A Cláusula de “Earn Out” e a estruturação do preço nas Operações de M&A

17/03/2021

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O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações no âmbito do Direito Empresarial, apresentar breve artigo referente ao processo de estruturação de preços nas operações de M&A e a utilização da Cláusula de “Earn Out”.

 

A estruturação do preço nas operações de M&A pode variar consideravelmente a depender do nível de incerteza e da posição dos vendedores e compradores na relação negocial. No geral, a sofisticação do mercado brasileiro, bem como a preocupação do lado do comprador considerando a sua maior exposição a riscos de diversas naturezas, em especial contingências e passivos “ocultos”, tem fomentado o desenvolvimento e a utilização de técnicas contratuais visando a proteção da precificação e de sua variação até o fechamento do negócio (closing) e após realizada a transação (pós-transação)[1].

 

Atualmente, estão se tornando cada vez mais raras transações realizadas por meio de precificação determinada e pagável em parcela única à vista. Haja vista a complexidade que envolve a negociação de operações de M&A, a elaboração de cláusulas relacionadas a estruturação de preço mediante técnicas contratuais específicas tem sido cada vez mais utilizadas de maneira estratégica, tendo por objetivo alocar três modalidades de riscos, a saber:

 

Em primeiro lugar, o risco mercadológico, relacionado ao anúncio da operação, pois pode gerar uma variação considerável no preço dos valores mobiliários emitidos pelas companhias envolvidas no processo de negociação; em segundo lugar, o risco pré-transação, relacionado às transações em que o fechamento ocorre em momento posterior à assinatura do contrato, podendo haver riscos de que ocorram eventos que impliquem no não fechamento do negócio ou na alteração do preço, tais como uma proposta melhor de terceiro ou a ocorrência de um evento material adverso; e, em terceiro lugar, o risco pós-transação, relacionado, do lado dos vendedores, ao recebimento de parcelas do preço com vencimento futuro, e, do lado dos compradores, à indenização por perdas decorrentes de fatos ocorridos antes da transação e que sejam de responsabilidade dos vendedores[2].

 

Nesse contexto, o “earn-out”, também conhecido como cláusula de determinação contingente do preço ou, simplesmente, “preço contingente”, tem como objetivo alinhar as expectativas das partes no tocante ao valor da empresa a ser vendida, trazendo para a análise e verificação do preço dados objetivos correspondentes à realidade das atividades da empresa[3]. Isso porque um dos primeiros entraves em negociações de fusões e aquisições refere-se à fixação do preço do ativo ou da participação societária a ser transferida, objeto da transação. Vendedores e compradores, no geral, têm diferentes expectativas frente à rentabilidade dos ativos, pois as partes não dispõem das mesmas informações quanto ao histórico de rentabilidade, contingências e perdas da sociedade. Assim, ambos apresentam comportamentos distintos quanto a riscos e expectativas de retorno dos ativos[4].

 

Nesses casos, a cláusula “earn out”, que define o preço ajustado entre as partes para a efetivação da transação, geralmente traz uma fórmula utilizada para a precificação, o que torna o preço determinável (e não mais determinado). Durante as negociações, a discussão do preço gira em torno da definição dos parâmetros desta fórmula[5].

 

Assim, os métodos de avaliação utilizados frequentemente nas transações de M&A focam na perspectiva de rentabilidade futura da empresa, sendo comum que o desdobramento do preço seja diferido em parcelas variáveis vinculadas a “performance”: as partes ajustam o pagamento de um valor prefixado, e estabelecem que o pagamento das parcelas vincendas estará vinculado ao desempenho da empresa nos próximos anos (durante um período pré-definido pelas partes), dentro dos limites da fórmula de precificação[6] pré-acordada.

 

Para cumprir com esse propósito, o mecanismo “earn out” estabelece que parte do preço do contrato de compra e venda ficará condicionado ao atingimento de certas metas (financeiras, estratégicas e/ou operacionais) pela empresa vendida[7]. A divisão do preço em parcelas, neste caso, insere o comprador em uma posição mais confortável quando comparado ao vendedor, servindo esta como estratégia para solucionar eventuais divergências entre as partes sobre a perspectiva de rentabilidade futura da empresa objeto da transação[8]. Em outras palavras, vinculando-se parte do preço a eventos futuros, o pagamento de parcela do preço passa a ser baseado em verificações concretas de fluxo financeiros, rentabilidade, contingências e perdas, e não em expectativas subjetivas das partes.

 

A opção por parcelas variáveis vinculadas ao desempenho futuro da empresa leva as partes a fixarem um “modus operandi” ou “plano de ação” a partir do qual são convencionados os critérios de gestão, as exigências de governança da compradora, as atribuições do vendedor na empresa adquirida pelo comprador, bem como os atos e eventos que não terão o poder de interferir na apuração do preço das parcelas vincendas[9]. Ainda, as partes devem estabelecer expressamente no contrato a previsão de empresa especializada para fins de promover os cálculos das parcelas variáveis, para os casos em que não haja consenso entre as partes no tocante aos valores, devendo a avaliação ser realizada nos termos dos parâmetros fixados no instrumento[10].

 

Em relação aos métodos utilizados para avaliar a performance da empresa durante o período definido pelas partes, os mais comuns são o faturamento, o EBITDA[11] e o lucro líquido. A rigor, a escolha do indicador de performance depende de diversos fatores, principalmente da estrutura da operação a ser realizada, uma vez que, caso seja estabelecido um vínculo societário entre as partes, pode haver uma maior convergência de interesses entre as mesmas, o que pode ser traduzido em um acordo de acionistas que preveja regras e premissas vinculantes referentes à gestão e governança da empresa objeto da transação[12].

 

Por fim, é importante verificar os requisitos essenciais do preço segundo a lei civil brasileira por ocasião da negociação e elaboração da cláusula de “earn out” em contratos de compra e venda de participação societária. A sua inobservância pode causar, em muitos casos, a inexistência, invalidade e ineficácia do contrato de compra e venda definitivo e, por consequência, diversos prejuízos para ambos, comprador e vendedor, bem como para a própria sociedade objeto da transação.

 

Assim, sendo o que tínhamos para esclarecer no presente momento e buscando dar continuidade à presente discussão, informamos que estamos sempre atentos às inovações no âmbito do Direito Empresarial, e colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para maiores consultas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outras explicações[13].

 

Porto Alegre, 17 de março de 2021.

 

Maiara Patrício Coral

Advogada e Economista

OAB/RS 115.967

maiara.coral@crippareyadvogados.com.br

 

Thiago Crippa Rey

Advogado

OAB/RS 60.691

thiago@crippareyadvogados.com.br

 

[1] BOTREL, 2017.

[2] LAJOUX, 1998. In Botrel, Sérgio. Fusões e Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2017.

[3] PIVA, 2018.

[4] O comprador tende a ser mais cético frente às análises de risco, enquanto o vendedor, familiarizado com a empresa, naturalmente é menos receoso às incertezas: “Contingent earnout provisions typically arise in the context of merger negotiations when buyer and seller find themselves at a fundamental disagreement with respect to valuation of the seller. Fundamentally, these disagreements resolve around different views of the uncertain post-signing prospects of the seller. Such prospects may be technical or commercial in nature. Or, they may simply relate to future states of the world that are simply unknowable by either party. With respect to these uncertainties, the seller is typically more optimistic than the acquirer. This may be because the seller has private information about the seller’s future prospects that it cannot credibly convey to the buyer, or it may simply be because the buyer and seller just have very different expectations about future states of the world. This divergence in views about the seller’s future results in differences in the question of valuation of the seller that if left unaddressed can prevent parties from reaching agreement. The earnout provision is a contractual term that can help bridge these differences. It does so by creating a post-closing contingent payment obligation that becomes effective in the event the seller meets certain targets or exceeds predetermined thresholds with respect to revenue, profitability, market acceptance, technical achievements, or regulatory approvals.”. BAINBRIDGE, Stephen M. Mergers and Acquisitions. 3 ed. New York: Foundation Press, 2012.

[5] Entretanto, é importante que o contrato definitivo disponha expressamente sobre o valor do negócio em moeda corrente, ainda que contemple previsões de ajustes no preço e seja seguido por fórmula, havendo, desta forma, um valor pré-definido como ponto de partida para a definição do preço. (BOTREL, 2017).

[6] Durante as fases negociais, o vendedor geralmente tenta estabelecer um valor mínimo para parcelas vincendas, enquanto o comprador tenta inserir um valor máximo (Ibidem).

[7] PIVA, 2018.

[8] BOTREL, 2017.

[9] É fundamental a previsão de procedimento a ser adotado em caso de operações societárias que podem alterar substancialmente a própria estrutura da empresa (e não somente os resultados). (Ibidem).

[10] Para o vendedor, é importante constar expressamente no contrato definitivo que a parte incontroversa da parcela variável deverá ser paga em um prazo determinado. Já o montante controvertido, deverá ser pago após a finalização da avaliação pelos assessores responsáveis.

[11] EBITDA (Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization).

[12] BOTREL, 2017.

[13] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Alves, Daniel Rodrigues. Determinabilidade, negociação e elaboração das cláusulas de preço contingente (earn-out) nas operações de compra e venda de participação societária ou de estabelecimento e análise de conflitos à luz do princípio da boa-fé objetiva. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2016.

Bainbridge, Stephen M. Mergers and Acquisitions. 3 ed. New York: Foundation Press, 2012.

Botrel, Sérgio. Fusões e Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2017.

Dickerson, A.P., Gibson, H.D. and Tsakalotos, E. The Impact of Acquisitions on Company Performance: Evidence from a Large Panel of UK Firms. Oxford Economic Papers, 1997.

Lajoux, Alexandra Reed. The Art of M&A, A Merger/Acquisition/Buyout Guide. 3 ed. New York: McGraw-Hill, 1998.

Piva, Luciano Zordan. O Earn-Out na Compra e Venda de Participações Societárias. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Porto Alegre, 2018.


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