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As particularidades da Recuperação Judicial para o Produtor Rural: facilidade no ajuizamento, mas limite de créditos abrangidos
A Lei 11.101/2005 estabeleceu as diretrizes para a recuperação judicial, a qual é um procedimento que permite ao devedor a renegociação coletiva do seu passivo, a fim de combater a crise econômico-financeira instaurada[1].
O referido ordenamento determinava que para adentrar à recuperação judicial era necessário apresentar a certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, conforme estabelece o inciso V, do artigo 51[2].
Contudo, a lei não especificava qualquer tratamento diferenciado ao produtor rural, que acabava por ser submeter à determinação do artigo anteriormente mencionado. Porém, é consabido que os empresários do ramo rural exercitam a sua profissão de maneira diferenciada, devendo, portanto, ter um tratamento diferenciado.
Nesse aspecto, o antigo ordenamento acabava por limitar o acesso do Produtor Rural ao instituto da Recuperação Judicial, uma vez que a inscrição no Registro Público de Empresas é requisito necessário para acesso ao Sistema Recuperacional, por um período de pelo menos 2 (dois) anos.
Com o advento da Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, os produtores rurais, que atuam como pessoa física, podem requerer recuperação judicial. Para tanto, os produtores precisam comprovar apenas o desempenho de atividades rurais há pelos menos 2 (dois) anos, pela apresentação dos documentos elencados no artigo 48, parágrafo 3º, da referida lei.
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
[...]
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
A inclusão do produtor rural, pessoa física, na lei de Recuperação Judicial e Falência, solidifica o entendimento firmado pelo judiciário, haja vista que, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, na decisão da Terceira Turma[3], entendeu que as dívidas contraídas pelo produtor rural, antes da sua inscrição perante a Junta Comercial, poderiam ser incluídas na recuperação judicial.
Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a
tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de
exercício regular da atividade empresarial.
Entretanto, o parágrafo mencionado é restrito ao Produtor Rural e não se aplica aos demais empresários em busca de soerguimento, como sabiamente propõe SACRAMONE:
[...] a interpretação do dispositivo legal deve ser restrita ao produtor rural e não aos demais empresários.
Desta forma, nos termos da lei, ao produtor rural não basta, em sua petição inicial, expor as causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira. O produtor especificamente deverá demonstrar sua crise de insolvência, caracterizada pela insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais com liquidez suficiente para saldar suas dívidas. [4]
Outrossim, apesar de facilitar a utilização do instituto da Recuperação Judicial por parte do Produtor Rural, a Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020 limita os créditos que podem ser inscritos no procedimento.
Nesse aspecto, com a nova atualização somente estão sujeitos à Recuperação Judicial os créditos decorrentes exclusivamente da atividade rural, desde que devidamente comprovados nos registros.
Além disso, as dívidas oriundas do crédito rural poderão ser abrangidas, desde que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira, antes do pedido de recuperação judicial.
Do contrário, as dívidas que tinham como finalidade a aquisição de propriedade rural, bem como as suas respectivas garantias, se constituídas nos último 3 (três) anos anteriores ao pedido de recuperação, não poderão ser incluídas no processo, o que limita o alcance do processo de Recuperação do Produtor Rural.
Essas limitações acabam por prejudicar o Ruralista, restringindo a abrangência dos créditos e, consequentemente, obstaculizando o pleno soerguimento do empreendedor rural.
Luiza Costa Pinto
OAB/RS 116.749
Advogada do Departamento
de Recuperações Judiciais
[1] SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência, pág. 119. 3ª Ed, São Paulo: Almedina, 2018.
[2]Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
[...]
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores.
[3] REsp nº 1.800.032-MT. Acesso disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1832496&num_registro=201900504985&data=20200210&formato=PDF
[4] SACROME, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência, pág. 302. 2ª Ed – São Paulo: Editora Saraiva, 2021.
O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E OS CRIMES TRIBUTÁRIOS
O denominado “pacote anticrime”, de 2019, dentre as várias modificações no nosso ordenamento jurídico, trouxe em seu artigo 28-A do Código de Processo Penal o acordo de não persecução penal, a ser proposto antes da propositura da ação penal. Não há nada tão inovador quanto parece, pois já era há muito falado e inclusive modificado nas resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público. O acordo é cabível em crimes sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 anos onde haja confissão do fato pelo agente. Deve ser proposto quando o Ministério Público julgar necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Tal afirmação sobre “necessário e suficiente” nos traz uma falsa impressão de discricionariedade não é mesmo? Afinal, o juiz também tem o poder de rejeitar o acordo quando considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições impostas no ajuste. A problemática não está na possibilidade de rejeição do acordo, mas sim de tais limites não serem delineados. Notamos aqui, em função do caráter de “pena” do acordo, uma semelhança com o art. 59 do CP que exige que a imposição seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime e, portanto, a competência do juiz para examinar.
Além dos requisitos já citados, o acordo só é proposto pelo Ministério Público mediante as seguintes condições (ajustadas cumulativa e alternativamente):
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Conforme o § 2º, I, II, III e IV do mesmo artigo(28-A), o acordo não será admitido se for cabível a transação penal (outra espécie de acordo - lei nº 9.099/95); ou se o investigado for reincidente ou houver indícios de que pratique crimes de forma habitual ou profissional – exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; se o agente tiver sido beneficiado nos últimos 5 anos por transação, suspensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal; ou, por fim, se o crime for praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
O acordo de colaboração será formalizado por escrito e o investigado deve estar acompanhado de advogado em audiência na qual o juiz verificará a sua voluntariedade e regularidade, tomando a oitiva do agente. Caso haja homologação pelo juiz das garantias, os autos serão devolvidos ao parquet para que se inicie a execução perante o juízo de execução penal e após o cumprimento integral dos termos do acordo, será extinta a punibilidade do agente.
A celebração do acordo não constará na certidão de antecedentes criminais (salvo registro para evitar que o mesmo agente seja beneficiado novamente pelo instituto em um prazo inferior a 5 anos como consta no § 12). Na hipótese de descumprimento do acordo, o Ministério Público deve comunicar o fato ao juízo para fins de rescisão e posterior oferecimento de denúncia. Além disso, o descumprimento pode ser utilizado como justificativa para eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
O prazo prescricional não corre enquanto não cumprido ou rescindido o acordo de não persecução penal, de forma que não há risco de ocorrer prescrição nestes casos, ao contrário do que ocorre na transação penal. Havendo discordância do magistrado quanto aos termos do acordo, por entendê-lo abusivo, insuficiente ou inadequado, os autos serão devolvidos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com a concordância do investigado e seu defensor (§ 5º). E se o Promotor não concordar com a revisão dos termos originais temos duas opções: recorrer da decisão, através de Recurso em Sentido Estrito, ou simplesmente não proceder à alteração, quando então o magistrado recusará a homologação do acordo e devolverá os autos, para que o Ministério Público analise se há necessidade de complementação das investigações, ou ainda se é o caso de oferecimento de denúncia (§ 8º). O parquet pode também requerer o arquivamento da investigação, na oportunidade, caso em que determinará as providências previstas no art. 28 do CPP.
Caso o investigado entenda que faz jus ao acordo de não persecução, mas a proposta não tenha sido feita pelo Ministério Público poderá haver requerimento de remessa dos autos ao órgão superior, na forma do art. 28-A do Código de Processo Penal (§ 14). A vítima será intimada da homologação do acordo e de seu eventual descumprimento (§ 9º), bem como o MP deverá comunicar ao juízo qualquer descumprimento das condições estipuladas, para sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia, podendo também não oferecer a suspensão condicional do processo em razão do descumprimento (§ 11).
Considerações quanto aos crimes tributários:
Na Lei nº 8.137/1990 temos a definição de crimes contra a ordem tributária, como por exemplo a supressão ou redução de tributos por meio de omissão, fraude, falsificação, não fornecimento de documentos obrigatórios, bem como apresentação de declarações falsas, não recolhimento de tributo ou contribuição social descontada etc. As penas mínimas não ultrapassam quatro anos, então se preenchidos os demais requisitos objetivos e subjetivos, estarão hábeis à realização do acordo.
Entretanto, nesses crimes não observamos benefícios para o investigado/acusado, pois apesar de formalmente adequado há soluções menos onerosas. Mesmo gerando a extinção da punibilidade a lei 8.137 tem em seu regramento instituto mais benéfico: Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90, e na Lei nº 4.729/65, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Sendo a reparação do dano para o acordo o pagamento integral do débito tributário, e essa condição cumulada com qualquer outra, que é a uma realidade nos acordos, já seria desinteressante quando se pode somente pagar para que se extinga a punibilidade. Mesmo na hipótese de parcelamento, o acordo também é inviável. A redação do art. 9º da Lei 10.684/2003 determina:
Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
No mesmo sentido, a redação dada pela Lei nº 12.382/2011 ao art. 83 da Lei nº 9.430/1996 reafirma que quando há parcelamento do débito tributário nos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137/90 e crimes contra a Previdência Social, dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, a pretensão punitiva estatal ficará suspensa, e, quando pago integralmente o valor, a punibilidade será extinta:
§ 1º. Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento;
§ 2º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal;
§ 3º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva;
§ 4º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento;
§ 5º. O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento;
§ 6º. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.
O Supremo Tribunal Federal adota a posição de que o pagamento do tributo feito a qualquer tempo extingue a punibilidade do crime tributário, bem como a concessão do parcelamento tributário devidamente quitada também extinguirá (HC 116.828/SP, DJ 13/08/2013). O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, defendeu a posição, dizendo:
(…) não há como se interpretar o artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado (HC 362.478/SP, DJe 20/09/2017).
O art. 9º da Lei n.° 10.684/2003 continua em vigor?
SIM! O pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade do crime tributário. O art. 9º da Lei n.°10.684/2003 não foi revogado e continua em vigor. Ao contrário das Leis 11.941/2009 e 12.382/2011 a Lei n.°10.684/2003 trata de pagamento direto (e não de pagamento após parcelamento). Assim o pagamento integral implica a extinção da punibilidade por força do § 2º do art. 9º da Lei 10.684/2003.
Na realidade a repressão penal nos crimes contra a ordem tributária nada mais é que uma forte forma de execução fiscal. A lei privilegia o recebimento do valor devido pelo contribuinte, em detrimento da imposição de pena corporal. Assim, não se pode restringir a aplicabilidade da norma despenalizada e condicionar o pagamento a determinado marco temporal.
Com tais constatações, apesar do cabimento, o ANPP não seria uma opção viável na prática, já que o pagamento a qualquer tempo ou parcelamento (também cabível a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado) extinguirá a punibilidade. Podemos também ver pela ótica de que, impondo ao acusado a condição de quitação do débito para lavratura de ANPP, e essa ocorrendo, nada mais pode ser exigido, podendo concluir que a quitação integral do débito exigido pela Fazenda Pública é incompatível com quaisquer outras condições para a formação de ANPP. Tratamento diferente implicaria, em tese, na conduta do artigo 30 ou do 31 da Lei de Abuso de Autoridade, seja por defender punição que deve saber indevida, seja por dificultar a conclusão de procedimento penal.
O que nos faz mais sentido visando compatibilizar os institutos é que o débito deve se limitar ao valor do tributo, em seu montante principal, corrigido monetariamente. É possível, por exemplo, que a reparação do dano não envolva a extinção total do crédito tributário (artigo 156 do CTN), isto é, que se limite ao pagamento do tributo e, no máximo, da correção monetária do período, excluindo-se juros e penalidades. Nesse caso em que não há a extinção total do crédito tributário também não há a extinção da punibilidade, permanecendo legítima a persecução penal ou o ANPP. Dentro dessa proposta o dano é reparado com o acordo (pagamento do principal e da correção), mas o saldo (juros e multas) continua exigível na esfera tributária.
Sendo assim, conclui-se que o ANPP tem uma finalidade muito mais ampla do que comumente vemos, podendo ser aplicado nos casos de crimes tributários de forma a reparar tanto integralmente o dano, quanto parcialmente, corrigindo o valor ao valor do tributo.
O Escritório Crippa Rey Advogados está à disposição para orientá-los, bem como para sanar quaisquer dúvidas existentes envolvendo o debate.
Porto Alegre, 02 de julho de 2021.
Natasha Japur
OAB/RS 98.400
A possibilidade de redução do percentual de Cláusula Penal avençado em contrato/acordo considerada excessivamente abusiva a um dos firmatários
O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento às decisões advindas do Poder Judiciário, bem como no sentindo de auxiliar nossos clientes a enfrentar o período conturbado que assola o país no momento, vem apresentar informativo atinente à possibilidade de revisão de cláusula penal relativa à inadimplemento em caso de atraso no pagamento de parcelas avençadas em contratos e acordos.
É sabido que, quando há a pactuação, seja em Contratos diversos, como em acordos entabulados para resolução de questões de forma amigável, há a previsão do instituto da Cláusula Penal[1], ou seja, estipulação de percentual a ser incidido sobre os valores que não forem pagos na data prevista para tal, como forma de coibir o inadimplemento, dar segurança ao Contrato e indenizar o credor pelos valores não havidos no prazo estipulado previamente.
Legalmente, o Código Civil Brasileiro prevê que a Cláusula Penal não pode estipular valor igual ao objeto do contrato, ou seja, deve ser pactuada de forma ponderada, de forma que não ultrapasse o valor total previsto na pactuação prevista entre as partes, nos seguintes termos:
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Sabe-se que, usualmente, quando transacionado pelas partes a firmação de contrato ou acordos, usualmente a cláusula penal não costuma ultrapassar o percentual de 10%, normalmente em relação ao saldo restante.
Contudo, algumas pactuações, em que pese, na teoria, sejam firmadas de comum acordo entre os acordantes, ficam maculadas de onerosidade excessiva no tocante à Cláusula Penal, fixando percentuais demasiadamente elevados, o que tornam o Contrato desproporcional na hipótese de inadimplemento parcial ou atraso no pagamento de algumas parcelas, quando há divisão do pagamento a prazo.
E nessa seara, também há previsão da letra legal do Código Civil, que prevê que a discussão do Contrato ou Acordo quando levado ao judiciário, cabendo ao magistrado avaliar o equilíbrio contratual do firmado entre as partes, nos termos do art. 413, da Lei 10.406 de 2002:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Dessa forma, é evidenciada a disparidade nos Contratos e Acordos, quando expostos ao juízo para discussão, quando há abusividade baseada na onerosidade excessiva da Cláusula Penal prevista em contrato quando arbitrada, por exemplo, em patamares próximos a 20% do saldo restante. Nota-se que, a depender do valor objeto do contrato o valor resultará em monta de valor elevado.
Nessa seara, sabe-se que a multa moratória é uma penalidade contratual que visa compelir o devedor ao pagamento da dívida no termo e no vencimento previamente acordados, como uma forma de coação ao cumprimento da obrigação pactuada.
No entanto, muito embora haja a manifestação da autonomia privada nas relações jurídicas, o que viabiliza a estipulação pelas partes das regras que regulem os seus próprios interesses, certo é que a multa moratória não pode ser estipulada em um valor que configure um enriquecimento sem causa.
Assim, em muitos casos, o Poder Judiciário acaba por, mitigando as disposições previstas em contrato, por minorar cláusulas manifestamente abusivas e desproporcionais para que ambas as partes se coloquem em posição igualitária no procedimento.
No sentido de exemplificar casos em que houve a redução proporcional da multa relativa à Cláusula Penal em contratos, há entendimento neste sentido em julgamentos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO COMERCIAL. RESOLUÇÃO ANTECIPADA DA AVENÇA, DECORRENTE DE INADIMPLÊNCIA. MULTA COMPENSATÓRIA. REDUÇÃO PROPORCIONAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 413 DO CÓDIGO CIVIL. CABIMENTO. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO.
(Apelação Cível N.º 70072489586, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Ana Maria Nedel Scalzilli, Julgado em 28/09/2017)
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONFISSÃO DE DÍVIDA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA PARA 10%. ARTIGO 413 DO CÓDIGO CIVIL. A estipulação de multa moratória deve ser razoável e proporcional ao inadimplemento, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio. Revelando-se excessiva e manifestamente onerosa a cláusula estipulada no contrato, cumpre ao Juiz adequá-la aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade. Caso concreto em que o devedor não adimpliu a dívida, e o credor, ora apelante, promoveu execução de título extrajudicial contra os avalistas. Possível a redução da cláusula penal de 30% para 10% do valor do débito, medida que se apresenta adequada, de modo a punir o inadimplemento, sem acarretar, por outro lado, o enriquecimento sem causa do credor.
(TJ-RS - AC: 70051855583, Relator: Luiz Renato Alves da Silva, Data de Julgamento: 15/05/2014, Décima Sétima Câmara Cível).
Dessa forma, as partes acordantes sempre deverão atentar-se para provisionar parâmetros de cláusulas que comportem paridade de obrigações entre os firmatários. Contudo, sabendo-se da necessidade de, muitas vezes, readequar as Cláusulas que acabem por incidir em percentuais manifestamente abusivos, há a hipótese de judicialização da questão, buscando-se a consideração do Poder Judiciário para estipular tal equilíbrio previsto legalmente.
O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca à inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e avaliação de eventuais casos concretos de seus clientes e parceiros acerca da matéria atinente, eis que se trata de assunto que poderá trazer consigo peculiaridades específicas em cada caso concreto.
Paula Bortoli de Souza
OAB/RS 121.676
[1] Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
A IMPLEMENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS DIGITAIS NAS EMPRESAS E A VALIDADE JURÍDICA
A revolução digital não é novidade no cenário do setor empresarial, uma vez que tem modificado a forma de otimizar os processos e de reduzir custos dentro das empresas, sendo uma das principais mudanças a adoção de documentos digitais ou eletrônicos.
Com relação ao âmbito trabalhista, fala-se de documentação digital quanto aos contratos de trabalho, cartões-ponto, contracheques, entre outros, uma vez que é essencial que essa documentação seja firmada por cada empregado.
Os documentos digitais permitem uma drástica redução do consumo do papel, o que permite à empresa atuar com mais sustentabilidade, além de haver uma facilidade na organização e no arquivamento de documentos que não necessitam mais constar no banco de dados da empresa, observadas as determinações da Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709/18[1].
A principal dúvida das empresas quanto a adoção de um sistema inteiramente digital é se essa documentação possui ou não validade jurídica.
É importante dizer que os documentos digitais não se confundem com os documentos meramente digitalizados, uma vez que os documentos digitalizados são originalmente físicos.
No que diz respeito a simples digitalização dos documentos, em 2020, foi publicado o Decreto nº 10.278, que estabelece os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos digitalizados produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais. Portanto, desde que observados os requisitos estabelecidos pelo Decreto, os documentos digitalizados terão a mesma força, efeitos, e validade dos documentos originais.
O documento digital, por outro lado, é emitido de forma inteiramente eletrônica, através de assinatura eletrônica, que é basicamente um código pessoal e irreproduzível que garante a não ocorrência de fraude de documentos. Ela também possibilita o reconhecimento da origem do documento e quem o elaborou, garantido a segurança e a integridade das informações contidas nele.
Um fator importante para determinar se um documento digital possui validade jurídica ou não é a adoção de um certificado digital válido, conforme determina a Lei nº 14.063/20, que dispõe sobre a validade do documento eletrônico através da certificação digital pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ou de assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
O Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho, dispõe, em seu artigo 439, que a utilização de documentos eletrônicos no processo é permitida. A jurisprudência também vem aceitando documentos eletrônicos como prova válida e eficaz nos processos.
Quanto a adoção de contracheques eletrônicos, por exemplo, a CLT determina, no art. 464, que o pagamento do salário deverá ser efetuado contrarrecibo, assinado pelo empregado, bem como que terá força de recibo o comprovante de depósito em conta bancária, aberta para esse fim em nome de cada empregado.
Portanto, na prática, se o pagamento do salário do trabalhador for realizado via depósito em conta e com o seu consentimento, apenas o comprovante de depósito já é válido como recibo de comprovação. Isto significa que não existe a necessidade de o empregador realizar a impressão de toda essa documentação para a colheita de assinatura dos empregados.
Em razão disso, é totalmente possível que a empresa colha a assinatura do empregado por meio digital, desde que as partes estejam em comum acordo. Além disso, os certificados de assinatura eletrônica também são disponibilizados as pessoas físicas, o que pode ser adotado pela empresa nesses casos.
Ainda, é importante que as Convenções Coletivas de Trabalho versem sobre o assunto, a fim de orientar os empregadores sobre estas e outras diretrizes, de forma a tê-las como respaldo na hora de elaborar a suas políticas internas de documentação eletrônica/digital.
Portanto, verifica-se que a adoção de um sistema digital tem levado as empresas a outros patamares e vem crescendo de forma exponencial nos últimos anos, uma vez que não se trata de mero impacto na desburocratização e na gestão de documentos das empresas, mas também na adoção de um modelo mais sustentável, com a redução de custos, porque reduz significativamente a impressão de documentos em papel.
Por fim, colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para dúvidas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outros esclarecimentos.
Porto Alegre, 25 de junho de 2021.
Jéssica Veroneze Duarte
OAB/RS 118.221
Advogada – Departamento Trabalhista
[1] Ver publicação: A LGPD e os Reflexos nas Relações De Trabalho, publicada em 26/05/2021. Disponível em: <http://www.crippareyadvogados.com.br/publicacao/a-lgpd-e-os-reflexos-nas-relacoes-de-trabalho>
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