A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas

17/07/2020

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A Lei de Recuperação de Empresas, em vigor desde o ano de 2005, tem como principal objetivo evitar que empresas com dificuldades financeiras fechem as portas, viabilizando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica[1].

Ressalta-se, por oportuno, que também podem se valor do benefício da Lei de Recuperação Judicial, as micro e pequenas empresas, desde que comprovem o exercício regular da atividade empresária há mais de 2 (dois) anos, bem como apresentem todos os documentos de que trata o artigo 51 e, ainda, preencham os demais requisitos legais disposto no artigo 48, da Lei 11.101/2005. Todavia, por vezes a complexidade do procedimento “comum” e as despesas provenientes do processo de recuperação judicial, acabam desestimulando as empresas de menor porte, o que, no Capítulo III, Seção V, no artigo 70[2], da Lei 11.101/2005, se otimiza, oportunizando aos pequenos empresários a utilização das benesses legais da LREF.

Embora ainda pouco utilizado, o procedimento especial disposto nos artigos 70, 71[3] e 72[4] da Lei supramencionada, faculta às micro e pequenas empresas a possibilidade de ingressarem com pedido de recuperação judicial especial, desde que manifestem sua pretensão já no ajuizamento do pedido.

A opção pela apresentação de plano especial de recuperação judicial, contudo, implicará que a empresa observe as balizas estabelecidas no artigo 71 da Lei 11.101/2005, o qual, em síntese, determina que a estratégia de pagamento dos credores deverá:

  1. abranger todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3° e 4° do art. 49[5];
  1. prever o parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;
  1. estabelecer o pagamento da primeira parcela em até 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial; e,
  1. prever a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Ademais, em optando a empresa pela adoção do procedimento especial de recuperação judicial, não haverá a convocação da assembleia-geral de credores para deliberação acerca do plano apresentado, concedendo o juízo à recuperação judicial à empresa, desde que não haja objeções de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes, computados na forma prevista na lei.

Apesar de, notoriamente, o procedimento especial conferir maior facilidade, rapidez e ser menos oneroso à empresa, parte da doutrina entende que o procedimento especial poderia ser, de certa forma, contraproducente, diante da forma de aprovação do plano especial, pois, no procedimento comum, as objeções apresentadas pelos credores poderão ser afastadas em assembleia-geral de credores, ao passo que, no procedimento especial, a apresentação de objeções será computada para fins de reprovação do plano ensejando a decretação da falência da empresa.

Entretanto, há de se destacar que não se pode admitir que a apresentação de objeções, por diversas vezes “vazias”, dite o rumo do processo de soerguimento das micro e pequenas empresas, pois, notadamente contrárias a todos os preceitos estabelecidos pela Lei de Recuperação de Empresas.

Neste sentido, pode-se fazer uma analogia ao voto abusivo em assembleia geral, entendendo-se como abusiva também a objeção interposta por determinado credor que se apresentar em descompasso com o critério da razoabilidade, carente de fundamentos e/ou que se apoie em argumentos dissociados aos fins econômicos e sociais que sustentam a recuperação judicial.

O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que a preservação da empresa viável deverá se sobrepor ao interesse particular de um ou de poucos credores divergentes:

“(…) De fato, a mantença de empresa ainda recuperável deve-se sobrepor aos interesses de um ou poucos credores divergentes, ainda mais quando sem amparo de fundamento plausível, deixando a realidade se limitar à fria análise de um quórum alternativo, com critério complexo de funcionamento, em detrimento da efetiva possibilidade de recuperação da empresa e, pior, com prejuízos aos demais credores favoráveis ao plano. (…)”

(Recurso Especial 1.337.989/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 04/06/2018)

“(…) O aresto impugnado, entretanto, concluiu que no caso dos autos, em que há apenas dois credores a compor uma das classes, não é possível que seja deixado ao livre arbítrio dessa minoria o destino da empresa em recuperação judicial, devendo prevalecer os princípios da preservação da empresa e de sua função social. Acrescentou, ainda, com base no conjunto probatórios dos autos, que o voto de rejeição do plano pelos referidos credores teria sido abusivo, tendo em vista a ausência de motivos efetivamente justificantes para a recusa. Tais pontos, aptos, por si sós, a sustentarem o juízo emitido, não foram rebatidos nas razões recursais, aplicando-se, por analogia, o entendimento da referida súmula. (…)”

(Recurso Especial n. 1.724.056/SP, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, decisão monocrática em 23/03/2018, DJe 03/04/2018)

Dessa forma, a conduta abusiva de um credor, ou de uma minoria, apoiado em argumentos carentes de justificativa razoável para tanto, não poderá prevalecer sobre o princípio norteador da Lei 11.101/2005, qual seja, a preservação da empresa, devendo, a mera objeção, desacompanhada de argumentos e fundamentos, deverá ser afastada pelo juízo recuperacional, devendo ser declarado o plano especial homologado e, consequentemente, concedendo-se a recuperação judicial à empresa.

Portanto, o procedimento especial traz maior simplicidade, celeridade e economia ao processo de recuperação, permitindo que as micro e pequenas empresas possam se valer deste para perseguir sua recuperação, oportunizando a continuidade da operação enquanto negociam com seus credores, sem que haja o risco iminente de terem suas dívidas executadas e/ou seus bens penhorados, permitindo a manutenção de empregos, a movimentação da economia e a saúde financeira de fornecedores e parceiros.

Por fim, urge destacar que a opção por este procedimento deve ser cuidadosamente estudada pela empresa em conjunto com seu procurador, pois, diante das balizas impostas pela lei para a apresentação do plano especial, no caso da empresa possuir um passivo demasiadamente elevado, a pretensão de pagamento nos moldes do procedimento especial, por vezes não mostrará o melhor caminho a ser adotado, devendo, portanto, se socorrer no procedimento comum de recuperação judicial.

O escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para demais orientações relativas ao tema, bem como para adotar as medidas necessárias com o intuito de auxiliar na reestruturação da empresa, visando sempre a preservação dos negócios, os direitos dos empresários e as sociedades empresárias em geral.

 

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[1] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[2] Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1° desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.

§ 1° As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

§ 2° Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.

[3] Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

I – abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3° e 4° do art. 49;

II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;

III ° preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

IV ° estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

[4] Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei.

Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55, de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 83, computados na forma do art. 45, todos desta Lei.

[5] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(…)

§ 3° Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4° do art. 6° desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4° Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.


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