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A evolução do direito contratual contemporâneo e os aspectos jurídicos do direito à renovação compulsória do contrato de locação não residencial

O Direito não é uma ciência estática, que permanece inerte no tempo, mas sim está em constante evolução, juntamente com o progresso e o desenvolvimento da própria sociedade que regula.

Desta forma, as mudanças sociais, em especial após a proteção universal da dignidade da pessoa humana e da constitucionalização do direito, refletiram nos ordenamentos jurídicos, de modo que todos os ramos do direito passaram a ser interpretados a partir dos valores jurídicos insculpidos no texto constitucional.

Tal fenômeno contribuiu para a evolução do Direito Privado brasileiro, que passou a ter uma nova roupagem, menos patrimonialista, através da adoção de uma nova principiologia, dentre a qual destacam-se os princípios informativos da eticidade, da operabilidade, e, especialmente, da socialidade, orientadores do Código Civil de 2002.

O princípio da eticidade consiste na exigência da boa-fé não apenas subjetiva, mas, especialmente, objetiva, no sentido da necessidade de se observar condutas de lealdade, lisura, retidão, respeito, cooperação, informação, transparência e honestidade nas relações jurídicas.

Por sua vez, o princípio da operabilidade consiste na adoção de um sistema jurídico aberto, com a adoção de conceitos jurídicos indeterminados, viabilizando aos aplicadores do direito a solução dos litígios de maneira mais concreta e efetiva, sem ficarem presos às amarras do texto legal.

O princípio da socialidade, por fim, traz o imperioso instituto da função social, consistente na prevalência dos direitos coletivos sobre os individuais, de modo que todos os direitos e relações jurídicas devem observar o atendimento aos interesses da coletividade.

Dentro desse viés evolutivo, encontra-se o Direito Civil Constitucional, ensejando a interpretação dos institutos civis, aí compreendido o contrato, de acordo com os valores jurídicos constitucionais.

Assim, o mundo contemporâneo impõe uma nova concepção de contrato, onde a vontade continua presente para a formação dos negócios jurídicos, mas perde a sua importância e força, na medida em que é a lei que irá legitimar e proteger o vínculo contratual, relativizando o poder da autonomia privada.

Desta forma, a obrigatoriedade do pacto contratual – “pacta sunt servanda” – está relativizada, e a vontade das partes  – autonomia privada – não é mais a única fonte de interpretação de um instrumento contratual, haja vista que o interesse social passa a fazer parte dos elementos que configuram o suporte fático do contrato.

Neste sentido, ainda que os contratos de locação não-residencial não prevejam expressamente a possibilidade de renovação, os imóveis destinados ao comércio poderão ter o seu contrato de locação renovado compulsoriamente, desde que preenchidos os requisitos previstos na Lei de Locações – n.º 8.245/91, e observadas as demais regras e valores insculpidos no Código Civil brasileiro de 2002 e no próprio texto constitucional.

Em se tratando de locação não residencial, a Lei das Locações – n.º 8.245/91 – prevê, em seu art. 51, a possibilidade de renovação compulsória do instrumento contratual, desde que atendidos os pressupostos legais, conforme segue:

“Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:

I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;

II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;

III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.”

 

Destarte, o locatário terá assegurado o seu direito à renovação do instrumento contratual caso o contrato de locação não residencial tenha sido firmado na forma escrita, com prazo determinado de, no mínimo, 5 (cinco) anos, inclusive considerada a soma de contratos ininterruptos, e que haja a exploração do comércio, no mesmo ramo, pelo lapso temporal mínimo e ininterrupto de 3 (três) anos.

Afora isso, é importante ressaltar a existência de um prazo decadencial para que o pedido de renovação seja realizado, com antecedência mínima ao vencimento contratual, conforme dispõe o §5º do art. 51 da Lei n.º 8.245/91:

“§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.”

Assim, o locatário pode pleitear em juízo a renovação do contrato de locação não residencial dentro do prazo de 1 (um) ano antes de findar o contrato, respeitando o período mínimo de antecedência de 6 (seis) meses do vencimento contratual.

Na hipótese de não ser observado o lapso temporal legal, estará caracterizado o instituto da decadência, que extingue não apenas o direito de ação, mas a existência do próprio direito à renovação contratual.

Todavia, é importante ressaltar que, em tais casos, embora inexistente a possibilidade jurídica de ser exigida a renovação compulsória do contrato, tal fato não impede a negociação amigável diretamente com o locador.

Por derradeiro, cumpre fixar que o locador não é obrigado a renovar o contrato de locação destinado ao comércio em algumas situações específicas previstas no art. 52 da Lei n.º 8.245/91, conforme segue:

“Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:

I – por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;

II – o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.”

Contudo, há uma regra específica aplicável às locações de espaço em Shopping Centers, no sentido de inaplicar o inciso II, nos termos do § 2º do art. 52 da Lei n.º 8.245/91, haja vista que o locador (empreendedor do Shopping Center) não poderá recusar a renovação do contrato nas hipóteses de retomada do imóvel para uso próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, cujo detentor seja o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente para fins sucessórios.

Ou seja, em tais casos, o empreendedor do Shopping Center ficará obrigado a renovar o contrato, desde que preenchidos os demais requisitos previstos na lei para fins de renovação do contrato de locação comercial.

Outra questão a ser registrada é a verificação se o locador pretende reaver o imóvel para vender a terceiros, pois, nesse caso, o locatário teria direito de preferência na compra, nos termos do art. 27 e seguintes da Lei n.º 8.245/91, que, se não for respeitado, gera o direito à indenização por perdas e danos ao locatário.

Estas são as principais considerações e constatações jurídicas acerca da renovação do contrato de locação não residencial, nos termos da Lei n.º 8.245/91, e o escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para as demais orientações relativas ao tema.

Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2021.

Karina Larsen da Cunha – OAB/RS 81.277

Advogada da Equipe Cível