A controvérsia instaurada pelo Tema 1051, do Superior Tribunal de Justiça, com afetação no Rito dos Recursos Repetitivos e a definição do marco tempor

11/11/2020

Compartilhe:              


O escritório Crippa Rey Advogados, sempre atento às inovações legislativas e jurisprudenciais dos Tribunais, vem apresentar artigo sobre a afetação do Tema 1051, declarado como rito dos Recursos Repetitivos, pendendo de julgamento acerca da explicitação do artigo 49 da Lei nº 11.101/05, que regula a recuperação judicial e falência.

 

A controvérsia aborda a definição do marco de existência do crédito a ser cobrado em face de empresas que se encontrem em Recuperação Judicial: se o marco é determinado pela data do fato gerador que originou a cobrança ou pela data em que transitou em julgado a sentença declaratória do direito do credor.

 

Antes de tratarmos a respeito do tema principal do Acordão proferido pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que determinou que enquanto não definida a matéria por este, os processos que versem sobre créditos existentes em face de empresas em recuperação judicial ... devem ser suspensos, oportuno tecer breve síntese a respeito da legislação vigente sobre a questão.

 

A partir do momento em que uma empresa passa a enfrentar dificuldades econômicas e financeiras ao ponto de ingressar em Recuperação Judicial, a finalidade essencial da empresa será, como o próprio nome induz, se recuperar, assim como que haja a proteção e manutenção regular da atividade empresarial e possibilitar seu redesenvolvimento.

 

Diante disso, os créditos existentes até a data do pedido da Recuperação Judicial, que pela empresa devem ser pagos, passam a ser considerados concursais, ou seja, deverão ser adimplidos através do processo de recuperação judicial e, logo, conforme as disposições que constarem no seu plano de pagamento, o qual deverá ser aprovado em Assembleia Geral de Credores.

 

Assim, o que definirá se esses créditos são concursais, ou não, bem como sua consequente sujeição ao processo de Recuperação Judicial, ou fora dela, é a data em que esse crédito é considerado devido ao credor.

 

Nesse ponto, a Lei nº 11.101/2005, que regula as disposições atinentes a Recuperação Judicial e Falências, define em seu artigo 49 que o credor que teve seu crédito originado em data anterior ao pedido de Recuperação Judicial formulado pela empresa devedora, terá seus valores sujeitos à ação recuperacional, nos termos seguintes:

 

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.[1]

 

E esse é o entendimento atual e majoritário de aplicação pelos Magistrados da Corte Superior. Assim, tem-se que os créditos decorrentes de fatos geradores, isto é, fatos que tenham originado o direito do credor, cuja ocorrência tenha se dado em data anterior ao ajuizamento da Ação de Recuperação Judicial da empresa devedora, impõe que os pagamentos respectivos aguardem a tramitação regular do processo para, após aprovado o plano de pagamento e homologado pelo juiz, possam ser pagos pela empresa em Recuperação.

 

Contudo, em virtude de decisão proferida na data de 06/05/2020, pelo Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva do Superior Tribunal de Justiça houve afetação dos Recursos Especiais nºs. 1.843.332/RS 1.842.911/RS, 1.843.382/RS, 1.840.812/RS e 1.840.531/RS, classificados com o Tema Repetitivo nº 1051.

 

O Ministro Relator invocou a uniformização de interpretação, que é controvertida, do artigo 49 anteriormente citado, uma vez que existente entendimento jurisprudencial em Tribunais Estaduais, que considera a data da sentença que declara o direito do credor como sendo o marco que legitima a cobrança e, logo, que esse seria o marco para sujeitar ou não o crédito à Recuperação Judicial.

 

Diante de tais divergências de entendimentos dos Tribunais Estaduais, o Ministro afirma que há insegurança jurídica quanto ao ponto acerca do marco temporal para considerar como crédito concursal ou não à ação recuperacional.

 

Aqui destacamos a importância conjunta e indispensável que tem o entendimento dos julgadores, juntamente com a aplicação do dispositivo legal coeso, que levam à celeridade e maior eficácia do disposto na legislação pertinente, nesse ponto a doutrina ensina:

 

É importante destacar, ainda, o papel da jurisprudência na aplicação e na sedimentação do princípio da preservação da empresa, bem como na correta utilização de institutos próprios da LREF em prol do soerguimento de empresas recuperáveis. Nesse quesito o Poder Judiciário é protagonista[2].

 

Assim, destacada a importância do julgamento posto em pauta, uma vez que, para garantir a segurança jurídica nas ações, bem como a fim de conceder a respectiva proteção ao credor e à empresa devedora, um judiciário uniformizado é fundamental para tornar eficaz a finalidade da Lei de Recuperação Judicial e Falências.

Todas essas normas visam a maior aplicabilidade e proteção do crédito, tanto para permitir ao devedor que passa por situação financeira delicada, tanto para o credor que tem o direito de reaver o que lhe é de direito.

 

Nesse diapasão, ainda que haja a pendência de julgamento do Tema, a aplicabilidade da literalidade da Lei é fundamental. Isso porque, quando se tem a caracterização do fato gerador como marco inicial para determinação da existência do crédito, perfectibiliza-se a concretude do ato em si. Explica-se.

O fato gerador é aquele momento pelo qual, em decorrência de ato ou omissão da empresa, o credor tem, a partir daí, o nascimento do seu direito a perseguir o seu crédito, antes mesmo de qualquer ajuizamento judicial para cobrança.

O que, nos casos em que o devedor seja empresa em situação de Recuperação Judicial, transmitirá sua efetiva cobrança aos autos deste trâmite, através de habilitação pertinente, o que garantirá ao próprio titular do crédito a segurança de estar arrolado na relação de credores.

Quando, por outro lado, existe o entendimento de que a data para o marco inicial da cobrança seja a data de julgamento da sentença declaratória do direito, ou seja, leva-se em conta, para caracterizar o direito do credor a receber o valor, o momento da sentença que declarou que o valor é devido.

Tal posicionamento é deveras controvertido, uma vez que, além de não considerar a literalidade da lei, acaba por transferir a data em que o credor, de forma concreta, teve seu direito a receber o crédito originado, para momento em que foi declarado por sentença direito que já é existente.

Essa diferenciação tem importante papel, uma vez que, a partir data em que se considerar o marco inicial para cobrança do direito do credor, é que se verificará a possibilidade de inclusão do crédito devido junto à Recuperação Judicial como sendo concursal.

Explica-se: os créditos advindos até a data de ajuizamento do pedido recuperacional serão habilitados e pagos em conformidade com as disposições que constarem no Plano de pagamento da Recuperação Judicial, sendo os denominados créditos concursais. Já os créditos cuja data de constituição seja posterior ao momento do ajuizamento da Recuperação Judicial, poderão ser pagos ou cobrados de imediato, sendo chamados de extraconcursais.

Assim, deve-se observar que, o julgador ao considerar a literalidade do artigo 49, da Lei de Recuperação Judicial e Falências, deveria aplicar a data do fato gerador como marco inicial do direito à cobrança nos autos da Recuperação Judicial,

Diante de todo o exposto, o que se conclui é que a importância da configuração do marco para delimitação da cobrança do crédito representará a caracterização da concursalidade, ou não, da dívida e consequente habilitação do valor a ser cobrado na Recuperação Judicial, ou em demandas apartadas.

Tal situação, a depender de como restar definida, certamente terá significativos reflexos tanto para os credores, como para as empresas em Recuperação Judicial, de maneira que se aguarda com anseio o resultado do julgamento do Tema 1051, instaurado para dirimir as divergências existentes pelos julgadores quanto ao assunto, suspendendo-se os processos em trâmite cuja matéria verse sobre o presente cerne.

O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca à inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e avaliação de eventuais casos concretos de seus clientes e parceiros acerca da matéria atinente, eis que se trata de tema extenso que poderá trazer consigo peculiaridades específicas em cada caso concreto.

Paula Bortoli de Souza

Especialista em Direito Civil e Processual Civil

 

 

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm

[2] Cerezatti, Sheila C. Neder; Maffioletti, Emanuelle Urbano; Fotografias de uma Década da Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: Almedina, 2015, p. 38.


Cadastre na nossa NEWSLETTER e recebe notícias em primeira mão.