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O DANO MORAL PELA VIOLAÇÃO DE MARCAS NÃO REFLETE O VALOR DA CONFIANÇA CONQUISTADO PELAS EMPRESAS AO LONGO DOS ANOS

Por que a violação não pode ser tratada como um simples custo de operação

A marca é, talvez, o ativo mais sensível de uma empresa, pois é nela que se concentram anos de esforço, investimento e relacionamento com o público.

Mais do que um sinal distintivo, a marca é o elo de confiança entre o produto e o consumidor construída no mercado, logo, quando um concorrente faz uso indevido desse sinal — seja imitando, reproduzindo ou explorando indevidamente sua imagem — a lesão não se limita ao aspecto econômico imediato, pois há uma quebra simbólica e profunda: o abalo da credibilidade.

Embora a Lei da Propriedade Industrial garanta a exclusividade da marca registrada e preveja punições para o uso indevido, o Judiciário ainda enfrenta dificuldades para medir o dano moral causado nessas situações. Os tribunais reconhecem que a pessoa jurídica pode ser moralmente lesada — afinal, também possui honra objetiva —, mas as indenizações fixadas costumam ser modestas, muitas vezes descoladas da real importância econômica e simbólica da marca.

Durante anos, a jurisprudência adotou a tese de que, comprovado o uso indevido, o dano moral seria presumido — o chamado in re ipsa, o que facilitou a proteção da marca e reduziu a carga probatória do titular, no entanto, o reconhecimento do direito, por si só, não basta, eis que, quando o valor arbitrado é simbólico, o sistema transmite a mensagem de que violar uma marca compensa, especialmente para infratores de maior porte.

No REsp 1.507.920 (STJ), foi mantida indenização de R$ 15.000 por danos morais à empresa Sonharte Brasil, por uso indevido de marca semelhante, caracterizando concorrência desleal.
https://abrir.link/YWHxf

Em ação no Paraná, empresa foi condenada a pagar R$ 100.000 por dano moral, além de R$ 168.000 por danos materiais, em caso de imitação de embalagem, entre a marca famosa Leite de Rosas e produto “Leite de Flores”.
https://s.migalhas.com.br/S/B5E4D0

Em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o uso indevido da marca + identidade visual do Carrefour gerou condenação de R$ 30.000 que foi reduzido para R$ 20.000 de mora, além de reparação material.
https://abrir.link/sZArp

Em outro caso, com indenização fixada em R$ 50.000 por dano moral para pessoa jurídica, em situação de uso indevido da marca, visto como valor razoável com base em critério bifásico (gravidade e interesse jurídico lesado) pelo STJ.
https://www.escavador.com/jurisprudencia/decisoes/763270/resp-1527232-stj-sp-recurso-especial-resp-1527232?utm_

Esses casos mostram variação grande entre os valores, muitas vezes modestos frente ao investimento e à importância econômica das marcas, ou seja, em vez de cumprir sua função dissuasiva, a indenização torna-se um custo marginal de operação.

A fixação do dano ainda carece de parâmetros que considerem a natureza do ativo violado, já que uma marca consolidada, com valor reconhecido no mercado, carrega um capital intangível difícil de mensurar, mas de impacto real e mensurável quando corroído.

A ofensa não se resume a uma perda pontual de vendas; ela compromete a percepção pública, dilui a exclusividade, enfraquece o prestígio e gera desconfiança nos consumidores.

Na prática, contudo, os julgados frequentemente tratam casos de violação marcária sob a mesma lógica dos danos morais de pequena monta, aplicando valores uniformes, entre R$ 10 mil e R$ 50 mil, independentemente do porte da marca ou da gravidade da conduta, caracterizando uma padronização que desconsidera o papel econômico da marca como ativo estratégico e, de certa forma, fragiliza o próprio sistema que busca proteger a propriedade intelectual.

Se mostra necessária a construção de critérios racionais que reconheçam a natureza híbrida do dano, que deve refletir tanto o aspecto simbólico (a lesão à reputação) quanto o econômico (a perda de valor de marca), devendo se utilizar de ferramentas para auxiliar o Judiciário a medir com mais precisão o impacto da violação, reduzindo o grau de subjetividade e aumentando a coerência entre as decisões.

No cenário atual, em que a identidade das empresas se confunde com a percepção pública de suas marcas, a reparação simbólica já não basta, pois o que está em jogo é o próprio incentivo à honestidade concorrencial, eis que, se a violação de marca se traduz em custo baixo e previsível, o sistema deixa de proteger a lealdade no mercado e passa a premiar o oportunismo.

E, no campo da propriedade intelectual, a confiança — esse patrimônio invisível — precisa finalmente ter o valor que merece.

É imprescindível que os tribunais desenvolvam uma percepção mais apurada do valor reputacional como bem jurídico autônomo, pois a marca não é apenas um sinal visual; ela sintetiza a história, a identidade e a credibilidade de quem a construiu, logo, os julgadores devem reconhecer que o abalo à imagem e à confiança pública não se traduz apenas em números de vendas, mas em uma corrosão simbólica que pode levar anos para ser revertida.

A análise do impacto reputacional, quando feita com profundidade e sensibilidade, permite decisões mais justas e condizentes com a realidade de um mercado cada vez mais baseado em ativos intangíveis.

O fortalecimento da tutela indenizatória, portanto, é mais do que uma questão de justiça individual: trata-se de um imperativo de política econômica, que valoriza a reputação e a confiança como motores do consumo e do investimento.

O direito brasileiro já reconhece o dano moral em casos de violação de marca, mas os valores praticados frequentemente não correspondem à gravidade das lesões nem ao papel econômico que as marcas desempenham na geração de riqueza e inovação.

Para que o sistema de proteção da propriedade intelectual seja efetivo, é necessário que as indenizações reflitam honestamente os prejuízos à reputação, sejam suficientes para desestimular novas violações e respeitem os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade e, por isso, a valorização econômica da marca, a amplitude do impacto, o grau de culpa e a capacidade do infrator devem combinar-se para produzir sentenças mais consistentes, previsíveis e justas, pois só assim será possível assegurar que uma reputação empresarial não seja tratada como valor meramente simbólico, mas como patrimônio digno de real proteção.

E essa transformação não virá apenas da iniciativa dos tribunais, cabendo também às empresas exercerem ativamente o seu direito de buscar reparação judicial sempre que houver uso indevido de suas marcas, porque o acionamento do Judiciário é, em última análise, o que impulsiona o aprimoramento institucional: quanto mais demandas qualificadas chegarem aos tribunais, maior será a pressão por especialização, pela consolidação de precedentes coerentes e por decisões que reflitam a realidade econômica de cada caso.

Defender a própria marca em juízo não é apenas um ato de proteção individual — é uma forma de fortalecer todo o sistema de propriedade intelectual, contribuindo para um ambiente de negócios mais ético, competitivo e seguro.

 

Advogado Gabriel Tosi

Crippa Rey Advocacia Empresarial