Em maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul enfrentou uma série de enchentes devastadoras que resultaram em significativos danos às infraestruturas e às atividades econômicas da região. Tais eventos naturais, além de afetarem a vida cotidiana dos cidadãos gaúchos, provocaram severas consequências para as empresas locais, exigindo uma análise aprofundada sobre como a legislação pode oferecer suporte e proteção a essas entidades afetadas. Neste contexto, a Lei nº 11.101¹, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência de empresas, emerge como uma ferramenta crucial para garantir a sobrevivência e a reestruturação de empresas impactadas por desastres naturais.
Impacto das Enchentes nas Empresas e Empregados
Em análise estritamente econômica e empresarial, as enchentes de maio causaram a interrupção de diversas atividades em várias regiões do Rio Grande do Sul. Muitas empresas enfrentaram paralisação de operações, perda de estoque, danos aos imóveis e equipamentos, além de enfrentarem dificuldades financeiras que comprometeram sua capacidade de continuar operando, para além do impacto psicológico na esfera individual dos trabalhadores. Os empregados também foram diretamente afetados, com a possibilidade de perda de empregos e salários não pagos pela exponencial perda de caixa.
De acordo com a CNN Brasil², em matéria publicada referente aos impactos da última enchente que ocorreu no estado, cerca de 90% do Rio Grande do Sul foi impactado e mais de 95% dos estabelecimentos industriais gaúchos já foram afetados pelas enchentes, segundo estimativa da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). Complementa ainda que “A atividade econômica do Rio Grande do Sul tem um peso relevante para a economia do país como um todo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado representa cerca de 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional”.
De acordo com a Expert XP³ em artigo publicado intitulado “Avaliando o impacto das chuvas no RS para os setores e empresas”, a título de complementação, extrai-se:
“Vemos impactos diretos (mas esperados de curto
prazo) das fortes chuvas para as empresas com
instalações industriais no estado,
incluindo Marcopolo, Randoncorp, FrasleMobility, W
EG e Kepler Weber. Vemos uma exposição maior
em termos de produção para Marcopolo (POMO4),
já que grande parte de seus volumes nacionais são
produzidos em suas plantas de Caxias do Sul (RS)
(2 das 3 plantas no Brasil, com produção local
representando ~70% de vendas) – que foram
suspensas temporariamente por alguns dias (...) A
Randoncorp (RAPT4) e a FrasleMobility (FRAS3)
também anunciaram a suspensão temporária de
suas fábricas de Caxias do Sul (RS) desde a última
terça-feira (2), com retomada parcial da produção a
partir de segunda (6), conforme divulgado em nota
ao mercado. No 4T23, a cidade representava 50%
da produção da Randon. Embora a WEG (WEGE3)
também tenha suspendido temporariamente suas
operações nas plantas de Gravataí e Bento
Gonçalves (RS) (que produzem respectivamente
redutores e transformadores), vemos uma relevância
muito menor dessas instalações industriais em
termos de volumes de produção consolidados”.
Aplicabilidade do dispositivo legal no âmbito empresarial em cenário pós crise
Este cenário exige a utilização de mecanismos legais que proporcionem não apenas a recuperação das empresas, mas também garantam a proteção dos direitos dos trabalhadores e a continuidade das operações econômicas, quando possível. Já enuncia o artigo 47 (4), caput, da Lei supramencionada: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Deve-se ressaltar, no presente caso, que o dispositivo legal da Recuperação Judicial é destinado a permitir que uma empresa que enfrenta dificuldades financeiras, mas que ainda possui viabilidade econômica, possa se reestruturar e reorganizar suas atividades, sem que acabe pela falta da tutela jurisdicional, falindo.
A recuperação judicial visa preservar a empresa, sua função social e o emprego dos seus respectivos trabalhadores. A empresa pode apresentar um plano de recuperação que deve ser aprovado pelos credores e homologado pelo juiz. Esse plano pode incluir a reestruturação de dívidas, a renegociação de contratos e outras medidas que visem a reabilitação financeira da empresa.
Já observando os casos pela ótica falimentar, na qual posteriores explanações podem ser escritas para este complexo tópico no Brasil em um artigo próprio, consoante a recuperação judicial não seja viável ou não tenha sucesso, a empresa pode ser declarada falida. A falência resulta na liquidação dos ativos da empresa para pagar os credores, no que couber, na medida do seu patrimônio.
Conforme lecionam João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea (5):
“Nem toda a empresa merece ser preservada –
apenas as economicamente viáveis. Não existe, no
direito brasileiro, ou em qualquer outro, “o princípio
da preservação da empresa a todo o custo”. Na
verdade, a LREF consagra, em sentido oposto, um
princípio complementar ao da preservação da
empresa, que é o princípio da “retirada do mercado
da empresa inviável””.
O objetivo da aplicação do instituto da falência, dentre outros, é assegurar uma distribuição justa dos recursos disponíveis para quitar seus débitos no que couber o patrimônio e possibilitar um novo início para os empresários e investidores.
Se a recuperação não for possível, a falência oferece um meio de resolver as questões financeiras da empresa de maneira ordenada. A liquidação dos ativos pode possibilitar a satisfação parcial dos credores e, eventualmente, permitir aos empresários e investidores um novo começo. Além disso, a falência permite a negociação de acordos para evitar a perda total dos ativos e buscar soluções alternativas para o futuro econômico da região.
Na recuperação judicial, as empresas impactadas podem recorrer à tutela jurisdicional para buscar um fôlego que permita a continuidade de suas operações. O plano de recuperação pode ser adaptado para incluir medidas específicas para enfrentar as consequências das enchentes, como a renegociação de contratos com fornecedores e clientes, a reestruturação de dívidas e a implementação de estratégias para reiniciar as operações. A lei também possibilita a concessão de prazos adicionais para o cumprimento de obrigações financeiras e a proteção contra ações de credores.
Durante o processo de recuperação judicial, o diploma legal prevê a preservação dos empregos, ajudando a mitigar o impacto social das enchentes, evitando assim demissões em massa e garantindo a estabilidade financeira dos trabalhadores durante o período de recuperação.
Considerações Finais
As enchentes de maio de 2024 no Rio Grande do Sul destacam a necessidade de uma resposta legal eficaz para proteger as empresas e os empregados afetados. A Lei nº 11.101/2005 oferece mecanismos importantes para a recuperação e a reestruturação das empresas, permitindo que elas enfrentem as adversidades financeiras resultantes de desastres naturais. No entanto, é crucial que tanto as empresas quanto os trabalhadores estejam cientes dos seus direitos e das oportunidades oferecidas pela legislação para garantir a recuperação e a continuidade das atividades econômicas, assim como para promover uma recuperação econômica sustentável para a região.
Advogado Luiz Augusto Perine
Crippa Rey Advocacia Empresarial
REFERÊNCIAS
1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm
2 https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/do-arroz-a-industria-grandes- empresas-param-no-rs-em-decorrencia-de- enchentes/#:~:text=O%20Rio%20Grande%20do%20Sul,Cepea%2DEsalq/USP).
3 https://conteudos.xpi.com.br/acoes/relatorios/impacto-chuvas-rs- empresas/#:~:text=Em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Camil%2C%20estimamo s,traduzindo%2Dse%20em%20melhores%20margens.
4 O artigo 47 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência tem como objetivo a viabilização da superação de crises econômico-financeiras do devedor. Consagra também o princípio da preservação da empresa.
5 Recuperação de Empresas e Falência, 4ª edição. Trecho retirado da página 897 na qual abre o capítulo 14 – Convolação da recuperação judicial em falência.