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STJ REAFIRMA SOBERANIA DA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUANTO AO PRAZO DE CARÊNCIA E INÍCIO DA SUPERVISÃO JUDICIAL NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 2.181.080/RJ, em abril de 2025, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, enfrentou questão de grande relevância prática no âmbito das recuperações judiciais: a compatibilidade entre o prazo de carência para início dos pagamentos previsto no plano e o biênio de supervisão judicial estabelecido no art. 61 da Lei nº 11.101/2005. O caso envolveu a recuperação judicial de um grupo de hotel, cujo plano aprovado pelos credores previu prazo de carência de 48 meses, postergando o início do cumprimento da maior parte das obrigações. A Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE insurgiuse contra tal disposição, alegando a nulidade da cláusula e defendendo a aplicação da redação conferida pela Lei nº 14.112/2020 ao art. 61 da LRF, segundo a qual o prazo de supervisão judicial deve ser contado independentemente de eventual período de carência.

A Corte Superior, contudo, por unanimidade, negou provimento ao recurso da CEDAE. No voto condutor, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que, ainda na vigência da redação original do art. 61 da LRF, o STJ já havia consolidado jurisprudência no sentido de que não existia impedimento legal à fixação de prazos de carência superiores a dois anos, desde que aprovados pela assembleia de credores. Tal entendimento se justifica pela natureza negocial da recuperação judicial, na qual a assembleia exerce papel soberano para deliberar sobre os meios de soerguimento da empresa, inclusive quanto ao escalonamento temporal de seus pagamentos.

Ao analisar a incidência da Lei nº 14.112/2020, o Tribunal ressaltou a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais: planos e decisões homologatórias praticados sob a égide da lei anterior configuram situações jurídicas consolidadas, insuscetíveis de retroatividade. Assim, embora a reforma legislativa tenha pacificado a discussão ao prever expressamente que o biênio de supervisão é contado independentemente do período de carência, tal disposição não alcança processos em que o plano e sua homologação ocorreram antes da entrada em vigor da nova lei.

O acórdão também sublinhou que o prazo de supervisão judicial e o marco inicial para sua contagem são matérias que se inserem no campo da autonomia privada dos credores, não cabendo ao Judiciário, em regra, substituir-se à assembleia para alterar condições econômicas do plano. Somente diante de ilegalidade manifesta seria possível a intervenção judicial. Nesse ponto, o relator frisou que a soberania da assembleia é um dos pilares do sistema recuperacional, constituindo garantia de que as soluções adotadas refletem a vontade da maioria dos credores e respeitam a lógica negocial que fundamenta o instituto.

Com essa decisão, o STJ reafirma que a recuperação judicial deve ser interpretada a partir do equilíbrio entre preservação da empresa e segurança jurídica, evitando a retroatividade de normas processuais e assegurando a autonomia dos credores na definição dos parâmetros do plano. O julgado reforça, portanto, a importância da assembleia como foro privilegiado de negociação, ao mesmo tempo em que delimita a atuação do Judiciário, que não deve intervir para revisar cláusulas de natureza patrimonial aprovadas validamente.

Esse precedente contribui para a consolidação da jurisprudência no sentido de que a Lei nº 14.112/2020 não pode ser aplicada retroativamente, e de que a autonomia negocial dos credores deve ser respeitada mesmo em situações de carência prolongada. Ao mesmo tempo, sinaliza ao mercado a segurança jurídica necessária para que planos de recuperação aprovados antes da reforma legislativa não sejam desestabilizados por novas interpretações, garantindo estabilidade às negociações e previsibilidade aos agentes econômicos.

 

Advogada Samara Vega

Crippa Rey Advocacia Empresarial

 

Referência

REsp 2.181.080/RJ – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – Terceira Turma – Julg. 08/04/2025 – DJe 15/04/2025