Skip links

DESTINO, BENS E SERVIÇOS: NOVOS (E VELHOS) DESAFIOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA

O Crippa Rey Advogados, sempre atento às inovações legislativas, normativas e jurisprudenciais em matéria tributária e aduaneira, vem informar que a reforma tributária trouxe mudanças importantes, mas também manteve algumas das velhas dúvidas que sempre assombraram os contribuintes.

Um dos pontos centrais da nova sistemática é o chamado princípio do destino, segundo o qual o imposto será, em regra, devido no local onde o bem ou serviço for consumido. O objetivo é nobre: acabar com a guerra fiscal entre estados e municípios e tornar a tributação mais justa.

Historicamente, o Brasil sempre teve dificuldades para definir se determinada operação envolvia mercadoria ou serviço. O exemplo clássico é o da gráfica: ela vende papel ou presta serviço de impressão? Essa distinção, que parecia meramente teórica, determinava e até mesmo qual tributo deveria ser pago (ISS ou ICMS).

Com a reforma, buscou-se superar esse problema com uma materialidade ampla do IVA-dual, que abarca “operações com bens e serviços”.

O conceito é tão amplo que gerou novos receios, como a possibilidade de bitributação com tributos patrimoniais ou financeiros (caso de ITBI, ITCMD e IOF). O ponto relevante é: mesmo com a promessa de unificação, a Lei Complementar nº 214/2025 ainda exige distinguir o que é bem e o que é serviço.

O artigo 3º da LC 214/25 impõe essa distinção: bem é toda e qualquer operação que envolva bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos. Está claro que a lei define bem como… tudo aquilo que envolve bem. É uma não definição.

Já serviço é toda operação que não for operação com bem. Ou seja, é um conceito residual. Em outras palavras, a dicotomia persiste e, com ela, as dúvidas sobre a natureza de diversas operações.

Superada essa primeira etapa conceitual, entra em cena o princípio do destino. Antes da reforma, o sistema era baseado no princípio da origem: o imposto era recolhido no local do estabelecimento do prestador ou do vendedor. Agora, a lógica se inverte: o tributo será devido onde o bem ou serviço for usufruído.

Para definir o local de destino, a LC 214/25 traz o extenso artigo 11, que detalha 11 hipóteses principais (e diversos parágrafos) sobre o local da operação, conforme o tipo de bem ou serviço. O bem móvel, por exemplo, é considerado consumido onde for entregue ou disponibilizado. O serviço prestado fisicamente sobre bem móvel, no local onde o serviço for prestado. Já os serviços “intangíveis”, de forma geral, seguem o domicílio do adquirente.

Essas regras procuram cobrir os mais variados cenários: desde serviços presenciais até operações digitais. Existem previsões específicas para eventos, transporte de carga e passageiros, pedágios, energia elétrica, gás, telefonia, publicidade, entre outros. Há até regras detalhadas para definir o “domicílio principal” do adquirente, com critérios como endereço IP, localização do cartão e informações comerciais.

Apesar de toda essa sofisticação normativa, a realidade das operações ainda impõe dúvidas práticas. Um exemplo simples: se um escritório encomenda copos com sua logomarca impressa, estamos diante de uma operação com bem (compra de copo) ou com serviço (personalização com a logomarca)? A tendência seria tratar como bem, mas há valor agregado pelo serviço de impressão.

Outro exemplo mais desafiador: e se eu comprar um bloco de gelo esculpido com a imagem da minha empresa? E se a atividade de esculpir for realizada em cidade diversa da do local da entrega? Isso é um bem ou um serviço? Qual o local da operação?

O inciso V do artigo 11 indica que serviços prestados fisicamente sobre bem móvel devem ser tributados no local da prestação. Mas será que essa operação não é simplesmente a aquisição de um bem (o bloco de gelo esculpido), atraindo a incidência do inciso I, segundo o qual o local da operação é o da “entrega ou disponibilização do bem”?

Essas situações evidenciam que, mesmo com a tentativa de superação dos problemas do antigo sistema, a dicotomia entre bem e serviço gera novas tensões típicas do conceitualismo da civil law. A linha que separa um do outro continua tênue, e entendimentos equivocados dos contribuintes podem gerar autuações fiscais e litígios entre entes federativos.

Uma das soluções possíveis seria aplicar a preponderância da materialidade: o que pesa mais na operação, o bem entregue ou o serviço prestado? Uma alternativa seria a cisão da operação, com recolhimento proporcional em dois locais distintos (bem e serviço). Ambas as saídas, contudo, têm riscos e complexidades operacionais.

O que se percebe é que a definição do local da operação, ainda que guiada por regras detalhadas, dependerá de interpretação caso a caso. E como todo sistema novo, isso tende a gerar controvérsias e judicialização, até que a jurisprudência (ou nova legislação) esclareça os pontos cinzentos.

Empresas que realizam operações mistas ou com forte componente intangível devem tentar classificar corretamente suas operações e manter uma documentação sólida. A reforma trouxe oportunidades, mas também novos cuidados a serem tomados.

Dito isto, o Escritório Crippa Rey Advogados encontra-se à disposição para prestar esclarecimentos, bem como assessorar as empresas e sanar eventuais dúvidas.

 

Porto Alegre/RS, 27 de novembro de 2025.

 

Rodrigo da Costa Vasconcellos

OAB/SC 50.948

Advogado do Departamento Tributário

Escritório Crippa Rey Advocacia Empresarial