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02/04/2021

DIRETOR ESTATUTÁRIO E DIRETOR EMPREGADO: DIFERENTES REPERCUSSÕES JURÍDICAS

O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações no âmbito do Direito Empresarial, apresentar breves considerações em relação a figura do Diretor Estatutário em comparação do Diretor Empregado, abarcando as repercussões jurídicas destas funções e as responsabilidades que lhes são atribuídas.

 

O Diretor Estatutário tem sua origem no ordenamento jurídico nacional na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), no entanto, a partir de 09 de junho de 2003, passou também a ser regido pelo novo Código Civil, especificamente no art. 1.061, facultando às pessoas jurídicas de responsabilidade limitada a possibilidade de serem dirigidas por administradores não-sócios.

 

Nesse sentido, o Diretor Estatutário é o cargo de direção de pessoa física que não faz parte da sociedade, o qual é eleito por Assembleia Geral de acionistas, no caso das Sociedades Anônimas, ou nomeado por quotas de pessoa jurídica de responsabilidade limitada (LTDA).

 

Dessa forma, considera-se Diretor Eleito aquele que exerça cargo de administração/direção previsto em lei, estatuto ou contrato social.

 

A principal distinção entre o Diretor Estatutário e o Diretor Empregado é a existência ou não dos requisitos caracterizadores da relação de emprego de acordo com o art. 3º da CLT. Ou seja, o cerne principal que diferencia esses cargos é a subordinação jurídica existente entre o Diretor e o empreendimento, bem como a forma de ocupação da função, uma vez que o Diretor Estatutário é eleito e, ao passo que, o Diretor Empregado é puramente admitido.

 

Tratando-se de relação com encargos de direção e, consequentemente, prestação de uma força de trabalho, independentemente de o Diretor Eleito assumir a responsabilidade do cargo mediante prévia eleição, importante advertir quanto aos riscos existentes caso a figura do administrador não-sócio não goze de efetivo poder de comando e inexista participação dos riscos econômicos do negócio.

 

Para a efetiva caracterização jurídica do cargo de Diretor Estatutário é importante que o profissional detenha posição de autonomia no empreendimento, assumindo responsabilidades de efetivo cargo de confiança e gerenciamento, sendo mandatário da sociedade que representa e direciona, assumindo conjuntamente riscos do empreendimento, mesmo que não de forma pessoal.

 

Em que pese a importância de o Diretor possuir alto nível de autonomia no gerenciamento do negócio e tomada de decisões estratégicas em nome da companhia, de qualquer sorte, o encargo assumido estará sempre subordinado as deliberações do Conselho de Administração, tendo suas atribuições, poderes e deveres estabelecidos nos regramentos societários.

 

Assim, em verdade, não se trata de inexistência de subordinação jurídica, mas sim diferenciação na forma em que dá a subordinação, isto é, enquanto o Diretor Empregado possui subordinação jurídica direta e equivalente ao vínculo empregatício entre empregado e empregador, com subordinação hierárquica, no caso do Diretor Estatutário a subordinação é administrativa aos regramentos e estrutura da empresa como uma espécie de prestação de contas ao Conselho de Administração e eventuais deliberações com orientações e diretrizes apresentadas pelos órgãos de administração da empresa.

 

Os tribunais do trabalho espalhados por todo o Brasil já analisaram inúmeros pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício por parte de Diretores Executivos (não-sócios e não-empregados) e tiveram esse direito negado, sobretudo, por não restar configurada a principal característica jurídica da relação de emprego, qual seja, a subordinação. Vejamos alguns exemplos destas decisões:

 

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. VÍNCULO DE EMPREGO. Não demonstrada a presença dos requisitos necessários à caracterização de vínculo de emprego, previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, mantém-se hígida a sentença que afastou a pretensão relativa ao reconhecimento do vínculo de emprego entre o reclamante e a reclamada. Recurso improvido. (TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0021163-29.2017.5.04.0026 ROT, em 11/02/2021, Desembargadora Rosane Serafini Casa Nova)

VÍNCULO DE EMPREGO. DIRETOR ESTATUTÁRIO. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. O empregado, a partir do momento em que eleito para exercer cargo de Diretor Estatutário, tem o contrato de trabalho suspenso, passando a integrar os órgãos da administração da empresa, não apenas na condição de representante dela, mas sendo a própria empresa no desenvolvimento das atividades, sendo, pois, impossível o reconhecimento do vínculo de emprego, à evidente ausência de subordinação, aplicando-se à hipótese a Súmula 269 do C. TST, verbis: "Relação de emprego. Contrato de trabalho. Diretor eleito. Cômputo do período como tempo de serviço. CLT, arts. 2º, 3º, 4º e 449. "O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego".  (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010542-07.2015.5.03.0014 (RO); Disponibilização: 16/02/2017; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator: Paulo Chaves Correa Filho)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DO NOVO CPC. DIRETOR ESTATUTÁRIO ELEITO. INCOMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. Cinge-se a controvérsia a saber se a Justiça do Trabalho tem competência para dirimir pedidos formulados por ex-diretor estatutário. Sabe-se que diretores estatutários são órgãos da sociedade. Nesta condição, trata-se de relação jurídica de natureza estatutária, e não contratual (mandatária), cuja competência escapa aos limites do art. 114 da Constituição Federal. Desse modo, fica afastada a relação de trabalho lato sensu e, por conseguinte, a competência da Justiça do Trabalho preconizada pelo indigitado dispositivo constitucional. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. (AIRR-1000438-42.2017.5.02.0063, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 31/05/2019)

 

No entanto, uma vez demonstrado que o Diretor Estatutário em verdade possuía no cotidiano a condição de empregado, hierarquicamente subordinado, serão devidos pela sociedade todos os direitos trabalhistas previstos na CLT, conforme ocorreu nas seguintes decisões:

 

DIRETOR DE SOCIEDADE ANÔNIMA - SUBORDINAÇÃO JURÍDICA VERIFICADA - VÍNCULO DE EMPREGO - Constatada a prestação de trabalho mediante subordinação jurídica no período em que exerceu o cargo de Diretor de Sociedade Anônima, não prevalece a suspensão do contrato de trabalho operada, impondo-se o reconhecimento do vínculo de emprego. Adoção da Súmula 269 do TST. Por decorrência, impõe-se reconhecer a ocorrência de contrato único desde o início da contratação, como empregado, observada a extinção por iniciativa da reclamada, na modalidade sem justa causa, sendo devidas todas as parcelas rescisórias. (TRT da 4ª Região, 5ª Turma, 0020806-92.2016.5.04.0023 ROT, em 30/04/2020, Desembargador Claudio Antonio Cassou Barbosa)

 

[...] VÍNCULO DE EMPREGO - DIRETOR ESTATUTÁRIO - REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT - CONFIGURAÇÃO. O Tribunal Regional manteve a sentença que deferiu o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício por considerar presentes os requisitos do art. 3º da CLT, notadamente o requisito da subordinação jurídica. Nesse sentido, considerando as circunstâncias fático-probatórias delineadas pelas instâncias ordinárias, a pretensão recursal quanto à violação do art. 3º da CLT, da forma como exposta, somente se viabiliza mediante o reexame de fatos e provas, procedimento vedado nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido. [...] Agravo de instrumento desprovido (AIRR-11146-48.2013.5.12.0026, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 01/12/2017).

 

Ainda, neste mesmo sentido, verifica-se o entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho ao editar a Súmula nº 269, reputando legal a eleição de empregado para o cargo de Diretor Estatutário, tendo o contrato de trabalho suspenso no respectivo período, desde que observada a inexistência de subordinação jurídica de relação de emprego. Vejamos:

 

Súmula nº 269 do TST

DIRETOR ELEITO. CÔMPUTO DO PERÍODO COMO TEMPO DE SERVIÇO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego.

 

Dentro do âmbito empresarial muitos negócios vêm optando pela contratação de profissionais através da figura jurídica do Diretor Estatutário, ao invés de realizar a contratação de Diretores Empregados ou profissionais com constituição de pessoa jurídica (pejotização), em busca de maior segurança jurídica e redução de custos.

 

A contratação do Diretor Estatutário acaba por se torna mais vantajosa em muitos casos em razão da redução de encargos fiscais para a empresa, na medida em que o Diretor não-sócio e não-empregado é remunerado através de pro labore e podendo, inclusive, perceber participação nos lucros, bônus e stockoptions.

 

Todavia, as sociedades devem atentar-se as exigências legais para efetiva caracterização do cargo de Diretor Estatutário, sendo excelente medida de precaução a realização de práticas de compliance para verificação das condutas internas de acordo com a legislação e necessidade de aprimoramento das ferramentas utilizadas pela empresa em busca de maior segurança jurídica na utilização da figura do Diretor não sócio.

 

Outro ponto de diferenciação entre os tipos do cargo de Diretor é a inexistência de controle de jornada em relação ao Diretor Eleito, não havendo determinação de horário fixo de trabalho para exercer suas atividades, não havendo, portanto, pagamento de horas extras, descanso semanal remunerado e feriados. Além disso, o Diretor Estatutário não tem obrigação de perceber valores a título de 13º salário e férias.

 

Já o Diretor Empregado estará sujeito a controle de jornada, devendo serem observados os limites legais, bem como o percebimento de pagamento de horas extras, quando extrapolada a jornada de trabalho contratada. Ainda, tratando-se de relação de emprego, haverá a incidência de todas as demais obrigações reconhecidas na legislação trabalhista como, por exemplo, a obrigatoriedade no recolhimento fundiário (FGTS).

 

Em contrapartida, o Diretor Estatutário demanda maior responsabilidade legal, em razão das características do cargo, embora não assuma pessoalmente as obrigações da companhia, este poderá responder civilmente por eventuais prejuízos causados durante sua atuação, caso demonstrada a extrapolação dos limites de gerência, dolo, culpa ou violação da lei, contrato e/ou estatuto social.

 

Destarte, conclui-se que a contratação de Diretor Estatutário poderá representar larga vantagem empresarial, desde que respeitados os requisitos jurídicos ora apresentados, sendo a figura do administrador não-sócio e não-empregado excelente opção para redução de custos e de incidência de tributos, bem como aumento da segurança jurídica em comparação com a contratação de profissional autônomo que constitui pessoa jurídica.

 

Sendo o que tínhamos para explanar no presente momento, o escritório permanece à inteira disposição para aprofundamento do assunto e realização de consulta em complemento das informações apresentadas, sendo um tema de amplo debate e que demanda análise individualizada das circunstâncias de cada caso.

 

Porto Alegre, 02 de abril de 2021.

 

Rafaela Belloc Coufal

Advogada Trabalhista Empresarial

OAB/RS 100.218


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31/03/2021

A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE VERBAS PREVIDENCIÁRIAS E SALARIAS RECEBIDAS EM ATRASO

O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento à debates inovadores, vem apresentar um breve informativo sobre o julgamento Tema nº 808 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 855091, no âmbito de repercussão geral, onde ficou reconhecida a não incidência do Imposto de Renda sobre os juros de mora incidentes sobre as verbas salariais e previdenciárias recebidas em atraso.

 

O caso em tela originou-se pela Interposição de Recurso Extraordinário em face da decisão proferida pelo Tribunal Regional da 4ª Região, nos autos de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, reconhecendo a inconstitucionalidade por não recepção pela Constituição Federal de 1988, do Art. 16, §único da Lei nº 4.506/1964[1], declarando, assim, a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do § 1º do Art. 3º da Lei nº 7.713/88[2], art. 16, § único, da Lei 4.506/64 e art. 43, inciso II e parágrafo 1º do Código Tributário Nacional[3].










 

EMENTA

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI N. 4.506/64 PELA CF/88. INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 1º DO ART. 3º DA LEI Nº 7.713/88, DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI Nº. 4.506/64, E DO ART. 43, INCISO II E § 1º, DO CTN (LEI Nº 5.172/66), POR AFRONTA AO INCISO III DO ART. 153 DA CF/88.

1. O art. 16, § único, da Lei nº 4.506/64, ao tratar como 'rendimento de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo', contraria, frontalmente, o disposto no inciso III do art. 153 da CF/88, que é taxativo em só permitir a incidência do imposto de renda sobre 'renda e proventos de qualquer natureza'. Juros moratórios legais são detentores de nítida e exclusiva natureza indenizatória, e portanto não se enquadram no conceito de renda ou proventos. Hipótese de não-recepção pela Constituição Federal de 1988.

2. Inconstitucionalidade do art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), sem redução de texto, originada pela interpretação que lhe é atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, com efeito vinculante, de forma a autorizar que sobre verba indenizatória, in casu os juros de mora legais, passe a incidir o imposto de renda.

3. Inconstitucionalidade sem redução de texto reconhecida também com relação ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66).

4. Os juros legais moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. A mora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária, cuja natureza é notoriamente alimentar, impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo o seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos. A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor, não possuindo qualquer conotação de riqueza nova a autorizar sua tributação pelo imposto de renda.[4]

 

Mencionados dispositivos reconheciam a natureza salarial dos juros de mora incidentes nos valores pagos em atraso em atraso de verbas salariais e previdenciárias percebidas por pessoas físicas. O Tribunal entendeu que o art. 16 da Lei 4.506/64, ao tratar 'rendimento de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo', estaria contrariando o art. 153, III da Constituição Federal[5], tendo em vista que tais verbas não se enquadram no conceito de renda ou proventos:

 

O dispositivo constitucional retro mencionado, consoante destacado pela Relatora, é taxativo ao reconhecer a incidência do Imposto de Renda apenas sobre os rendimentos ou proventos da pessoa natural, sendo certo que, ao contrário do que dispunham os dispositivos infraconstitucionais, cuja inconstitucionalidade fora reconhecida, os juros de mora têm natureza exclusivamente indenizatória e, portanto, sobre eles não é possível incidir o IR.

 

Acerca do conceito de renda e proventos, válido mencionar que, para Paulo de Barros Carvalho, três são as teorias que abordam o conceito de “renda”, sendo certo que a teoria adotada pelo Brasil, teoria do acréscimo patrimonial, que dispõe tratar-se a renda[6]:

 

(...) “renda” é todo o ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe em um incremento líquido de patrimônio de determinado indivíduo, em certo período de tempo.

 

Sendo assim, os valores provenientes de verbas de natureza indenizatória (hipótese que, segundo o julgamento em análise, se enquadram os juros), não podem ser consideradas como renda e, por consequência, não devem ser oferecidas à tributação, já que representam a recomposição de prejuízos subjetivos, não se caracterizando, portanto, acréscimos patrimoniais.

 

Ainda, com relação aos juros de mora, consoante exposto pela Relatora do Incidente recorrido, estes representam indenização dos prejuízos sofridos pelo credor, em decorrência do atraso no pagamento do seu crédito, estando tal verba conceituada no art. 404 do Código Civil Brasileiro, abaixo colacionado:

 

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

 

Acerca dos juros de mora incidentes sobre as verbas trabalhistas, salariais e previdenciárias, assim manifestou-se a Desembargadora Relatora:

 

A mora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária, cuja natureza é notoriamente alimentar, impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo o seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos. A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor. Essa verba, portanto, não possui qualquer conotação de riqueza nova, a autorizar sua tributação pelo imposto de renda.[7]

 

Destaca-se que, a respeito do Tema, a Corte Suprema já havia se manifestado, administrativamente, de forma convergente ao suscitado no acórdão recorrido, verificando, da mesma forma, a natureza indenizatória dos juros de mora:

 

1) Processo nº 323.526 - referendar, por unanimidade, o entendimento adotado pela Secretaria do Tribunal quanto à natureza indenizatória do pagamentos aos servidores do STF de juros de mora sobre a diferença da URV (11,98). O tema foi relatado pela Ministra Carmem Lúcia, que fundamentou seu voto na decisão da Corte no MS 25.641-9, julgado pelo Plenário do Tribunal em 22/11/2007.

(Presentes os Ministros Ellen Gracie, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito. Ausentes, justificadamente, os Ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Eros Grau)

 

Assim, quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto pela União, a Corte entendeu que a incidência do Imposto de Renda tem como premissa o acréscimo do patrimônio, sendo certo que os juros de mora, por sua vez, não representam acréscimo patrimonial e sim, recomposição de prejuízo sofrido pelo credor em virtude do atraso no pagamento de seu crédito e, diante disso, não atendidos os requisitos mínimos de materialidade do Imposto de Renda, impostos pelo art. 153, II da CF88.

 

 

Para o relator do feito, Ministro Dias Toffoli, o artigo cuja inconstitucionalidade fora reconhecida não foi recepcionado pela Constituição Federal, de forma que não é possível atribuir natureza salarial aos juros de mora, já que tal verba existe para compensar, indenizar, um prejuízo sofrido:

 

“Nos termos do artigo 153, III, da Constituição compete à União instituir imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza — IR", explica o ministro. "A doutrina especializada e a jurisprudência da Corte, no que tange à interpretação do dispositivo, têm firme orientação de que a materialidade do tributo está relacionada à existência de acréscimo patrimonial, aspecto ligado às ideias de renda e de proventos de qualquer natureza, bem como ao princípio da capacidade contributiva.”

 

O relator suscitou, ainda, o entendimento exarado pelo doutrinador Hugo de Brito Machado, que assim leciona:

 

“O Código Civil de 1916 estabelecia que as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros de mora e custas, sem prejuízo da pena convencional. E o Código Civil vigente estabelece: ‘Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.’ Como se vê, o legislador previu que o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais se tem direito Plenário Virtual - minuta de voto - 05/03/2021 00:00 12 implica prejuízo. E o fez com absoluto acerto, pois é natural que as pessoas planejem suas finanças pessoais considerando o que devem pagar e o que têm direito de receber em determinadas datas. Assim, se alguém deixa de receber o que lhe é devido, pode deixar de comprar à vista e ser obrigado a comprar a prazo, pagando um preço mais elevado, configurando desta forma evidente perda patrimonial. E pode também ser obrigado a pagar com atraso uma dívida, tendo de pagar multa e juros de mora, o que também configura perda patrimonial. Não se trata de lucro cessante, nem de simplesmente dano moral, que evidentemente também podem ocorrer. Trata-se de perda patrimonial efetiva, decorrente do não recebimento, nas datas correspondentes, dos valores aos quais tinha direito. Perda que o legislador presumiu e tratou como presunção absoluta, que não admite prova em contrário, e cuja indenização com os juros de mora independe de pedido do interessado. Ressalte-se que o legislador previu a possibilidade de serem as perdas efetivas de montante maior do que os juros de mora, e por isto mesmo determinou que, se isto acontecer e não houver pena convencional, o juiz pode conceder ao credor prejudicado indenização complementar” (Não incidência do imposto de renda sobre juros de mora. Revista Dialética de Direito Tributário.”

Desta feita, entendeu o Ministro Dias Toffoli ser necessário realizar a diferenciação entre as categorias de verbas indenizatórias, observando quais representam, de fato, acréscimo patrimonial, e quais representam mera recomposição de um prejuízo, tendo a Corte Suprema fixado a seguinte tese:  "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".

 

Válido referir que o julgamento realizado, conforme anteriormente referido, afeta três dispositivos legais, sendo certo que, no tocante aos artigos 3º, §1º da Lei nº 7.713/88 (que dispõe sobre o conceito de rendimento bruto) e 43, II e §1º, do Código Tributário Nacional (que refere quais os rendimentos passiveis da incidência do IR), estes deverão ser interpretados em conformidade com o texto Constitucional, de maneira a excluir da hipótese de incidência do IR sobre os juros de mora.

 

Por fim, ressaltamos que o Tema nº 803 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 855091, foi julgado no âmbito da repercussão geral, portanto, a decisão deverá ser seguida/aplicada pelas instâncias inferiores da Justiça (Juízes de 1º grau e Tribunais de Justiças de Estado e Tribunais Regionais Federais).

 

O Escritório Crippa Rey Advogados está à disposição para orientá-los, bem como para sanar quaisquer dúvidas existentes envolvendo o debate.

 

 

Porto Alegre, 31 de março de 2021.

 

Anne Riegel

OAB/RS 118.242

 

 

[1]  Art. 16. Serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado tôdas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no artigo 5º do Decreto-lei número 5.844, de 27 de setembro de 1943, e no art. 16 da Lei número 4.357, de 16 de julho de 1964, tais como:  Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.

[2] Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.          (Vide Lei 8.023, de 12.4.90: § 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

[3] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.  § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

[4]TRF4 - Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000: Relatora Desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch: Data do Julgamento 24/10/2013: Segunda Turma: Data da Publicação: 30/10/2013

[5] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza;

 

[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 4ª edição. São Paulo: Editora Noeses, 2011. P. 677

[7] TRF4 - Arguição de Inconstitucionalidade nº 5020732-11.2013.4.04.0000: Relatora Desembargadora Luciane Amaral Corrêa Münch: Data do Julgamento 24/10/2013: Segunda Turma: Data da Publicação: 30/10/2013


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29/03/2021

A NOVA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS (LGPD): DIRETRIZES E ORIENTAÇÕES GERAIS PARA A ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS

O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações no âmbito do Direito Empresarial, apresentar INFORMATIVO referente à Nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e sua aplicação às rotinas empresariais.

 

Em vigência desde o final de 2020, a Nova Lei Geral de Dados Pessoais (Lei nº 13.709 de 2018) alterou substancialmente a forma de administração de dados pessoais por empresas e pessoas físicas em geral. Baseada em princípios como o respeito à privacidade; a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; e a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a Nova Lei visa proteger os dados pessoais de pessoas físicas e jurídicas que sejam, de qualquer forma, acessados, utilizados e/ou reproduzidos por terceiros.

 

Dessa forma, uma série de medidas de prevenção e segurança devem ser adotadas por empresas de todos os ramos de modo a proteger os dados pessoais de clientes, fornecedores, parceiros, colaboradores, empregados, prestadores de serviços. O objetivo central da Nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é, lembra-se, prevenir e evitar a divulgação indevida de dados pessoais, sendo, portanto, essencial às atividades empresárias a adequação à nova legislação. Dentre as medidas a serem adotadas, destacamos:

 

  1. OBTER O CONSENTIMENTO EXPRESSO DO TITULAR DOS DADOS PESSOAIS ARMAZENADOS E UTILIZADOS

 

Uma das novidades da LGPD é exigir que o titular dos dados pessoais consinta com o armazenamento e utilização destes pelas empresas. Dessa forma, é fundamental que ao celebrar, aditar, revisar ou até mesmo extinguir contratos em geral e/ou outros documentos firmados com terceiros, a empresa insira nos instrumentos respectivos cláusulas pelas quais a outra parte expressamente concorde com o armazenamento e utilização de seus dados. O consentimento do titular, destaca-se, poderá ser obtido por escrito ou por qualquer outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular.

 

  1. UTILIZAR OS DADOS PESSOAIS DE TERCEIROS PARA A FINALIDADE ESPECÍFICA PARA A QUAL FORAM COLETADOS

 

Como forma de promover o respeito à privacidade e a inviolabilidade da imagem e da intimidade, a LGPD prescreve que os dados pessoais de terceiros detidos por empresas só poderão ser utilizados para a finalidade específica para a qual foram coletados. Assim, a título de exemplo, se uma empresa obtiver dados variados de um parceiro comercial a partir da celebração de um contrato, poderá utilizar estes dados tão somente para o cumprimento do objeto do instrumento. Caso haja a necessidade de utilização dos dados pessoais para uma finalidade diversa, caberá à empresa comunicar expressamente tal fato ao titular dos dados, que deverá consentir com a sua utilização para a nova finalidade.

 

  1. GARANTIR O SIGILO E CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS PESSOAIS DE TERCEIROS

 

Uma vez que o objetivo central da LGPD é justamente garantir o sigilo e a confidencialidade de dados pessoais, é fundamental que as empresas adotem medidas voltadas a prevenir e evitar o compartilhamento indevido de dados de terceiros. Assim, é essencial que as empresas elejam meios seguros para o armazenamento e utilização dos dados em meio virtual, mediante a implementação, a título exemplificativo, de mecanismos de autenticação de acesso aos registros; da anonimização dos dados pessoais, quando possível; e de procedimentos de verificação habitual das medidas adotadas. Ademais, recomenda-se que as empresas restrinjam o acesso aos dados pessoais ao número de colaboradores estritamente necessários para a utilização destes para os fins para os quais foram coletados.

 

  1. PERMITIR AO TITULAR O ACESSO AOS DADOS PESSOAIS ARMAZENADOS E UTILIZADOS

 

A fim de garantir a transparência no armazenamento e utilização dos dados, a LGPD prevê que o titular destes tem direito ao acesso facilitado às suas informações pessoais detidas pelas empresas. Este acesso tem a finalidade de proporcionar ao titular a conferência, a correção, a atualização, o bloqueio e, até mesmo, a exclusão dos seus dados pessoais armazenados, podendo ser requerido de forma simplificada à detentora dos dados. Neste cenário, é importante que as empresas mantenham os dados pessoais armazenados em sistemas eletrônicos confiáveis e que permitam o fácil compartilhamento com as pessoas legitimadas para tanto.

 

  1. NÃO COMPARTILHAR OS DADOS PESSOAIS COM TERCEIROS SEM A PRÉVIA ANUÊNCIA DO TITULAR

 

Objetivando coibir a transferência indevida de dados pessoais, a LGPD prevê que deverá haver prévia e expressa anuência do titular para que se realize o compartilhamento de seus dados com terceiros. Esta anuência poderá ser conferida por escrito ou por qualquer outra forma pela qual se demonstre a manifestação de vontade do titular. É de se destacar, contudo, que o compartilhamento poderá ser realizado apenas caso necessário para o cumprimento de contrato e/ou de outra relação mantida entre as partes, não podendo ser realizada a transferência dos dados para fins diversos.

 

  1. DESTACAR AO TITULAR QUANDO A UTILIZAÇÃO DOS DADOS PESSOAIS FOR ESSENCIAL PARA O CUMPRIMENTO DA RELAÇÃO MANTIDA

 

Quando o armazenamento e a utilização dos dados pessoais forem essenciais para o fornecimento de produto ou serviço ou para o exercício de direito, prevê a LGPD que tal fato deverá ser informado destacadamente ao titular. Esta previsão, destaca-se, é de grande importância para a relação entre empresas e clientes, uma vez que o fornecimento de serviços, por exemplo, pressupõe, na maioria das vezes, a utilização obrigatória de dados pessoais para o seu regular cumprimento. Assim, no momento da celebração do negócio com um cliente, a empresa deverá informá-lo ostensivamente que o armazenamento e a utilização de seus dados pessoais são fundamentais para o cumprimento da relação ajustada.

 

  1. ORIENTAR OS EMPREGADOS, TERCEIRIZADOS E PRESTADORES DE SERVIÇO A RESPEITO DAS DIRETRIZES DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

 

Não obstante as demais medidas que deverão ser adotadas, é fundamental que as empresas realizem a orientação ostensiva de seus colaboradores a respeito da observância das diretrizes de proteção de dados pessoais. É importante que os empregados, terceirizados, prestadores de serviços e até mesmo os sócios e administradores das sociedades conscientizem-se, em linhas gerais, quanto (i) a importância do sigilo e confidencialidade dos dados de terceiros detidos pela empresa; (ii) aos métodos de segurança utilizados para o correto e seguro armazenamento dos dados pessoais de terceiros; e (iii) a proibição legal de compartilhamento de dados com terceiros sem a prévia e expressa anuência do titular. Dessa forma, alterando-se as rotinas não só no plano formal, mas também no plano fático, a empresa conseguirá adequar-se definitivamente à mudança cultural objetivada pela Nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

 

Destacamos, por fim, que os temas exemplificados supra não esgotam as inovações trazidas pela Nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Por tal razão, o Escritório Crippa Rey Advogados SS fica à disposição para esclarecimentos adicionais quanto a LGPD, bem como quanto aos demais temas abrangidos na seara do Direito Empresarial.

 

 

Porto Alegre, 29 de março de 2021.

 

Henrique Pahim Escobar

OAB/RS 50E661

henrique.escobar@crippareyadvogados.com.br

 


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26/03/2021

A possibilidade de adequação dos pagamentos contratuais na seara locatícia e suas incidências correlatas no momento de pandemia

Engajados em dirimir o maior número de dúvidas possíveis, bem como no sentido de auxiliar nossos clientes a atravessar o período conturbado causado pelo longo período de enfrentamento do COVID-19 no Brasil, o escritório Crippa Rey Advogados vem prestar alguns esclarecimentos e informações acerca da possibilidade de revisão de aluguéis e suas taxas correlatas, tendo em vista a aplicação de medidas menos onerosas pelos juízes e Tribunais, a fim de possibilitar a melhor situação para as partes envolvidas, como se verá a seguir.

 

Há cerca de um ano, vive-se uma pandemia causada pelo Coronavírus (COVID-19), reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que ensejou na decretação de medidas restritivas, com a finalidade de combater a evolução do vírus.

 

Os decretos municipais e estaduais, entre outras determinações, ordenaram, em diversos estágios e lapsos temporais, o fechamento de estabelecimentos comerciais, como lojas, bares e shoppings centers, sob pena de sanções administrativas, cíveis e criminais, como por exemplo a cominação de multa, interdição parcial ou total da atividade e a cassação de alvará de localização e funcionamento.

 

Dessa forma, sabe-se que as dificuldades em manter-se adimplente com as obrigações contratuais, principalmente de locação, bem como obrigações de empresas para com seus fornecedores, cresceu consideravelmente, tornando-se uma realidade do dia a dia de muitos, tendo em vista o impacto financeiro sofrido por diversos núcleos empresariais.

 

 Sendo assim, muito embora as constantes tratativas e negociações que têm se visto ocorrer com frequência entre locadores e locatários, houve considerável judicialização destes instrumentos locatícios, visando a revisão e diminuição do valor ou alteração dos índices incidentes nos contratos, com o objetivo de auxiliar o locatário a honrar com as obrigações inerentes neste momento de crise, de forma equilibrada à atual conjuntura.

 

A primeira questão que vem sendo comumente realizada pelos locatários, em regra, é feita diretamente ao locador que, por vezes não aceita a proposta, sendo então levado ao judiciário o impasse.

 

Dentre outros casos ocorridos nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, tivemos ações postulando a minoração do valor de aluguel originalmente contratado. Já no Estado do Rio Grande do Sul, visualizamos o petitório de revisão do contrato locatício para que fosse determinada a diminuição do valor mensal, a fim de possibilitar o devido adimplemento pelos locatários.

 

A exemplo, na ação que culminou no julgamento do Recurso Inominado pela Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Estado do Rio Grande do Sul, tombado sob o nº. 71009792847, a ação, primeiramente, foi ajuizada pelo locador , visando cobrar os valores devidos pelo locatário que, ao responder ao processo, arguiu, como contra pedido, fossem revisados e diminuídos os valores mensais em virtude de seu estabelecimento estar de portas fechadas durante o período que ensejou a cobrança, em razão da pandemia.

 

Ao julgar o processo, os juízes entenderam que o cenário atual prescinde um maior bom senso das partes e, de modo provisório, por baixar o valor originalmente, fixado em 30%, a fim de viabilizar, de forma proporcional, o adimplemento pelo locatário.

 

De outra banda, também tem-se visto ações que envolvem o petitório locatício nos tempos de pandemia, solicitando a alteração dos consectários incidências nos contratos. Explica-se, no mercado de locação de imóveis, é costumeira a utilização do Índice Geral de Preços – Mercado (“IGP-M”) para atualização dos valores dos aluguéis. Esse índice é calculado, dentre outras médias, diretamente pela alteração cambial e das cotações, o que, nos tempos de alta do dólar e demais moedas frente ao real, também culminou na elevação abrupta do referido índice.

 

Assim, tendo em vista que a alta do IGP-M influencia consideravelmente na alta do valor a ser pago a título locatício, há uma movimentação por parte dos locadores em postular a implicação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor), que é influenciado de forma mais tênue, para indexação do valor do aluguel, a fim de não onerar tanto o pagamento da quantia mensal.

 

É justamente esse petitório que foi promovido pelo Sindicato dos Lojistas de Porto Alegre (Sindilojas POA), em relação aos contratos locatícios pagos por varejistas em Shoppings da Capital Gaúcha que, liminarmente, conseguiu a aplicação do consectário menos oneroso aos lojistas, sob a alegação que as Lojas se encontravam fechadas, não obtivendo caixa hábil a perfazer os pagamentos em sua totalidade.

 

Igualmente, foi o pedido formulado por grupo empresário atuante no ramo de telefonia nos autos de Ação Revisional em trâmite na 5ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre/RS, postulando a substituição do índice incidente sob as parcelas locatárias, em virtude do fechamento do comércio pelas medidas restritivas, bem como pela grande diminuição da comercialização no momento pandêmico, obtendo, de forma liminar, a revisão parcial do valor, sendo determinado pelo juiz a incidência do Índice IPC aos valores do aluguel em questão.

 

Dessa forma, a orientação é sempre em resolver-se os assuntos e fomentar as negociações, previamente, por meio do diálogo direto com o locatário e fornecedores, a fim de que seja procedido o melhor ajuste a ambas as partes nesse momento crítico em que o Brasil, e o mundo, se encontram. Relembrando-se, ainda, da importância que tais negociações também se façam por escrito, para fins de registro acerca das tratativas e até mesmo tentativas abordadas.

 

Contudo, caso não haja composição amigável, o Judiciário vem demonstrando ampla ponderação para aplicação das cobranças locatícias, tendo em vista a frágil situação da maioria dos empresários do país que tiveram e até hoje, decorrido um ano da pandemia, têm tido que fechar as portas de seus estabelecimentos em razão dos decretos municipais e estaduais do poder público.

 

O escritório Crippa Rey Advogados se coloca à disposição de seus clientes e parceiros para enfrentar este delicado momento de crise econômica, visando auxiliar nas orientações mais adequadas para cada caso concreto, para o reequilíbrio patrimonial e para a reestruturação das demandas locatícias e correlatas.

 

 

Paula Bortoli de Souza

OAB/RS 121.676

 


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24/03/2021

Aspectos da Lei 14.112/2020 sobre DIP Financing durante a Recuperação Judicial

Depois de 15 anos de vigência, a Lei n. 11.101/2005 que regula a Recuperação Judicial, a Extrajudicial e a Falência do empresário e da sociedade empresária, passou por uma recente e importante mudança, em diversos aspectos.

 

Publicamos em nosso site, no dia 15/02/2021, importante informativo sobre “As principais alterações da Lei 14.112/2020 no âmbito da Recuperação Judicial”, escrito pela Advogada e Coordenadora do Departamento de Recuperações Judiciais, Adriana Dusik Angelo.

 

Como bem destacado naquela oportunidade, o chamado DIP Financing, antes da reforma, previa somente garantias de natureza fiduciária, e com as alterações trazidas pela Lei 14.112/2020, é possível haver inclusive garantias subordinadas.

 

Nesta esteira, o presente informativo buscará enfatizar aspectos sobre o financiamento durante a recuperação judicial, destacando ainda, os pontos mais significativos quanto a este instrumento, como por exemplo, quando a autorização judicial se faz, ou não, necessária para perfectibilização dos negócios entre a empresa recuperanda e a instituição financeira.

 

O DIP Financing, foi extraído do princípio debtor-in-possession, que significa, segundo Geraldo Fonseca de Barros Neto: “financiamento do devedor mantido na atividade empresarial”.[1]

 

Daniel Carnio e Alexandre Nasser, explicam que nesta modalidade de financiamento a posse do bem se mantém com a recuperanda, e ainda os administradores permanecem com o controle dos bens ou direitos dados em garantia.

 

"Nesta modalidade de financiamento, a recuperanda mantém a posse e controle dos bens ou direitos dados em garantia, para que a empresa possa se manter operante. Com isso, é possível suprir a falta de fluxo de caixa para cobrir as despesas operacionais, de reestruturação e de preservação do valor dos ativos[2]".

 

A Lei 14.112/2020 inseriu no texto recuperacional a Seção IV-A, e seus artigos 69-A ao 69- F, os quais tratam especificamente do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial.

 

Vale salientar que houve um grande esforço do legislador para que houvesse um incentivo ao investidor para financiar empresas em recuperação.

 

Importante destacar que neste caso o financiador, de acordo com o Art. 69-E, poderá ser qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação, e ainda, poderão ser familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor

 

A questão central contida nas disposições do novo texto legal, é, quando será preciso requerer a autorização judicial, a fim de concretizar o financiamento junto as instituições?

 

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, para respondermos esta questão, é preciso verificar as disposições do art. 69-A, pois, somente nessas hipóteses, a autorização judicial será obrigatória.

 

Contudo, se o financiamento das atividades tiver como garantia a cessão fiduciária de recebíveis, o penhor de safra, a caução de títulos ou a oneração que recaia sobre estoque, ou até mesmo créditos e insumos de titularidade da devedora, não será preciso haver autorização judicial para esses casos.[3]

 

Neste sentido, deve-se observar que, após ser distribuído o pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar os bens ou direitos de seu ativo não circulante, sem a prévia autorização judicial.[4]

 

Chama atenção, a disposição contida no art. 69-C, o qual contempla a figura da garantia subordinada sobre direito real, juiz poderá autorizar a constituição de uma nova garantia em bem já gravado, sem que haja a anuência do detentor da garantia original.

 

Apesar de ser aplicada somente aos direitos reais de garantia, a possibilidade trazida pelo art. 69-C, servirá como uma nova forma de favorecer o financiador, e incentivar o financiamento para empresas que buscam seu soerguimento.

 

Outra mudança trazida pela nova norma, foi a alteração na ordem de pagamento, ficando estabelecido que em casos em que houver convolação em falência, o crédito do financiador terá preferência.

 

Antes da reforma, o crédito do financiador estava em 5º lugar na ordem estipulada no art. 84 da LREF, com a reforma, créditos com essa natureza, irão ser pagos antes dos créditos extraconcursais, com exceção dos créditos relativos à administração da falência, e, ainda créditos de natureza trabalhistas[5].

 

Diante dos efeitos da pandemia no Brasil, que afetou diretamente o cenário econômico, o legislador buscou avançar nestes aspectos, a fim de minimizar os prejuízos causados às empresas em situação de crise, sobre tudo, tornar mais atrativo aos investidores, o financiamento de empresas em recuperação.

 

O Escritório Crippa Rey Advogados coloca-se ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema.

 

 

Carolina Rodrigues

Bacharela de Direito

 

[1] BARROS NETO, Geraldo Fonseca de. Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência - Comentada e Comparada. Grupo GEN, 2021, pg. 124.

[2] COSTA, Daniel Carnio; MELO, Alexandre Nasser. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Editora Juruá, Curitiba, 2021. Pág. 193.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Cometários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. Lei 14.112/2020, Nova Lei de Falências. 14ªed, Revista dos Tribunais.

[4] Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.

[5] Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, aqueles relativos:

(...) I-A - às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta Lei

I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do Capítulo III desta Lei; 

 


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22/03/2021

A (in)existência de bis in idem na tributação da pensão alimentícia

Sempre atentos aos julgados e decisões que possam impactar a sociedade vimos falar sobre o andamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 5422[i], ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família -IBDFAM, contra a  Lei nº 7.713/1988 e do Decreto nº 3.000/1999, que regulamentava o Imposto de Renda até o ano de 2018.

 

O Ministro Dias Toffoli, relator do julgamento, proferiu voto de grande relevância durante o julgamento da ADI 5422, motivo pelo qual trazemos a presente explanação.

 

Para iniciarmos este informativo importante pontuarmos que, o IBDFAM ingressou com a referida ação por entender não ser possível atribuir caráter patrimonial à pensão. A base de tal afirmação é que, já teria ocorrido a tributação relacionada aos alimentos, antes desses chegarem às mãos de quem recebe a verba, pois tais valores já teriam sido tributados pelo pagante da verba alimentar.

 

O instituto sustenta que, os alimentos “estão sendo duplamente tributados em sequela da separação oficial dos cônjuges ou conviventes” pois, quem paga e, também, quem recebe é tributado.

 

Ao passo que, a Advocacia Geral da União – AGU, ao defender a constitucionalidade da tributação, dispõe que não há cobrança em duplicidade, alegando não existir isenção para a tributação de pensão alimentícia. Para tanto, a AGU sustenta que, o contribuinte de fato é o credor da pensão, não havendo como ser relacionada a tributação um caráter dúplice, pois o pagante estaria sendo tributado pelo acréscimo ao seu patrimônio, afastando a natureza indenizatória da verba.

 

No entanto em seu voto, o Digníssimo Ministro Dias Toffoli, relata que há ocorrência de dupla tributação no caso em tela, à medida que o alimentante já efetua o pagamento de tributo sobre os valores destinados a pensão, não existe motivação para a nova incidência.

“É certo que a legislação impugnada provoca a ocorrência de bis in idem camuflado e sem justificação legítima, violando, assim, o texto constitucional. Isso porque o recebimento de renda ou de provento de qualquer natureza pelo alimentante, de onde ele retira a parcela a ser paga ao credor dos alimentos, já configura, por si só, fato gerador do imposto de renda”

 

Sendo-nos esclarecido pelo nobre julgador que, a tributação dúplice onera demasiadamente o contribuinte, sendo desmedida a nova incidência tributária sobre valores que já foram tributados.

 

“Desse modo, submeter os valores recebidos pelo alimentado a título de alimentos ou de pensão alimentícia ao imposto de renda representa nova incidência do mesmo tributo sobre a mesma realidade, isto é, sobre aquela parcela que integrou o recebimento de renda ou de proventos de qualquer natureza pelo alimentante. Essa situação não ocorre com outros contribuintes”.

 

Importante, ainda, pontuarmos que quando fora proposta a ADI ainda era vigente o decreto 3.000/99, qual regulava o Imposto de renda. No entanto, embora tenha sido revogado, a validade do julgado será ampliada ao ordenamento atualmente vigente, sendo de grande impacto social. Pois, o Ministro relator asseverou que, o novo regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 9.580/2018, deve ser entendido como inconstitucional no que tange a tributação dúplice, por arrastamento da decisão da ADI.

 

Seguindo no seu voto, o Digníssimo Relator ponderou sobre a questão da dedução do imposto de renda. Nos relembrando que quem adimple a verba alimentar, ou seja, o alimentante, pode beneficiar-se da dedução das parcelas pagas, porém quem recebe os valores pelo alimentando não o faz sem a declaração correspondente.

 

Vejamos que, esse é o caso dos genitores que comumente recebem a pensão em nome dos seus filhos, como no caso de mães e pais que recebem os valores das pensões em suas contas, pelo fato dos seus filhos serem menores de idade. Assim, estando a figura de recebedores, só serão passível de dedução da verba caso destinem os valores à tributação, uma situação que poderá ser alterada com a finalização do julgamento.

 

Não se sabe ao certo qual o destino do referido julgamento, uma vez que foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, mas é certo que, caso o julgado seja consolidado em conformidade com o entendimento do relator, haverá alteração na forma de tributação da verba alimentar, sendo um julgamento que impactará muitas pessoas, visto que abarca a totalidade dos que recebem pensão.

 

Portanto, seguiremos atentos, a fim de lhes informar assim que houver uma definição. De modo que, ficamos à disposição para esclarecimentos, sendo o que tínhamos para asseverar no momento.

 

 

Ellen Martins, OAB/RS 100.719

 

 

[i] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4893325


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19/03/2021

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECONHECE A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS SOBRE OS CRÉDITOS PRESUMIDOS DE ICMS – TEMA Nº 843

O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atentos à debates inovadores, vem apresentar um breve artigo sobre o julgamento Tema nº 843 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 835818, no âmbito de repercussão geral, onde ficou reconhecida a exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS dos valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS.

 

A Suprema Corte fixou a tese "Os valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal integram a base de cálculo do PIS e da COFINS". Porém, antes do encerramento do julgamento, o Ministro Dias Toffoli pediu vista.

 

O Relator do caso, Ministro Marco Aurelio, entendeu que a impossibilidade do cômputo dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS decorre da regra-matriz de incidência das contribuições e, nesse sentido, percebe-se que os créditos presumidos, como o nome já refere, são créditos fictícios e a forma em que realizado o lançamento na escrituração contábil, não configuram receita ou faturamento para atrair a incidência das contribuições, mas sim, renúncia fiscal do Estado.

 

Inclusive, o Relator do caso, destacou o entendimento do Doutrinador Ives Granda Martins “O mero ingresso de valores na contabilidade de uma empresa não é fator que demonstre a existência de capacidade contributiva – limite imposto à instituição de tributos, inclusive de contribuições sociais, que têm como fato gerador elemento denotador dessa capacidade, como é o conceito de ‘receita’”.

 

E, ao final de seu voto, o Relatou propôs a seguinte tese: “Surge incompatível, com a Constituição Federal, a inclusão, na base de cálculo da Cofins e da contribuição ao PIS, de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS”. Os Ministros Rosa Weber, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowiski e Roberto Barroso acompanharam o voto do Relator.

 

De outra banda, o Ministro Alexandre de Moraes divergiu do voto relator e, acompanharam a divergência, os Ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Munes Marques. Tendo o Ministro Dias Toffoli, pedido vista e, portanto, o julgamento resta suspenso.

 

Com efeito, mesmo que o Ministro Dias Toffoli acompanhe a divergência, a tese firmada não será alterada, visto que o placar está 6x4 em favor da inconstitucionalidade da incidência de PIS e COFINS sobre os créditos presumidos de ICMS.

 

O Tema nº 843 do STF, da mesma forma que diversas teses[1] que se encontram nos Tribunais, teve origem da “tese do século”, isto é, a ação que teve reconhecida pelo Col. STF a inconstitucionalidade do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS – Tema 69 do STF (RE 574.706).

 

O debate circunda os conceitos de faturamento e receita e, tendo em vista que os créditos fiscais concedidos pelo Estado não possuem natureza de riqueza, visto que como o próprio nome diz, são presunções de riqueza, não há razões para que sejam inseridos na base de cálculos das contribuições (PIS e COFINS), visto que ofenderia a Constituição Federal.

 

Quanto ao conceito de receita e faturamento, mister trazer ao conhecimento o entendimento de Amaury Rausch Mainenti:

 

Receita – conjunto de riquezas que uma pessoa natural ou jurídica recebe como rendas. É constituída por vencimentos, salários, remunerações, subsídios, aluguéis de casas, arrendamento de terras, lucros de negócios, etc. 2(cont) – Tudo quanto o comerciante apura de vendas à vista realizadas durante determinado período financeiro: receita do dia, do mês, do ano. O oposto de despesa. [...] Receita assim, importa num recebimento de dinheiro ou de soma pecuniária. [...] Por receita, no sentido amplo, deve-se concebê-la como toda entrada de numerário definitivamente incorporado ao patrimônio da entidade. É aquilo que se considera como renda da própria entidade. Ou seja, aquela pode auferir receitas que não correspondem a uma efetiva emissão de fatura, tais como : a) obtenção de ganhos na venda de bens integrantes de seu ativo imobilizado (que correspondem aos investimentos efetuados em máquinas, equipamentos, veículos, etc.) [...]. b) ganhos na alienação de títulos representativos de participação em outras sociedades. c) ganhos auferidos em decorrência de investimentos realizados em outras sociedades, avaliados pelo método de custo ou de equivalência patrimonial. d) dividendos recebidos e) ganhos oriundos de aplicações financeiras, etc[2].

 

         

Para aprofundar o tema, abordamos também o conceito de faturamento, nas palavras de Kyoshi Harada:

 

Faturamento é o ato de faturar, isto é, incluir na fatura as mercadorias ou serviços vendidos. Fatura, por sua vez, é o documento onde se discrimina a mercadoria vendida mediante expressa referência à quantidade, à espécie, ao tipo, ao preço e outros caracteres, além das condições para sua entrega ao comprador, bem como quanto ao prazo de pagamento. [...] o conceito de receita bruta é mais amplo do que o de faturamento bruto, por abranger receitas não operacionais, como os rendimentos de alugueres, receitas financeiras representadas por juros, dividendos, etc., conforme veio entender o Plenário da Corte Suprema [...].[3]

 

 

Inclusive, o Ministro Relator, em seu voto esclareceu que, o registro contábil atinente à diminuição do passivo de ICMS a ser pago em razão do benefício, ainda que anotado como ingresso, não o transforma em receita, o que também ratifica a inconstitucionalidade da inclusão dos créditos presumidos na base de cálculo das contribuições.

 

Assim como acima mencionado, se os créditos presumidos revelam uma renúncia fiscal do Estado, logo, não poderão ser considerados riquezas na medida em que não equivalem a receita ou faturamento e, portanto, para atraem incidência das contribuições.

 

Por fim, ressaltamos que o Tema nº 843 do Supremo Tribunal Federal – Leading Case: Recurso Extraordinário nº 835818, foi julgado no âmbito da repercussão geral, portanto, a decisão deverá ser seguida/aplicada pelas instâncias inferiores da Justiça (Juízes de 1º grau e Tribunais de Justiças de Estado e Tribunais Regionais Federais).

 

O Escritório Crippa Rey Advogados está à disposição para orientá-los, bem como para sanar quaisquer dúvidas existentes envolvendo o debate.

 

 

Porto Alegre, 19 de março de 2021.

 

Equipe Tributária

 

[1] Ação de visa o reconhecimento e declaração da inconstitucionalidade do PIS e da COFINS sobre suas próprias bases (Tema 1067/STF), a inconstitucionalidade do PIS e da COFINS na base de cálculo da CPRB (Tema 1048/STF), ICMS na base de cálculo do IRPJ/CSLL (Tema 957/STF), dentre outras

[2]    MAINENTI, Amaury Rausch. Base de Cálculo do PIS/COFINS e do ICMS: receita da pessoa jurídica de direito privado ou do Estado? Revista Tributária de Finanças Públicas. nº 78. 2008. p. 11-43

[3]    HARADA, Kyoshi. Revista de Estudos Tributários. nº 60. março – abril. 2008. p. 8


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17/03/2021

A Cláusula de “Earn Out” e a estruturação do preço nas Operações de M&A

O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações no âmbito do Direito Empresarial, apresentar breve artigo referente ao processo de estruturação de preços nas operações de M&A e a utilização da Cláusula de “Earn Out”.

 

A estruturação do preço nas operações de M&A pode variar consideravelmente a depender do nível de incerteza e da posição dos vendedores e compradores na relação negocial. No geral, a sofisticação do mercado brasileiro, bem como a preocupação do lado do comprador considerando a sua maior exposição a riscos de diversas naturezas, em especial contingências e passivos “ocultos”, tem fomentado o desenvolvimento e a utilização de técnicas contratuais visando a proteção da precificação e de sua variação até o fechamento do negócio (closing) e após realizada a transação (pós-transação)[1].

 

Atualmente, estão se tornando cada vez mais raras transações realizadas por meio de precificação determinada e pagável em parcela única à vista. Haja vista a complexidade que envolve a negociação de operações de M&A, a elaboração de cláusulas relacionadas a estruturação de preço mediante técnicas contratuais específicas tem sido cada vez mais utilizadas de maneira estratégica, tendo por objetivo alocar três modalidades de riscos, a saber:

 

Em primeiro lugar, o risco mercadológico, relacionado ao anúncio da operação, pois pode gerar uma variação considerável no preço dos valores mobiliários emitidos pelas companhias envolvidas no processo de negociação; em segundo lugar, o risco pré-transação, relacionado às transações em que o fechamento ocorre em momento posterior à assinatura do contrato, podendo haver riscos de que ocorram eventos que impliquem no não fechamento do negócio ou na alteração do preço, tais como uma proposta melhor de terceiro ou a ocorrência de um evento material adverso; e, em terceiro lugar, o risco pós-transação, relacionado, do lado dos vendedores, ao recebimento de parcelas do preço com vencimento futuro, e, do lado dos compradores, à indenização por perdas decorrentes de fatos ocorridos antes da transação e que sejam de responsabilidade dos vendedores[2].

 

Nesse contexto, o “earn-out”, também conhecido como cláusula de determinação contingente do preço ou, simplesmente, “preço contingente”, tem como objetivo alinhar as expectativas das partes no tocante ao valor da empresa a ser vendida, trazendo para a análise e verificação do preço dados objetivos correspondentes à realidade das atividades da empresa[3]. Isso porque um dos primeiros entraves em negociações de fusões e aquisições refere-se à fixação do preço do ativo ou da participação societária a ser transferida, objeto da transação. Vendedores e compradores, no geral, têm diferentes expectativas frente à rentabilidade dos ativos, pois as partes não dispõem das mesmas informações quanto ao histórico de rentabilidade, contingências e perdas da sociedade. Assim, ambos apresentam comportamentos distintos quanto a riscos e expectativas de retorno dos ativos[4].

 

Nesses casos, a cláusula “earn out”, que define o preço ajustado entre as partes para a efetivação da transação, geralmente traz uma fórmula utilizada para a precificação, o que torna o preço determinável (e não mais determinado). Durante as negociações, a discussão do preço gira em torno da definição dos parâmetros desta fórmula[5].

 

Assim, os métodos de avaliação utilizados frequentemente nas transações de M&A focam na perspectiva de rentabilidade futura da empresa, sendo comum que o desdobramento do preço seja diferido em parcelas variáveis vinculadas a “performance”: as partes ajustam o pagamento de um valor prefixado, e estabelecem que o pagamento das parcelas vincendas estará vinculado ao desempenho da empresa nos próximos anos (durante um período pré-definido pelas partes), dentro dos limites da fórmula de precificação[6] pré-acordada.

 

Para cumprir com esse propósito, o mecanismo “earn out” estabelece que parte do preço do contrato de compra e venda ficará condicionado ao atingimento de certas metas (financeiras, estratégicas e/ou operacionais) pela empresa vendida[7]. A divisão do preço em parcelas, neste caso, insere o comprador em uma posição mais confortável quando comparado ao vendedor, servindo esta como estratégia para solucionar eventuais divergências entre as partes sobre a perspectiva de rentabilidade futura da empresa objeto da transação[8]. Em outras palavras, vinculando-se parte do preço a eventos futuros, o pagamento de parcela do preço passa a ser baseado em verificações concretas de fluxo financeiros, rentabilidade, contingências e perdas, e não em expectativas subjetivas das partes.

 

A opção por parcelas variáveis vinculadas ao desempenho futuro da empresa leva as partes a fixarem um “modus operandi” ou “plano de ação” a partir do qual são convencionados os critérios de gestão, as exigências de governança da compradora, as atribuições do vendedor na empresa adquirida pelo comprador, bem como os atos e eventos que não terão o poder de interferir na apuração do preço das parcelas vincendas[9]. Ainda, as partes devem estabelecer expressamente no contrato a previsão de empresa especializada para fins de promover os cálculos das parcelas variáveis, para os casos em que não haja consenso entre as partes no tocante aos valores, devendo a avaliação ser realizada nos termos dos parâmetros fixados no instrumento[10].

 

Em relação aos métodos utilizados para avaliar a performance da empresa durante o período definido pelas partes, os mais comuns são o faturamento, o EBITDA[11] e o lucro líquido. A rigor, a escolha do indicador de performance depende de diversos fatores, principalmente da estrutura da operação a ser realizada, uma vez que, caso seja estabelecido um vínculo societário entre as partes, pode haver uma maior convergência de interesses entre as mesmas, o que pode ser traduzido em um acordo de acionistas que preveja regras e premissas vinculantes referentes à gestão e governança da empresa objeto da transação[12].

 

Por fim, é importante verificar os requisitos essenciais do preço segundo a lei civil brasileira por ocasião da negociação e elaboração da cláusula de “earn out” em contratos de compra e venda de participação societária. A sua inobservância pode causar, em muitos casos, a inexistência, invalidade e ineficácia do contrato de compra e venda definitivo e, por consequência, diversos prejuízos para ambos, comprador e vendedor, bem como para a própria sociedade objeto da transação.

 

Assim, sendo o que tínhamos para esclarecer no presente momento e buscando dar continuidade à presente discussão, informamos que estamos sempre atentos às inovações no âmbito do Direito Empresarial, e colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para maiores consultas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outras explicações[13].

 

Porto Alegre, 17 de março de 2021.

 

Maiara Patrício Coral

Advogada e Economista

OAB/RS 115.967

maiara.coral@crippareyadvogados.com.br

 

Thiago Crippa Rey

Advogado

OAB/RS 60.691

thiago@crippareyadvogados.com.br

 

[1] BOTREL, 2017.

[2] LAJOUX, 1998. In Botrel, Sérgio. Fusões e Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2017.

[3] PIVA, 2018.

[4] O comprador tende a ser mais cético frente às análises de risco, enquanto o vendedor, familiarizado com a empresa, naturalmente é menos receoso às incertezas: “Contingent earnout provisions typically arise in the context of merger negotiations when buyer and seller find themselves at a fundamental disagreement with respect to valuation of the seller. Fundamentally, these disagreements resolve around different views of the uncertain post-signing prospects of the seller. Such prospects may be technical or commercial in nature. Or, they may simply relate to future states of the world that are simply unknowable by either party. With respect to these uncertainties, the seller is typically more optimistic than the acquirer. This may be because the seller has private information about the seller’s future prospects that it cannot credibly convey to the buyer, or it may simply be because the buyer and seller just have very different expectations about future states of the world. This divergence in views about the seller’s future results in differences in the question of valuation of the seller that if left unaddressed can prevent parties from reaching agreement. The earnout provision is a contractual term that can help bridge these differences. It does so by creating a post-closing contingent payment obligation that becomes effective in the event the seller meets certain targets or exceeds predetermined thresholds with respect to revenue, profitability, market acceptance, technical achievements, or regulatory approvals.”. BAINBRIDGE, Stephen M. Mergers and Acquisitions. 3 ed. New York: Foundation Press, 2012.

[5] Entretanto, é importante que o contrato definitivo disponha expressamente sobre o valor do negócio em moeda corrente, ainda que contemple previsões de ajustes no preço e seja seguido por fórmula, havendo, desta forma, um valor pré-definido como ponto de partida para a definição do preço. (BOTREL, 2017).

[6] Durante as fases negociais, o vendedor geralmente tenta estabelecer um valor mínimo para parcelas vincendas, enquanto o comprador tenta inserir um valor máximo (Ibidem).

[7] PIVA, 2018.

[8] BOTREL, 2017.

[9] É fundamental a previsão de procedimento a ser adotado em caso de operações societárias que podem alterar substancialmente a própria estrutura da empresa (e não somente os resultados). (Ibidem).

[10] Para o vendedor, é importante constar expressamente no contrato definitivo que a parte incontroversa da parcela variável deverá ser paga em um prazo determinado. Já o montante controvertido, deverá ser pago após a finalização da avaliação pelos assessores responsáveis.

[11] EBITDA (Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization).

[12] BOTREL, 2017.

[13] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Alves, Daniel Rodrigues. Determinabilidade, negociação e elaboração das cláusulas de preço contingente (earn-out) nas operações de compra e venda de participação societária ou de estabelecimento e análise de conflitos à luz do princípio da boa-fé objetiva. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2016.

Bainbridge, Stephen M. Mergers and Acquisitions. 3 ed. New York: Foundation Press, 2012.

Botrel, Sérgio. Fusões e Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2017.

Dickerson, A.P., Gibson, H.D. and Tsakalotos, E. The Impact of Acquisitions on Company Performance: Evidence from a Large Panel of UK Firms. Oxford Economic Papers, 1997.

Lajoux, Alexandra Reed. The Art of M&A, A Merger/Acquisition/Buyout Guide. 3 ed. New York: McGraw-Hill, 1998.

Piva, Luciano Zordan. O Earn-Out na Compra e Venda de Participações Societárias. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Porto Alegre, 2018.


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