A ESSENCIABILIDADE DOS BENS NA RECUPERAÇÃO JUDICIA

09/09/2020

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O Escritório Crippa Rey Advogados, vem muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, atento à importância do processo de Recuperação Judicial para as empresas que passam por dificuldades econômico-financeiras, esclarecer acerca da essencialidade dos bens dentro do procedimento e a importância da manutenção destes na posse da sociedade.

            Primeiramente, importante ressaltar que o processo de Recuperação Judicial é determinado pela Lei de Falências e Recuperação de Empresa[1], a qual estabelece diretrizes preservacionistas, objetivando a conservação da empresa e convencionando meios para a proteção das atividades produtivas e, consequentemente, dos trabalhadores e da fonte geradora de riquezas.

            Assim, no intuito de garantir a continuidade das atividades empresariais, estipulou-se a existência dos bens essenciais, ou seja, os bens que compõem a sociedade e são utilizados para o desenvolvimento de suas funções. Tais bens denotam de determinada importância, tendo em vista serem necessários para alcançar a Recuperação Judicial em si e afastar o risco de falência.

            Nesse sentido, é entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça que deve ser auferida a essencialidade dos bens da recuperanda e que eventuais atos de constrição ou de alienação, destinados à satisfação de créditos fiscais, devem ser submetidos ao Juízo da recuperação judicial para que esse possa exercer o respectivo controle, avaliando a essencialidade do bem envolvido à atividade empresarial e, por conseguinte, ao processo de soerguimento[2].

Desse modo, imperioso definir que a essencialidade dos bens, no processo de Recuperação Judicial, será avaliada pelo juízo de acordo com a importância de caba bem ao regular desenvolvimento da atividade da empresa recuperanda.

Resta evidente, portanto, a necessidade de que exista certa proteção dos bens essenciais da empresa de ataques dos credores, tendo em vista que a indisponibilidade destes pode abalar o equilíbrio econômico da sociedade, no decurso da recuperação da empresa.

Assim, dentro do ordenamento jurídico existe a proteção dos bens essenciais, considerando sempre o princípio de preservação da empresa, todavia é importante tratar do paradoxo, que existe dentro do processo de Recuperação Judicial, entre a proteção dos bens essenciais e a efetivação dos direitos dos credores.

Essa dicotomia existe, pois, de acordo com a Lei de Falências e Recuperação, o crédito fiduciário não estaria sujeito à Recuperação Judicial (Art. 49, §3º[3]), entretanto, apesar do credor ter resguardado o seu direito de proprietário fiduciário, este não poderá utilizar da sua garantia durante o stay period, ou prazo de blindagem.

            Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça tem estabelecido que o credor titular da posição de proprietário fiduciário ou detentos de reserva de domínio de bens móveis ou imóveis não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 49,§3º), ressalvados os casos em que os bens gravados por garantia de alienação fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade recuperanda[4].

            Nessa perspectiva, o bem não pode ter seu uso ou sua posse restringida antes que haja uma avaliação do juízo acerca da essencialidade deste dentro da atividade empresarial exercida, ou seja, mesmo que haja restrição, garantia por alienação fiduciária, o bem poderá ser mantido à empresa, tendo em vista que o objetivo da Recuperação Judicial é garantir a proteção do princípio da preservação da empresa e que a mesma possa perpassar a crise econômico-financeira e manter suas atividades.

Outrossim, o referido período de suspensão (stay period), conforme determina a norma, é uma pausa momentânea das ações e execuções (Art. 6º, §4º[5]), permitindo que o devedor consiga negociar com seus credores, por meio da elaboração de Plano de Recuperação Judicial, e, ao mesmo tempo, mantenha o patrimônio empresarial, cumprindo sua finalidade até o fim do período de suspensão, para então voltar a servir de garantidor do crédito.

            Isto posto, resta a conclusão de que o art. 49, § 3º da Lei de Falência e Recuperação deve ser compreendido de forma equilibrada, entre o exercício do direito do credor fiduciário e a preservação da empresa, estando qualquer ativo essencial, de bem capital ou não, assegurado durante o stay period.

Sendo assim, resta evidente que, em se tratando de bens imprescindíveis para o desenvolvimento da atividade empresarial da recuperanda, é necessária a manutenção da posse do bem essencial em prol da continuidade do processo da Recuperação Judicial e do soerguimento da sociedade em crise.

 

[1] Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.101%2C%20DE%209%20DE%20FEVEREIRO%20DE%202005.&text=Regula%20a%20recupera%C3%A7%C3%A3o%20judicial%2C%20a,empres%C3%A1rio%20e%20da%20sociedade%20empres%C3%A1ria.

[2] AgInt no CC 169.405/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/08/2020, DJe 21/08/2020

[3] “Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(…)

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

[4] AgInt no AgInt no AgInt no Conflito de Competência nº 149.561/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão.

[5] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(…)

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.


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