A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E A RELATIVIZAÇÃO DESTE INSTITUTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

09/10/2020

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O Escritório Crippa Rey Advogados SS, vem muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações legislativas e regulamentares, apresentar o ARTIGO sobre a impenhorabilidade do bem de família e a relativização deste instituto jurídico, conforme se esclarece abaixo:

O Código de Processo Civil determina que, o patrimônio (bens presentes ou futuros) do devedor poderá ser utilizado para o cumprimento de obrigações inadimplidas, salvo as restrições impostas pela lei[1]. Salienta-se que o ordenamento jurídico brasileiro adota disposições, levando-se em consideração a proteção ao direito do credor de ver adimplida a sua dívida, assim como o princípio da menor onerosidade ao devedor.

Entretanto, não são todos os bens passíveis à penhora, estando vedado pelo Código de Processo Civil a execução daqueles considerados inalienáveis ou impenhoráveis, ou seja, os indicados no artigo 833 do referido Código, assim como em leis extravagantes[2]. Nesse momento, abordar-se-á uma dessas exceções prevista tanto na Lei Processual Civil[3], como na Lei nº 8.009/90[4], qual seja, a impenhorabilidade do bem de família.

O bem de família é aquele imóvel urbano ou rural, no qual há formação de uma residência, com a finalidade de moradia pela entidade familiar, seja ela constituída através do casamento, união estável, entidade monoparental, etc. Quer-se dizer com isso que o bem de família é um direito – que não se confunde com a propriedade em si – e é amplamente protegido, sendo uma ferramenta de proteção ao direito fundamental da moradia previsto pela Constituição Federal.

O artigo 1º da Lei nº 8.009/90, determina que o imóvel residencial é impenhorável, não podendo ser objeto para a satisfação de qualquer tipo de dívida, seja ela fiscal, previdenciária, civil ou de qualquer outra natureza. Tal impenhorabilidade abarca a construção do imóvel, as plantações, benfeitorias e equipamentos. Já o Código de Processo Civil define que são impenhoráveis todos aqueles móveis pertencentes à residência do devedor, excluindo-se os de valor vultuoso.

Assim, compreende-se que não é só o imóvel considerado bem de família que é impenhorável, mas também tudo que nele se encontra e pertence.

Contudo, a Terceira e a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiram sobre a possibilidade da penhora do bem de família dado em garantia fiduciária. Com isso, tivemos a relativização desse instituto, na medida em que foi entendido pelos Ministros que o bem de família dado em garantia fiduciária, voluntariamente, afasta essa proteção.

Ante esse entendimento, pode-se afastar a impenhorabilidade desse instituto quando confrontado com o princípio da boa-fé, prevalecendo a vontade livre das partes. Isso porque, quando há composição de um negócio jurídico, com alienação fiduciária, o devedor fiduciante transmite a sua propriedade ao credor fiduciário por ato de disposição de vontade.

A Corte Superior tem entendido, em alguns casos, pela validade da cláusula contratual da alienação fiduciária, prevista em contrato. Assim, importante registrar que esse instituto é analisado de forma casuística, isto é, levando-se em consideração as particularidades do caso concreto.

Analisando alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que a proteção dada ao bem de família não pode ensejar na sua inalienabilidade, ou seja, é possível que o proprietário do bem o utilize para garantir eventual dívida, alienando-o fiduciariamente. Todavia, estando o devedor fiduciante ciente dos termos contratuais e da garantia ofertada, não há como afastar a validade do acordo de vontades quando da efetivação do negócio jurídico.

Importante salientar que a concretização da propriedade fiduciária em benefício do credor, com a alteração consolidada da propriedade no registro imobiliário, deve obedecer aos requisitos legais da Lei nº 9.514/97, para que tenha efeitos no mundo jurídico, como por exemplo, a notificação do devedor para purgar a mora através do competente Cartório de Registro de Imóveis competente, em que situado o imóvel.

Por fim, registra-se que o princípio da boa-fé contratual deve estar presente em todas as pactuações e a sua evidente violação importa na relativização do instituto da impenhorabilidade do bem de família.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E NULIDADE DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. IMÓVEL INDICADO COMO GARANTIA DE CONTRATO DE MÚTUO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PROTEÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. DESCABIMENTO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REQUERIDA POR PESSOA JURÍDICA DIVERSA DO CREDOR FIDUCIÁRIO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. NULIDADE RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR. 1. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada (AgRg nos EREsp 888.654/ES, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 14.03.2011, DJe 18.03.2011). 2. Nada obstante, à luz da jurisprudência dominante das Turmas de Direito Privado: (a) a proteção conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/90 não importa em sua inalienabilidade, revelando-se possível a disposição do imóvel pelo proprietário, inclusive no âmbito de alienação fiduciária; e (b) a utilização abusiva de tal direito, com evidente violação do princípio da boa-fé objetiva, não deve ser tolerada, afastando-se o benefício conferido ao titular que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico. […] 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1595832/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/10/2019, DJe 04/02/2020 – grifado)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme jurisprudência abaixo colacionada, entendeu ser válida a cláusula contratual que trata sobre a penhorabilidade do bem de família, com o objetivo de impedir o comportamento contraditório. Explica-se: a contradição está caracterizada quando o devedor dá em garantia fiduciária um bem que, sabidamente, é considerado de família.

Diante disso e com base no princípio da boa-fé contratual, a Corte Superior passou a reconhecer a possibilidade de penhora do bem família, analisando cada caso concreto e as suas peculiaridades.

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. 1. Nos termos da orientação firmada nos autos do REsp. 1.559.348/DF, com o propósito de vedar a ocorrência de comportamento contraditório, prestigiando o princípio da boa-fé contratual, este Superior Tribunal de Justiça passou a reconhecer a possibilidade de penhora incidente sobre bem de família oferecido por pessoa física como garantia em contrato de mútuo em benefício de pessoa jurídica. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp 1507594/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 01/04/2020)

Concluiu-se então, que o bem de família é considerado um direito, assegurado constitucionalmente e sendo um instrumento utilizado para proteger o direito fundamental à moradia. O objetivo deste instituto é proteger a entidade familiar como um todo, independentemente, da forma como constituída.

Nesse sentido, conforme exposto, apesar do imóvel considerado bem de família ser impenhorável, há entendimento diverso, no sentido de que essa inalienabilidade poderá ser relativizada, quando este bem é dado em garantia fiduciária, estando o devedor ciente da sua condição e das cláusulas contratuais.

O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca a inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e resolução de dúvidas sobre a matéria.

 

[1] Artigo 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

[2] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: volume único. 5.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. fl.1059.

[3] Artigo 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.

Art. 833. São impenhoráveis:

[…]

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

[4] Art. 1º da Lei nº 8009/90. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.


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