empregado para se inteirar de sua situação.

 

Uma vez comprovado que a empresa não impediu o retorno do empregado ao trabalho, o entendimento de alguns tribunais é no sentido de que a empresa não pode ser condenada ao pagamento dos salários desse período.

 

Em último caso, sendo impossível a readaptação, pode- se tentar negociar um acordo para a demissão do trabalhador. Seria necessário conscientizar o trabalhador que o recebimento do seguro-desemprego asseguraria a ele um tempo para se recuperar e buscar uma função compatível com seu estado de saúde.


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