Tendo em vista a atual pandemia, decorrente do enfrentamento ao vírus Covid-19, bem como as sucessivas publicações de decretos determinando o não funcionamento de diversos setores produtivos do nosso país, vimos esclarecer aos senhores, sobre as medidas possíveis quanto a manutenção das atividades empresariais, especificamente tratando dos cumprimentos de tributos federais para a não incidência de conduta dolosa no âmbito criminal.
Neste viés, trazemos a possibilidade de ajuizamento de demanda em face a Fazenda Nacional, a fim de buscar autorização para se postergar o pagamento dos tributos federais incidentes sobre a atividade empresarial, objetivando a subsistência das empresas que, já estão sofrendo em demasia nesse momento adverso.
Conforme, anteriormente passado aos senhores, foram tomadas medidas de cunho tributário, com o intuito de prorrogação do vencimento dos tributos federais (INSS, FGTS, PIS e COFINS) portaria 132/2020 e para apresentação da DCTF e EFD, instrução normativa 1.932/2020.
No entanto, com o decurso do tempo, há uma discussão em voga, quanto ao aumento dessas prorrogações, passando dos três meses colocados inicialmente, para seis meses, para que os contribuintes possam trabalhar sem a preocupação de caracterização de inadimplência.
Salientamos que, a propositura de demandas nesse sentido é meio de obtenção de prorrogação para os referidos pagamentos, não sendo o pleito para a sua extinção, ou dispensa. O objeto desse pedido é a não caracterização de inadimplência das empresas, a fim de deixar expressa a intensão de adimplemento, para que assim não sejam atribuídas penalidades financeiras, negativação em cadastros, proibição de contratar com o poder públicos, entre outras consequências decorrentes do inadimplemento dos tributos federais.
Dessa maneira, o petitório é pautado na suspensão do pagamento dos tributos federais, em decorrência da pandemia mundial, ensejadora de isolamento social e limitações drásticas de funcionamento de diversos setores.
Partimos do ponto de que, as restrições das atividades foram impostas pela Administração Pública, via decretos, de modo extraordinário, alheio aos provisionamentos financeiros de qualquer seguimento mercadológico, indo de encontro as previsões e fragilizando a higidez das economias empresariais.
Em vista disso, frisamos que os danos financeiros que, fundamentam o pedido de suspensão do pagamento de tributos federais, são decorrentes de ações da Administração Pública, na medida que, ao ser instituído o regime de quarentena em nosso país, traçou-se uma perfeita ocorrência da aplicação da Teoria do Fato do Príncipe.
Em breve síntese, o fato do príncipe é o poder de alteração unilateral de um contrato administrativo, pela Administração Pública, bem como as medidas gerais da Administração, não relacionadas a um dado contrato administrativo, mas que nele têm repercussão provocando desequilíbrio econômico-financeiro.
Portanto, a Teoria do Fato do Príncipe possui como princípio a ideia de que, a Administração Pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados e, caso assim o faça, em regra, surgiria a obrigação de reparação.
Assim, fazendo uma análise de caso, pontuamos a ação proposta por uma empresa contra a União – Fazenda Nacional – com o objetivo de retardar, por três meses, o pagamento dos tributos federais incidentes sobre sua atividade, “como forma de garantir a manutenção da sua própria existência e dos postos de trabalho dos seus mais de cinco mil colaboradores, durante o pico local da pandemia mundial provocada pelo COVID-19”[i].
No julgamento proferido no dia 26 de março de 2020, o juiz federal Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, aplicou a teoria do Fato do Príncipe para autorizar, “excepcionalmente, pelo prazo de três meses, contados de cada vencimento, o diferimento do recolhimento dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), como forma daquela empregadora GARANTIR A MANUTENÇÃO integral dos mais de CINCO MIL postos de trabalho narrados na inicial”.
Na referida decisão destacou o magistrado:
“[…]como causa de pedir, a ação proposta oferece três fatos muito peculiares e irrefutáveis, a saber: 1º) a abrupta e inesperada eclosão do estado de calamidade sanitária que vive o Brasil e o mundo por conta do COVID19; 2º) a origem das limitações financeiras que assolam a parte autora ser as medidas restritivas impostas coletivamente pela própria Administração (que não eram passíveis de previsão até poucos dias, dentro de um juízo de normalidade empresarial); 3º) os notórios efeitos práticos que a quarentena horizontal já tem gerado sobre a atividade econômica do País, das empresas e das pessoas. Em outras palavras, a emblemática questão humana e social que serve de pano de fundo à pretensão aqui deduzida autoriza, em caráter de extrema exceção (como tem sido a marca do nebuloso quadro de incertezas que estamos vivendo), que este juízo dê maior prestígio à aplicação de regras gerais do Direito Público ao caso em tela, ainda que a decisão a ser tomada irradie seus efeitos indiretos à seara tributária. Até porque, os atos e relações inerentes ao mundo do Direito Tributário não perdem a sua natureza administrativa e, muito menos, deixam de ser regulados pelas normas estruturantes do ramo do Direito Público ao qual pertencem. E, ao tomar como base as noções gerais do Direito Público, aflora a certeza de que, ao menos neste juízo de prelibação, merece ser acolhida a pretensão liminar apresentada. De início, porque ninguém, no juízo da sã consciência, teria coragem para negar que o mundo está atravessando o seu pior momento desde o final da Segunda Guerra. Infelizmente, a pintura fática diária tem se revelado assustadora, desnudando quadros de horror e de incapacidade humana jamais vistos e/ou cogitados seriamente no chamado “período moderno” em que vivemos. Depois, porque, de fato, também não se pode negar que a origem da limitação financeira narrada pela parte autora está calcada em atos e ações deflagrados pela própria Administração Pública (quarentena horizontal). Permitindo, assim, reconhecer, por analogia, a incidência da Teoria do FATO DO PRÍNCIPE no caso em tela.” (grifo nosso).
Dessa forma, vemos como acertado o entendimento da decisão acima, na medida que, ante a existência de lacunas normativas, para o tempo que estamos vivenciando, e, os possíveis desdobramentos em decisões contraditórias, é necessário o amparo judicial para que não ocorram reflexos prejudiciais futuros. Sendo crucial a clara demonstração de boa intenção, boa-fé, das empresas em buscar essa prorrogação para adimplemento futuro, bem como uma análise humana como a proferida.
Ainda, devemos nos atentar para a decisão da criminalização de apropriação indébita tributária, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) do final do ano de 2019, tema já abordado por nós em outro informativo. Momento em que, houve a pacificação da imputação do não pagamento do imposto de ICMS, deixando de ser apenas uma infração tributária, sendo visto como crime, quando da existência de uma fraude (omissão ou alteração de informação), e de má-fé ou vontade de não pagar o imposto. Ou seja, quando aquele que deve pagar o tributo, não o faz, com intensão (dolo) de apropriar-se incide na conduta criminosa.
Partindo desse entendimento, muito embora o ICMS seja imposto estadual, devemos analisar com máxima cautela aplicações de sanções criminais em todos os âmbitos, principalmente no que tange a comprovação da intenção como fato aplicador da pena. Neste caso em específico, o STF entendeu como crime de apropriação indébita tributária, a conduta dolosa de não recolher o tributo, sabendo de sua necessidade, mesmo que haja a declaração do imposto perante o fisco.
Portanto, salientamos que, nesse momento adverso vivido é essencial a proteção de possíveis lesões ao meio empresarial, sendo mister a demonstração de vontade de um trabalho pautado em condutas legais, como o pedido de dilação de prazo para pagamento de tributos aqui trazido.
Em suma, não havendo norma clara que, assegure ao contribuinte o não cumprimento, ou aumento de prazo para cumprimento das obrigações tributárias, para o momento excepcional vivido, se faz necessária à busca de amparo, nos moldes da ação analisada, a fim de que eventual inadimplência não acarrete consequências negativas, inclusive no âmbito penal, com a instauração de investigações, ou possíveis ações penais diversas.
Isto posto, entendemos que, a Teoria aqui explicitada pode e deve ser utilizada como meio de extensão ao entendimento aplicado pelo Excelentíssimo Juiz do Distrito Federal, com intuito de manter a possibilidade de destinação das verbas auferidas pelas empresas a manutenção da sua subsistência, visando a saúde de nossa economia.
Para tanto, o escritório Crippa Rey Advogados está à disposição para esclarecimentos.
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