ANÁLISE COMPARATIVA DOS DISPOSITIVOS FALIMENTARES NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS. ABRANGÊNCIA E PERCEPÇÕES SOCIAIS DA LEI 11.101/2005 E O BANKRUPTCY CODE
Introduz-se o tema proposto neste artigo com atenção ao se tratar da relação falimentar de extrema relevância no campo do direito empresarial e financeiro. O tema envolve o tratamento das dívidas de empresas bem como pessoas físicas que não conseguem honrar com suas obrigações financeiras.
No Brasil, o dispositivo legal que regula as falências é a Lei 11.101/2005, Lei de Falências e Recuperação de Empresas, enquanto nos Estados Unidos aplica-se o Bankruptcy Code, oferecendo uma abordagem distinta, permitindo que pessoas físicas também possam declarar falência. Este artigo busca comparar o tratamento da falência nas duas jurisdições e o impacto dessas diferenças na percepção social sobre o tema.
No ano de 2024 no Brasil, de acordo com artigo publicado pela IstoÉ, a quantidade de requisições falimentares chegou a 949 pedidos, conforme o gráfico ilustrativo abaixo:
Neste intuito, imperativo salientar que a Lei 11.101/2005 regula os processos de falência e recuperação judicial e extrajudicial no Brasil tendo como sua principal função garantir que empresas em dificuldades financeiras possam ter uma chance de reorganização e recuperação, e, em caso de impossibilidade desta, a condução para a falência com o intuito de liberar o empresário novamente ao mercado e prosseguir com o cumprimento das dívidas na medida do patrimônio da empresa ou Grupo empresarial com a liquidação de seus bens.
Sheila Christina Neder Cerezetti, ao tratar a respeito do individualismo falimentar à Lei de recuperação de empresas nos traz importante destaque:
“De fato, até o ano de 2005 todas as leis nacionais sobre o assunto debruçavam-se sobre a crise da empresa sob a principal perspectiva de que o ativo empresarial deveria ser realizado em vista da satisfação dos credores. (…) Tratava-se, portanto, de uma visão liquidatória-solutória que colocava em relevo o necessário pagamento dos credores e buscava repelir do mercado o devedor inadimplente. (…) A Lei de Recuperação e Falência, percursora de uma nova perspectiva do direito concursal pátrio, atualmente edificado sobre o princípio da preservação da empresa, é capaz de, sendo adequadamente interpretada e aplicada, afastar o ordenamento concursal brasileiro desse malfadado movimento que tanto prejudica o cumprimento da função social da empresa.
O diploma legal brasileiro referido, entretanto, foca exclusivamente em pessoas jurídicas, ou seja, empresas que não conseguem cumprir suas obrigações financeiras. Em caso de falência de uma pessoa jurídica, a empresa é liquidada e seus bens são vendidos para saldar as dívidas. A recuperação judicial, por outro lado, é uma alternativa que permite que a empresa continue suas atividades enquanto paga suas dívidas de forma parcelada e reestruturada.
A insolvência civil no Brasil é regida pelo Código de Processo Civil, nos artigos 748 a 786. Esses artigos tratam da declaração de insolvência, seus efeitos e o procedimento para liquidação do patrimônio do devedor enquanto nos Estados Unidos, a legislação falimentar também é regida pelo Bankruptcy Code (Código de Falências), que oferece um tratamento distinto em comparação ao ordenamento pátrio.
Uma das maiores diferenças entre as legislações dos dois países é a possibilidade corriqueira e normalizada das pessoas físicas pedirem a falência, não apenas as pessoas jurídicas. No ordenamento Norte-Americano, existem diferentes tipos de falência (Capítulo 7, Capítulo 11 e Capítulo 13), sendo o Capítulo 7 o mais comum para indivíduos.
A falência sob o Capítulo 7 do Bankruptcy Code permite a liquidação dos bens do devedor para pagar suas dívidas, mas oferece ao indivíduo a chance de recomeçar a vida financeira com um “fresh start” (novo começo), ao liberar o devedor das dívidas restantes após a venda de seus bens. Já o Capítulo 13 permite a reorganização da dívida, possibilitando que o indivíduo pague suas dívidas ao longo de um período de 3 a 5 anos, enquanto mantém seus bens.
Ainda sobre a insolvência nos Estados Unidos, esta não é vista com tamanho estigma social, mas sim como uma ferramenta legal de reorganização financeira, tanto para empresas quanto para indivíduos.
A sociedade americana, portanto, tende a ver a falência de forma mais neutra, entendendo-a como uma forma de recuperação e reorganização, ao invés de um fracasso.
A Percepção Social da Falência
No Brasil, a falência de uma empresa ou indivíduo ainda carrega um estigma considerável. Para as empresas, apesar da recuperação judicial ser uma alternativa, o processo de falência é geralmente associado ao fracasso e à incapacidade de gestão.
Esse estigma pode afetar negativamente a imagem do empresário no mercado em seu recomeço na caminhada empresarial bem como para os indivíduos.
Superando o velho estigma, a doutrina através de João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea nos apresenta:
“Não se pode presumir o falido como fraudador. Desde a segunda metade do século XV, o direito concursal vem evoluindo no sentido de diferenciar a falência inocente da fraudulenta, reservando o tratamento mais severo apenas ao bancarroteiro doloso. Porém, o preconceito histórico em torno da figura do falido ainda é bastante comum entre nós. Mesmo hoje, a decretação da quebra continua acarretando grave abalo moral e social sobre o devedor (…) a quem é atribuída a pecha de inepto, inábil ou incompetente. Cair em estado de insolvência faz parte do risco ordinário dos negócios assumidos pelos agentes econômicos.”
Por outro lado, a abordagem do código norte-americano oferece uma perspectiva diferente. A falência, tanto para empresas quanto para indivíduos, é vista como uma oportunidade para recomeçar.
A possibilidade de falência nos Estados Unidos cria um ambiente onde o sistema financeiro é mais dinâmico, uma vez que pode-se recuperar a saúde financeira mais rapidamente e voltar ao mercado, seja como empresa ou como pessoa física. Esse processo também estimula a inovação, pois empreendedores que falham têm a chance de tentar novamente, com olhares completamente modificados sobre o âmbito empresarial que atuam, sem o peso de uma falência que os comprometa permanentemente.
Em nosso país, a falta de maior abrangência legal e conhecimento da Insolvência Civil pelos cidadãos acaba por dificultar a recuperação econômica, deixando-os em uma situação financeira de vulnerabilidade.
Em caráter conclusivo, a comparação entre a Lei 11.101/2005 do Brasil e o Bankruptcy Code dos Estados Unidos revela diferenças significativas na abordagem da falência. Essas diferenças possuem implicações importantes na percepção social da falência, sendo que no país norte-americano é vista como uma ferramenta de reorganização e recomeço, enquanto no Brasil a falência ainda é associada no mercado ao estigma de fracasso.
A maior inclusão da pessoa física no processo de insolvência, como ocorre nos Estados Unidos, pode trazer benefícios significativos ao Brasil e sua economia, permitindo uma recuperação financeira mais ampla e abrangente. Além disso, ajudaria a reduzir o preconceito social envolto no tema, possibilitando uma maior compreensão sobre a necessidade de adaptação e mudança econômica para novos ciclos, natural em nossa sociedade.
Luiz Augusto Perine
Crippa Rey Advogados
https://www.uscourts.gov/services-forms/bankruptcy/bankruptcy-basics
https://istoedinheiro.com.br/brasil-registra-22-mil-pedidos-de-recuperacao-judicial-em-2024-o-maior-numero-da-serie-historica-aponta-serasa-experian/
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm
CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações. São Paulo: Malheiros Editores. p. 203.
SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência. 4. ed. rev., atual. e ampl. 2023. São Paulo: Almedina, p. 977-978.