A CONCESSÃO DE DESÁGIO AOS CRÉDITOS TRABALHISTAS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

08/10/2020

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Recentemente, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao analisar Pedido de Tutela Provisória, proferiu decisão reconhecendo a possibilidade de concessão de deságio para o pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial.[1]

O artigo 54 da Lei 11.101/2005, o qual regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, determina que o plano de recuperação judicial não poderá prever o pagamento dos créditos trabalhistas em prazo superior a 1 (um) anos:

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

Tal determinação decorre da natureza alimentar do crédito trabalhista e da presunção de hipossuficiência do trabalhado. Neste sentido:

São regras que existem em atenção à natureza eminentemente alimentar do crédito trabalhista e da conhecida hipossuficiência do trabalhador, agente que usualmente não consegue negociar garantias e, seu contrato de trabalho, tampouco embutir em sua remuneração uma taxa de risco, tal como fazem as instituições financeiras e os grandes fornecedores, por exemplo[2].

Embora a LRF tenha imposto prazo legal para que a empresa em recuperação judicial efetue o pagamento dos credores trabalhistas, o legislador não trouxe nenhum entrave que obstaculizasse o pagamento dos créditos arrolados nesta classe com deságio.

A Lei de Recuperação Judicial e Falência traz, em seu artigo 50, os meios de recuperação judicial, todavia trata-se de rol exemplificativo, podendo a empresa propor diversas formas de soerguimento, desde que não se mostre contrárias à legislação vigente:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I ° concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II ° cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III ° alteração do controle societário;

IV ° substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V ° concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI ° aumento de capital social;

VII ° trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII ° redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX ° dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X ° constituição de sociedade de credores;

XI ° venda parcial dos bens;

XII ° equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII ° usufruto da empresa;

XIV ° administração compartilhada;

XV ° emissão de valores mobiliários;

XVI ° constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

Note-se que o dispositivo legal prevê a possibilidade da empresa em recuperação judicial oferecer a concessão de prazos e condições especiais para o pagamento das obrigações vencidas e vincendas. Dentre estas condições especiais está a concessão de deságios às dívidas.

O Ministro Vilas Bôas, ao analisar o Pedido de Tutela Provisória, autorizou o deságio de 60% (sessenta por cento) dos créditos trabalhistas como meio de recuperação judicial:

“Como se vê do dispositivo transcrito, não existe, a princípio, óbice para o pagamento do crédito trabalhista com deságio, tampouco se exige a presença do Sindicato dos Trabalhadores para validade da votação implementada pela Assembleia Geral de Credores. Ademais, no caso dos autos, o requisito exigido no artigo 54 da LRF para o pagamento dos créditos trabalhista no prazo de 1 (um) ano foi atendido, (…)”

Há de se destacar que o objetivo principal da Lei 11.101/2005, insculpido no artigo 47, é viabilizar à empresa em recuperação judicial a superação da situação de crise econômico-financeira, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, propiciando a preservação da empresa, a função social e o estímulo à atividade econômica.

Sendo assim, empresa e credores devem ser responsáveis pelo processo de recuperação, envidando seus melhores esforços para alinhar termos e condições benéficos a todos aqueles envolvidos, pois, a superação da crise é, ou deveria ser, o propósito de ambos.

Por fim, consoante à possibilidade, cumpre salientar que, apesar da questão merecer uma análise mais aprofundada, a manifestação da Corte no sentido da legalidade de pagamento do crédito trabalhista com deságio abre precedentes para sua perfectibilização, flexibilizando o crédito trabalhista e ampliando as possibilidades da empresa no seu processo de Recuperação Judicial.

 

[1]https://ww2.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=111574521&tipo_documento=documento&num_registro=202001398052&data=20200624&tipo=0&formato=PDF

[2] SCAZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e prática na Lei 11.101/2005. 3º Ed., São Paulo: Editora Almedina, p. 135.


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