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COMENTÁRIOS AO PROJETO DE LEI 3.887/2020
PRIMEIRA PARTE DA REFORMA TRIBUTÁRIA A CRIAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE OPERAÇÕES COM BENS E SERVIÇOS EM SUBSTITUIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES DE PIS E DE COFINS
No dia 21/07/2020, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou em mãos ao Presidente do Senado e da Câmara de Deputados a Proposta de Reforma Tributária, a qual dispõe sobre a primeira parte das mudanças propostas pelo Governo. Como já era de se esperar, o Projeto de Lei traz modificações das mais nocivas contribuições do Sistema Tributário, o PIS e a COFINS.
O Projeto de Lei 3.887/2020 tramitará no Congresso concomitante aos andamentos das Emendas Constitucionais 45/2019 e 110/2019, as quais, abordam a Reforma Tributária.
Inicialmente, é natural, e era a expectativa dos operadores do ramo fiscal, que toda e qualquer mudança se iniciasse pelas referidas contribuições, até por que, em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu, com repercussão geral, ser inconstitucional a cobrança do ICMS na base de cálculo destas exações. A previsão é de que a referida demanda custe cerca de R$ 27 bilhões a Fazenda Nacional. A discussão mencionada ainda aguarda julgamento de embargos de declaração quanto a possível modulação de efeitos, mas, sabe-se que diversos Tribunais Regionais Federais já vêm inadmitindo os recursos especiais e extraordinários, gerando o trânsito em julgado favorável aos contribuintes, o que possibilita a tomada dos créditos quanto aos valores recolhidos a maior.
Além deste debate, diversas outras discussões tiveram nascedouro deste julgamento, exemplificando: inconstitucionalidade do PIS e da COFINS sobre suas próprias bases, do ICMS na base de cálculo da CPRB, ICMS na base de cálculo do IRPJ/CSLL. Ou seja, como já visto em outro exemplo semelhante (ação do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS – Importação), o Fisco propõe modificação justamente quanto as cobranças de tais exações, o que, naturalmente, reduzirá o número de demandas judiciais futuras.
Fora os debates de bases de cálculo, travou-se por muitos anos a discussão acerca do conceito de insumo para o PIS e a COFINS. [1]Conclui-se, assim, que as contribuições, de fato, são polêmicas, controversas e nocivas, por isso entendemos que foi acertado o posicionamento do Governo em iniciar uma Reforma Tributária por elas.
A tributação sobre as receitas, sem nenhuma dúvida, é a mais severa para as pessoas jurídicas, majorando incrivelmente a carga tributária. De fato, o PIS e a COFINS são, atualmente, além de exações predatórias ao fluxo de caixa, complexas, inseridas em um emaranhado de debates e incertezas. [2]
Passamos a analisar e compreender as modificações propostas pela PEC, no tocante, especialmente, ao PIS e a COFINS.
A PEC traz, inicialmente, a unificação das contribuições, majorando a alíquota de 3,65% (cumulativa) e 9,25 (não cumulativa) para 12% para empresas no geral, e 5,8% para as Instituições Financeiras.
Abaixo, abordaremos ponto a ponto o Projeto de Lei e suas nuances.
No tocante a terminologia, na forma do Art. 1, a contribuição passará a ser descriminada como a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços. Sua materialidade (critério material – fato gerador) será sobre a receita bruta auferida, excluídas as receitas decorrentes de exportação, sendo assegurada a manutenção dos créditos a esta operação.
Quanto aos sujeitos passivos, responsáveis pelo recolhimento da CBS, o Projeto dispõe que sejam as pessoas jurídicas de direito privado e as equiparadas, bem como, disciplina que nos casos de plataformas digitais, estas sejam as responsáveis pelo recolhimento da exação. São consideradas plataformas digitais qualquer pessoa jurídica que atue como intermediária entre fornecedores e adquirentes nas operações de vendas de bens e serviços online, sendo excluídas as empresas de fornecimento à internet, processamento de pagamentos, publicidade ou procura de fornecedores.
Quanto ao critério quantitativo, a base de cálculo da contribuição será o valor da receita bruta auferida, sendo excluídos o ICMS, o ISS, os descontos incondicionais e a própria CBS. Neste artigo, o Governo, de forma expressa, extingue a chamada “cobrança por dentro” que deu ensejo aos famosos debates judiciais anteriormente mencionados. A alíquota será de 12%.
No tocante a não-cumulatividade, a Seção IV aborda a matéria e dispõe que as empresas poderão tomar os créditos destacados em documento fiscal, relativo a CBS, na aquisição de bens e serviços. Restou vedada a apropriação de créditos ligados às receitas não sujeitas a incidência, ou, com isenção. A apuração será mensal, pelo valor nominal (sem atualizações), e a cada trimestre, eventuais saldos excedentes poderão ser utilizados para compensar com débitos administrados pela Receita Federal do Brasil, vencidos ou vincendos (outra novidade interessante, o uso para débitos vencidos), bem como, por fim, poderão ser ressarcidos em espécie.
Quanto as isenções e imunidades, permanecem isentos as entidades beneficentes de assistência social, os templos de qualquer culto, os partidos políticos e suas fundações, os sindicatos, federações e confederações, e os condomínios edilícios residenciais, as receitas decorrentes da prestação de serviços de saúde do SUS, da venda de produtos da cesta básica, da prestação de serviços de transporte público, da venda de imóvel residencial novo ou usado por pessoa natural, de venda de materiais e serviços pela Itaipu Binacional, dos atos praticados entre cooperativas e seus associados.
Também gozam de isenção (adstrita de seção específica dentro do Projeto de Lei) os produtos in natura, constantes do capítulo 1 a 12 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), [3] bem como das posições 1401, 1801 e 1802. Consideram-se, pelo projeto de lei, produtos in natura aqueles que não sofram nenhum tipo de processo de industrialização, tampouco, sejam acondicionados em embalagens.
Quanto a Zona Franca de Manaus, também restou mantida a isenção, na forma da Seção VIII.
Foi mantida a incidência monofásica, às receitas decorrentes de operações com gasolina, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo, gás natural, querosene de aviação, biodiesel, álcool inclusive para fins carburantes e cigarros. Neste caso, a alíquota a ser aplicada pelos produtores e importadores será na forma do anexo II do Projeto. [4]
Quanto as instituições financeiras, sociedades de câmbio, de securitização de créditos e afins, a alíquota será de 5,85% sobre as receitas auferidas no mês-calendário.
No tocante a apuração, será mensal, com os devidos ajustes de tomada de créditos, vendas canceladas e devoluções, devendo o pagamento ser realizado até o dia 20 do mês subsequente.
A CBS também incidirá sobre as importações (também substituindo o PIS e a COFINS – Importação), tendo como base de cálculo o valor aduaneiro e também alíquota de 12% e o recolhimento deverá ser efetuado na data do registro do despacho de importação (DI), ou, na data de vencimento do prazo de permanência do bem no recinto alfandegário. No caso da importação de serviços, o pagamento da contribuição se dará na data do pagamento da contraprestação.
Foi mantida a suspensão vinculada à importação nos regimes aduaneiros especiais (drawback), na forma da seção V do Projeto de Lei, bem como, a não cumulatividade na CBS incidente sobre a importação.
Analisando as mudanças propostas por Paulo Guedes, entendemos que as mesmas findam alguns debates intermináveis quanto o PIS e a COFINS, no tocante a tributação “por dentro”, que ficou expressamente vedada no PL, bem como, ao uso irrestrito dos créditos, colocando uma pá de cal nas discussões acerca dos conceitos de insumos dedutíveis e, autorizando, inclusive, a tomada de créditos de operações com optantes do Simples Nacional.
Ainda, quanto ao saldo credor acumulado, a proposta que autoriza a compensação com tributos vencidos administrados pela Receita Federal é inovadora. Salientamos também a criação da isenção sobre a venda de imóveis residenciais.
No entanto, para aqueles setores que atualmente apuram o PIS e a COFINS na forma cumulativa, ocorrerá a majoração da tributação, posto que, caso aprovadas as proposições, tais empresas pularão de uma alíquota de 3,65% para 12%.
Ainda não há previsão de quando será votada a propositura, que agora seguirá sua tramitação legislativa no Congresso Nacional. Importante salientar que, em caso de aprovação, as novas normas somente serão aplicáveis após a anterioridade nonagesimal (90 dias após a aprovação) cumulada com a anterioridade de exercício (no outro exercício fiscal).
Continuaremos atentos às movimentações quanto a Reforma Tributária e traremos aqui os contornos deste importante passo dado em nosso Ordenamento Jurídico.
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[1] A não cumulatividade atual do PIS e da COFINS se dá pela tomada dos créditos de insumos utilizados para o desenvolvimento da atividade empresarial. O cerne do problema é que a legislação instituiu um rol taxativo, o qual, não representa em nada a hipótese de incidência das contribuições. Desde a instituição das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 os contribuintes buscam, em esfera administrativa e judicial, ampliar este conceito. O Superior Tribunal de Justiça, julgou, na forma dos recursos repetitivos pelo tema 779 o seguinte verbete: “O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.” Assim, como podemos ver, o assunto permanece sem uma resposta expressa, visto que, o STJ tornou a análise extremamente subjetiva.
[2] A tributação sobre as receitas, certamente, é a forma mais predatória de tributação, uma vez que independe da existência real de riqueza a ser tributada. Vale lembrar, por exemplo, que o contribuinte deficitário, que vive período de despesas superiores às receitas, é considerado apto a contribuir com o Fisco pelo simples fato de auferir receita, ainda que esta receita já esteja comprometida com os salários de empregados e as despesas com fornecedores, o que torna o PIS/COFINS um tributo que, em muitos casos, dificulta muito a sobrevida dos empresários, agindo de forma letal nos empreendimentos do país[2]. [2] BERGAMINI, Adolpho. et al. PIS e COFINS na teoria e na prática: Uma abordagem completa dos regimes cumulativo e não cumulativo. 2º Ed. Porto Alegre: MP Editora. 2010
[3] Sementes e frutos oleaginosos; grãos, sementes e frutos diversos; plantas industriais ou medicinais; palhas e forragens
Matérias vegetais das espécies principalmente utilizadas em cestaria ou espartaria (por exemplo, bambus, rotins, canas, juncos, vimes, ráfia, palha de cereais limpa, branqueada ou tingida, casca de tília).
Cacau inteiro ou partido, em bruto ou torrado.
Cascas, películas e outros desperdícios de cacau.
[4] Gasolina e suas correntes : 792, 50 por metro cúbico;
Óleo diesel e suas correntes: 351,50 por metro cúbico;
Gás liquefeito de petróleo: 167,00 por tonelada;
Gás natural: 167,50 por tonelada;
Querosene de avião: 71,20 por metro cúbico;
Biodiesel: 148,00 por metro cúbico;
Álcool: 241,81 poe metro cúbico;
Cigarros: 1,10 por vintena
O planejamento sucessório e os novos paradigmas sociais
Uma nova mentalidade vem despontando na sociedade brasileira, ao contrário de outros países, os brasileiros não têm como hábito fazer um planejamento sucessório, sendo, muitas vezes, avessos a falar em qualquer assunto que indique falecimento, no entanto estamos evoluindo nesse aspecto.
Primeiramente, cabe analisarmos que para muitas culturas, como por exemplos os estadunidenses, é comum as pessoas andarem com um testamento na carteira, feito em papel simples, ato que para nós não teria a mesma validade, na medida que os testamentos em nosso ordenamento jurídico requerem certa formalidade.
Partindo desse ponto, podemos abrir o debate cultural, abordando uma ausência de educação financeira da sociedade brasileira, passando por dogmas religiosos e culturais sobre não falar em morte, atribuindo esse silencia a uma possível má sorte.
Assim, apesar de a morte ainda ser um “tabu”, gerando certo medo em se pensar no assunto, atualmente a rotina dos escritórios de advocacia tem evidenciado dois aspectos, sendo o primeiro os problemas gerados pela falta de previdência dos falecidos e o segundo a crescente busca de meios que auxiliem em possíveis partilhas, ou inventários.
Outro fato interessante é que “a pandemia do coronavírus tem trazido o tema à tona, seja porque conhecidos ou familiares contraíram a Covid-19, seja pelo crescente número de mortos no país”[1], ou seja, o momento adverso vivido está gerando uma mudança de ponto de vista na sociedade, trazendo à tona a necessidade do uso de meios que minimizem a onerosidade e morosidade do processo de inventário.
Dessa maneira, com essas “novas reflexões, importante entendermos de que forma poderíamos amenizar esse processo, já que o Inventário muitas vezes é um procedimento caro, demorado e desgastante para os envolvidos”[2].
Portanto, buscar informações sobre o planejamento sucessório, bem como investir em meios alternativos de como destinar o patrimônio em vida, devem ser pontos de debate de todas as pessoas.
Com um planejamento sucessório traçado pode-se definir previamente de que forma o patrimônio de determinada pessoa, será dividido, sem que, a depender do instituto utilizado, sejam deixadas pendências a resolver pelos herdeiros.
Outra motivação muito importante, são os impostos de transmissão de patrimônio, ainda mais com a iminente reforma tributária em nosso Estado, cuja prevê adoção de alíquotas progressivas para causa mortis e doações, impactando assim os inventários e transmissões de bens intervivos.
Atualmente temos as alíquotas mínimas de 3% e máxima de 6% para causa mortis (transmissão em inventário) e mínima de 3% e máxima de 4% para doações (feitas durante a vida), com a revisão da carga tributária o imposto pra causa mortis ganha dois novos percentuais, passando os pontos máximos de tributação para 7% e 8%, enquanto que o imposto para doações ganha as novas máximas de 5% e 6%.
Ainda, essa nova tributação prevê adaptação com transição, com mudança gradual nas incidências acima citadas, visando impactar a arrecadação nos cofres públicos, o que por sua vez irá impactar também em maiores custos para quem deixar para se planejar para depois da reforma, ou não se planejar.
Assim, trazermos à luz o bom uso de ser previdente utilizando o planejamento sucessório, como meio de minimizar os custos com a transmissão patrimonial, pois, mesmo com o aumento do valor dos impostos, sendo indicado uma análise célere, sempre será uma melhor alternativa a transmissão intervivos, uma vez que estas alíquotas são consideravelmente inferiores.
Portanto, é imperioso para a saúde financeira dos herdeiros e muitas vezes dos próprios proprietários vivos, quando tomam as medidas cabíveis de forma previdente, o uso da boa prática do planejamento sucessório. Sendo-lhes indicado diversas modalidades de planejamento, dentre elas a elaboração de testamento, doações em vida (cessão de bens), a aplicação em fundos de previdência, seguros de vida, a constituição de uma “holding familiar”, dentre outras.
Para a análise do instituto a ser utilizado, se faz necessário crivo criterioso das intenções daquele que terá a sua sucessão planejada, adequando as possibilidades ao projeto familiar daquelas pessoas, sendo necessária a consulta de um profissional capacitado para as dinâmicas do direito de família e sucessões.
Trazidos esses pontos ao debate, vemos como necessária uma transformação de paradigmas, tornando como usual, principalmente para o meio empresarial, a busca de meios de planejar não só a sua vida, mas também os impactos que poderão gerar a sua ausência para os seus entes queridos, a fim de que todos estejam amparados da melhor forma possível.
Sendo o que tínhamos para esclarecer no momento, colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para maiores consultas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outras explicações.
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[1] https://www.jota.info/justica/planejamento-sucessorio-pandemia-256053-22062020
[2] https://www.jornalcontabil.com.br/a-pandemia-e-a-mudanca-de-habito-no-planejamento-sucessorio/
A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas
A Lei de Recuperação de Empresas, em vigor desde o ano de 2005, tem como principal objetivo evitar que empresas com dificuldades financeiras fechem as portas, viabilizando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica[1].
Ressalta-se, por oportuno, que também podem se valor do benefício da Lei de Recuperação Judicial, as micro e pequenas empresas, desde que comprovem o exercício regular da atividade empresária há mais de 2 (dois) anos, bem como apresentem todos os documentos de que trata o artigo 51 e, ainda, preencham os demais requisitos legais disposto no artigo 48, da Lei 11.101/2005. Todavia, por vezes a complexidade do procedimento “comum” e as despesas provenientes do processo de recuperação judicial, acabam desestimulando as empresas de menor porte, o que, no Capítulo III, Seção V, no artigo 70[2], da Lei 11.101/2005, se otimiza, oportunizando aos pequenos empresários a utilização das benesses legais da LREF.
Embora ainda pouco utilizado, o procedimento especial disposto nos artigos 70, 71[3] e 72[4] da Lei supramencionada, faculta às micro e pequenas empresas a possibilidade de ingressarem com pedido de recuperação judicial especial, desde que manifestem sua pretensão já no ajuizamento do pedido.
A opção pela apresentação de plano especial de recuperação judicial, contudo, implicará que a empresa observe as balizas estabelecidas no artigo 71 da Lei 11.101/2005, o qual, em síntese, determina que a estratégia de pagamento dos credores deverá:
Ademais, em optando a empresa pela adoção do procedimento especial de recuperação judicial, não haverá a convocação da assembleia-geral de credores para deliberação acerca do plano apresentado, concedendo o juízo à recuperação judicial à empresa, desde que não haja objeções de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes, computados na forma prevista na lei.
Apesar de, notoriamente, o procedimento especial conferir maior facilidade, rapidez e ser menos oneroso à empresa, parte da doutrina entende que o procedimento especial poderia ser, de certa forma, contraproducente, diante da forma de aprovação do plano especial, pois, no procedimento comum, as objeções apresentadas pelos credores poderão ser afastadas em assembleia-geral de credores, ao passo que, no procedimento especial, a apresentação de objeções será computada para fins de reprovação do plano ensejando a decretação da falência da empresa.
Entretanto, há de se destacar que não se pode admitir que a apresentação de objeções, por diversas vezes “vazias”, dite o rumo do processo de soerguimento das micro e pequenas empresas, pois, notadamente contrárias a todos os preceitos estabelecidos pela Lei de Recuperação de Empresas.
Neste sentido, pode-se fazer uma analogia ao voto abusivo em assembleia geral, entendendo-se como abusiva também a objeção interposta por determinado credor que se apresentar em descompasso com o critério da razoabilidade, carente de fundamentos e/ou que se apoie em argumentos dissociados aos fins econômicos e sociais que sustentam a recuperação judicial.
O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que a preservação da empresa viável deverá se sobrepor ao interesse particular de um ou de poucos credores divergentes:
“(…) De fato, a mantença de empresa ainda recuperável deve-se sobrepor aos interesses de um ou poucos credores divergentes, ainda mais quando sem amparo de fundamento plausível, deixando a realidade se limitar à fria análise de um quórum alternativo, com critério complexo de funcionamento, em detrimento da efetiva possibilidade de recuperação da empresa e, pior, com prejuízos aos demais credores favoráveis ao plano. (…)”
(Recurso Especial 1.337.989/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018)
“(…) O aresto impugnado, entretanto, concluiu que no caso dos autos, em que há apenas dois credores a compor uma das classes, não é possível que seja deixado ao livre arbítrio dessa minoria o destino da empresa em recuperação judicial, devendo prevalecer os princípios da preservação da empresa e de sua função social. Acrescentou, ainda, com base no conjunto probatórios dos autos, que o voto de rejeição do plano pelos referidos credores teria sido abusivo, tendo em vista a ausência de motivos efetivamente justificantes para a recusa. Tais pontos, aptos, por si sós, a sustentarem o juízo emitido, não foram rebatidos nas razões recursais, aplicando-se, por analogia, o entendimento da referida súmula. (…)”
(Recurso Especial n. 1.724.056/SP, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, decisão monocrática em 23/03/2018, DJe 03/04/2018)
Dessa forma, a conduta abusiva de um credor, ou de uma minoria, apoiado em argumentos carentes de justificativa razoável para tanto, não poderá prevalecer sobre o princípio norteador da Lei 11.101/2005, qual seja, a preservação da empresa, devendo, a mera objeção, desacompanhada de argumentos e fundamentos, deverá ser afastada pelo juízo recuperacional, devendo ser declarado o plano especial homologado e, consequentemente, concedendo-se a recuperação judicial à empresa.
Portanto, o procedimento especial traz maior simplicidade, celeridade e economia ao processo de recuperação, permitindo que as micro e pequenas empresas possam se valer deste para perseguir sua recuperação, oportunizando a continuidade da operação enquanto negociam com seus credores, sem que haja o risco iminente de terem suas dívidas executadas e/ou seus bens penhorados, permitindo a manutenção de empregos, a movimentação da economia e a saúde financeira de fornecedores e parceiros.
Por fim, urge destacar que a opção por este procedimento deve ser cuidadosamente estudada pela empresa em conjunto com seu procurador, pois, diante das balizas impostas pela lei para a apresentação do plano especial, no caso da empresa possuir um passivo demasiadamente elevado, a pretensão de pagamento nos moldes do procedimento especial, por vezes não mostrará o melhor caminho a ser adotado, devendo, portanto, se socorrer no procedimento comum de recuperação judicial.
O escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para demais orientações relativas ao tema, bem como para adotar as medidas necessárias com o intuito de auxiliar na reestruturação da empresa, visando sempre a preservação dos negócios, os direitos dos empresários e as sociedades empresárias em geral.
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[1] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[2] Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1° desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.
§ 1° As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.
§ 2° Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.
[3] Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:
I – abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3° e 4° do art. 49;
II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;
III ° preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
IV ° estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.
[4] Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei.
Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55, de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 83, computados na forma do art. 45, todos desta Lei.
[5] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
(…)
§ 3° Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4° do art. 6° desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
§ 4° Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
A inexigibilidade de conduta diversa e os crimes tributários ante a pandemia de COVID-19
Tendo em vista a atual pandemia, decorrente do enfrentamento ao vírus Covid-19, surgem diversos questionamentos acerca de atrasos no pagamento de obrigações tributárias.
Primeiramente, cabe analisarmos o conceito analítico de crime tripartido, conceito esse vigente na aplicação de nossas leis penais, para ele o delito se configura a parir de três elementos:
A tipicidade;
A antijuridicidade;
A culpabilidade.
O elemento importante para o nosso raciocínio é a culpabilidade, uma vez que essa é composta pela imputabilidade do agente, pelo potencial de consciência da ilicitude (compreensão que a conduta é ilegal) e pela exigibilidade de conduta diversa (por ser ato repreensivo exige-se que o agente aja de outra maneira).
Assim, para que uma conduta seja culpável, ela deve ter previsão legal, ser consciente e ser exigível que o seu proceder seja diverso do que fora cometido. Por exemplo há previsão legal para o homicídio, portanto se um indivíduo mata alguém, sabendo que estava cometendo tal ato, sem nenhuma excludente (por ausência de imputabilidade, por ausência de potencial conhecimento da ilicitude e por ausência da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa), age criminosamente sendo passível de ser criminalizado por homicídio.
Para o ponto que estamos querendo chegar, devemos nos atentar para a excludente de culpabilidade chamada inexigibilidade de conduta diversa, qual afasta o elemento “exigibilidade de conduta diversa”, ou seja, se um dos elementos que compõem a culpabilidade é excluído, a conduta deixa de ser considerada culpável, e, portanto, gerando não ocorrência da culpabilidade.
Assim, é possível afirmar que, não se poderia exigir do agente conduta diferente daquela que ele efetivamente praticou, sendo inexigível uma conduta diversa da que fora praticada, por isso o nome dessa excludente.
Desse modo, fatos que gerem condutas que não poderiam ser procedidas de outra maneira geram uma excludente de culpabilidade, como por exemplo uma coação moral irresistível, obediência hierárquica.
Ainda, por tal teoria é consolidado em nossa jurisprudência que a existência de elementos que comprovem dificuldades econômicas empresariais enseja no reconhecimento judicial de inexigibilidade de conduta diversa, justificando a exclusão da punição do eventual crime tributário.
Como no caso em que a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª região deu provimento a apelação criminal, absolvendo um empresário do crime de sonegação de contribuições previdenciárias, considerando que a empresa enfrentava dificuldades financeiras, assim impedindo a realização dos pagamentos.
Na ocasião desse julgamento o relator considerou que, para que seja admitido o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, é necessário que tais dificuldades sejam graves, “a indicar a real ausência de condições de saldar o compromisso. A omissão no recolhimento do tributo deve revelar-se uma medida última”.Ao que o Excelentíssimo Desembargador Gebran Neto postulou “A situação evidenciada, assim, demonstra ser crível a existência de condições anormais suportadas pela sociedade empresarial e que lhe retiraram a possibilidade de honrar todos os débitos, impondo-se o reconhecimento da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa.”[1]
Assim, no caso supracitado fora reconhecida a excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa, para absolver o acusado das imputações. O voto foi seguido à unanimidade pela 8ª turma do TRF da 4ª região.
Nesse mesmo sentido temos diverso julgados, colacionamos o habeas corpus a seguir:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168, § 1º, I, DO CP). ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. NÃO-COMPROVAÇÃO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA. … 2. A inexigibilidade de conduta diversa consistente na precária condição financeira da empresa, quando extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa do que o não recolhimento das contribuições previdenciárias, pode ser admitida como causa supralegal de exclusão da culpabilidade do agente. Precedente: AP 516, Plenário, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 20.09.11. HC 113418. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/09/2013.[2]Grifo nosso.
Portanto, se o empresário deixa de recolher tributos à Fazenda Estadual ou ao Fisco Federal, por conta de uma comprovada grave crise econômica, existe a possibilidade que seja reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa, não gerando punição por crime contra a ordem tributária.
Uma vez que o Estado compreende que pagamentos de funcionários, fornecedores e de outras dívidas “essenciais” são prioritários ao pagamento de tributos, para que seja mantida a higidez da empresa, não havendo possibilidade de se exigir que os empresários optem por condutas diversas.
Dessarte, há de se ponderar caso a caso, para que seja feita uma análise se houve um inadimplemento fiscal ou se de fato houve alguma intenção fraudulenta. Ou seja, vale muito a análise do caso concreto, corroborada por toda a sorte de provas que se possa conseguir, ou por bases de conhecimento amplo, inquestionáveis.
Desse modo, na atualidade, com a pandemia de COVID-19, temos um caso concreto que assola toda a população mundial, gerando impacto direto nas relações econômicas, sendo reconhecido pelos entes estatais com calamidade pública, gerando diversos decretos e prorrogações para adimplementos de toda ordem.
Ademais com as possibilidades de suspensão ou diferimento do recolhimento de tributos, conferidos durante a pandemia, para a esfera tributária, nos parece claro que se possa entender que os atos cometidos pelos entes estatais de limitações de circulação, fechamento de empresas, bem como todas as demais percalços advindos da atual pandemia, também sejam valorados na esfera criminal.
Assim, com toda a dura carga tributária que sofrem os empresários do nosso país, enfrentando uma pandemia mundial, com a maioria das empresas fechadas, sem que haja uma previsão de retorno a “normalidade”, é de se esperar que o Estado veja como inexigíveis as condutas desses que, porventura atrasem, ou não consigam honrar por certo período, com o pagamento de alguns tributos, devendo ser aplicada a teoria de inexigibilidade de conduta diversa, não enquadrando tais condutas em crimes, mas sim em meros inadimplementos.
O escritório Crippa Rey Advogados seguirá atento aos desdobramentos legais do cenário atual, primando para que sejam dado o devido tratamento a todos os que sofrem com as condições impostas pelos entes estatais.
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[1] https://migalhas.com.br/arquivos/2019/11/art20191101-03.pdf
[2] HC 113418. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/09/2013.
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