DIP FINANCING na recuperação judicial
Camila Luzardo
A Lei de n° 11.101/2005 foi redigida para regularizar a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, objetivando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor e permitindo a manutenção e preservação da empresa.
Recentemente, a lei em comento sofreu alterações propostas pela lei de n. 14.122/2020, a qual trouxe diversas mudanças e novos institutos para conferir efetividade e agilidade aos processos, além de uma maior segurança jurídica.
Dentre as alterações, o presente artigo propõe explicar o DIP financing, do inglês debtor in possession, uma das melhorias trazidas pela alteração legislativa. Se trata de uma modalidade de financiamento para as empresas que estão em recuperação judicial. O objetivo da nova oportunidade é um fôlego para que as companhias possam suprir o fluxo de caixa e arcar com despesas operacionais. É um instrumento que garante a continuidade de funcionamento das empresas, já que a maioria encontra dificuldades de recursos para saldar as obrigações correntes.
O financiamento favorece esse mercado de investimento, uma vez que cria uma prioridade para o financiador, pois o crédito possui natureza extraconcursal, conforme dispõe o artigo 84 da Lei. Além do mais, entrou no inciso I-B do artigo 84, ficando atrás dos pagamentos somente dos artigos 150 e 151 (despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência e créditos trabalhistas até cinco salários-mínimos com vencimento até três meses antes da decretação da falência).
Na recuperação judicial, empresas que enfrentam dificuldades em honrar seu passivo ingressam com o pedido, juntando plano de recuperação e laudo de viabilidade. O plano estuda por alto os meios e um modelo de pagamento aos credores, e a análise de viabilidade vai apresentar um estudo sobre as chances de a empresa realizar esse plano.
Não raras vezes, a principal dificuldade das empresas recuperandas é a falta de capital de giro, isso porque na maioria dos casos, em especial quando o passivo é bastante elevado, não possuem condições de obter crédito no mercado, situação que pode ser contornada com o financiamento.
Com relação ao procedimento, o juízo no qual tramita a recuperação judicial é o competente para analisar o pedido de financiamento, o qual estando instruído, o próximo passo é a manifestação do conselho de credores. O DIP financing poderá ser garantido por oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos da empresa ou de terceiros, pertencentes ou não ao ativo não circulante. O objetivo da operação deverá ser o financiamento de atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor dos ativos.
A esse respeito, é relevante a ponderação de Marcelo Barbosa Sacramone:
A autorização judicial somente será necessária para a
obtenção de financiamento às atividades e às despesas de
reestruturação ou de preservação do valor de ativos, com a
oneração ou alienação fiduciária de bens e direitos, se os
credores, pela Assembleia Geral ou pelos modos
alternativos de deliberação, não tenham aprovado o plano
de recuperação judicial com a previsão do referido meio de
soerguimento. Para a autorização judicial, após a oitiva do
Comitê de Credores, caso existente, ou do administrador
judicial, deverá ser reconhecida a evidente utilidade para a
reestruturação empresarial. Não apenas deverá ser aferida a
importância do financiamento da manutenção da atividade
produtiva, como deverá ser apreciado se a garantia
concedida ou a oneração do bem em garantia são
imprescindíveis e razoáveis ao financiamento pretendido,
bem como se não promovem a expropriação dos bens do
devedor em detrimento dos demais credores.¹
Importante destacar que qualquer pessoa pode ser o fomentador da atividade, inclusive algum credor da empresa, seja ele sujeito ou não aos efeitos recuperacionais. Estando presentes os requisitos, o juízo poderá deferir a realização da operação.
Após a efetuação do financiamento, a natureza é extraconcursal e as garantias estruturadas não poderão ser desconstituídas, a menos que seja configurada a má fé do financiador, conforme artigo 69-B. O juiz pode constituir garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor, em favor do financiador, independente da anuência do detentor original da garantia (artigo 69-C).
Essa nova modalidade aumenta as oportunidades para grupos de investidores que aplicam em ativos estressados.
Uma das principais dificuldades desse procedimento é o tempo, isso porque a autorização judicial necessária pode proporcionar muitos debates em sede recursal, porque algum credor pode entender que suas garantias estão sendo “esvaziadas”, o que acaba por tardar a decisão do juízo. Isso, inclusive, já foi impeditivo para que o DIP financing fosse implementado na prática, situação que ocorreu na recuperação judicial da OAS S/A, pois ante a demora do trâmite processual quanto à decisão, a investidora interessada (Brookfield Asset Management Inc.) retirou sua proposta.²
Ademais, quanto maior o custo para a empresa em dificuldades, menor a probabilidade da efetividade da recuperação. De suma importância que seja feita uma análise de riscos, pois vai implicar no aumento da eficiência da operação e, portanto, na redução de custos.
A nova operação proposta na legislação visa ao incremento da capacidade financeira e do fluxo de caixa e não ao pagamento dos credores concursais, em tese. Entretanto, tal questão não foi consolidada na lei e, na prática, a condução a ser dada dependerá do caso concreto e da abrangência da decisão judicial.
Por fim, a nova modalidade da lei busca fomentar as atividades da empresa, mantendo-a ativa no mercado, assim como procura diminuir os riscos aos agentes financiadores, trazendo maior segurança jurídica ao procedimento.
¹SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 373-374.
²Recuperação Judicial nº 1030812-77.2015.8.26.0100, 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.