Engajados em dirimir o maior número de dúvidas possíveis, bem como no sentido de auxiliar nossos clientes a atravessar o período conturbado causado pelo rápido alastramento do COVID-19 no Brasil, o escritório Crippa Rey Advogados vem prestar alguns esclarecimentos e informações acerca da possibilidade de revisão de aluguéis, tendo em vista a aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, como se verá a seguir.
Atualmente, vive-se uma pandemia causada pelo novo Coronavírus (COVID-19), reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que ensejou na decretação de situação de emergência nacional. Em diversos lugares foram estabelecidas medidas urgentes, com a finalidade de combater a evolução do vírus.
Os decretos municipais e estaduais, entre outras determinações, ordenaram o fechamento de estabelecimentos comerciais, como lojas, bares e shoppings centers, sob pena de sanções administrativas, cíveis e criminais, como por exemplo a cominação de multa, interdição parcial ou total da atividade e a cassação de alvará de localização e funcionamento.
Assim, considerando o atual cenário, sabe-se que a porcentagem de inadimplemento de contratos, principalmente os de locação, e obrigações entre fornecedores e empresas vem crescendo, porquanto segundo já referido, estas tiveram, por determinação, que suspender suas atividades e fechar suas portas.
Dessa forma, nesse momento, utiliza-se de dois institutos do Direito Civil para salvaguardar os direitos daqueles que se encontram em uma situação de crise, sem a possibilidade de adimplir o aluguel do local onde está situado o estabelecimento comercial. Tais teorias estão sendo utilizadas nas ações que visam a redução e até a suspensão do pagamento do aluguel, entabulado em Contrato de Locação.
São estas, as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva.
As relações contratuais se pautam pelo princípio da boa-fé – desde as negociações iniciais até a resolução contratual – sendo ela subjetiva ou objetiva. Em síntese, a boa-fé subjetiva é aquela que está internamente ligada aos contratantes – consistente nas convicções e crenças internas de cada um. Já a boa-fé objetiva é o dever de agir dos contratantes, pautando-se na honestidade, respeito e probidade.
A lei civil prevê, de forma clara, a obrigação dos contratantes de observarem esse princípio desde o início da contratação até a sua resolução. Vejamos os artigos:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
[…]
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Os contratos, implicitamente, norteiam-se pelo princípio da boa-fé e da pacta sunt servanda, devendo ser preservada a autonomia da vontade das partes e o cumprimento integral de tudo aquilo que foi acordado. Porém, de igual forma, os contratos são regidos pela cláusula rebus sic standibus, consagrada pela chamada Teoria da Imprevisão.
Nesse sentido, o artigo 317 do Código Civil dispõe que, quando por motivos imprevisíveis, ocorrer evidente desequilíbrio entre o valor da prestação devida e o momento da sua execução, é possível que o Juiz corrija-o assegurando assim o valor real da prestação. Vejamos:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Tal dispositivo traz à baila a teoria da imprevisão que, nas palavras de Flávio Tartuce “[…] consolida a revisão contratual por fato superveniente, diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva.[1] Ou seja, resumindo, essa teoria consiste na possibilidade de revisão ou resolução contratual (forçada) do contrato, quando por um evento imprevisível e extraordinário, restar a prestação contratada extremamente onerosa a uma das partes.
Veja-se que a pandemia pelo Coronavírus (COVID-19) é vista como algo imprevisível e extraordinário, porquanto nunca se imaginou a possibilidade de ocorrência de um cenário que afetasse o País inteiro, fazendo com que lojas, indústrias, shoppings centers e o comércio em geral fechasse.
Assim, a teoria da imprevisão tem a finalidade de atenuar e proteger as partes, quando há alteração da realidade existente no momento da contratação, a obrigatoriedade do cumprimento das cláusulas contratuais (“pacta sunt servanda”), principalmente no que tange ao pagamento.[2]
Contudo, a doutrina majoritária entende que a teoria da imprevisão surtirá efeitos quando ligada a teoria da onerosidade excessiva, prevista no artigo 478 do Código Civil[3]. Senão vejamos:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
A teoria da onerosidade excessiva é caracterizada quando ocorre um desequilíbrio na relação contratual, por um fato imprevisível, acarretando um ônus excessivo a uma das partes – normalmente a parte mais vulnerável – fazendo com que esta fique impossibilitada de cumprir com a obrigação contratada. Sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que:
Deve-se entender que o fator onerosidade, a fundamentar a revisão ou mesmo a resolução do contrato, não necessita da prova de que uma das partes auferiu vantagens, bastando a prova do prejuízo e do desequilíbrio negocial. Nesse sentido, foi aprovado na IV Jornada de Direito Civil o Enunciado n. 365 CJF/STJ, que prevê que “a extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena”. Por fim, entra em cena o fator imprevisibilidade, que tanto suscita dúvidas e debates. No presente capítulo foi demonstrado que, para a aplicação da revisão por imprevisibilidade, há a necessidade de comprovação dessas alterações da realidade, ao lado da ocorrência de um fato imprevisível e/ou extraordinário, sem os quais não há como invocá-la. O pressuposto é, portanto, que o contrato deve ser cumprido enquanto se conservarem imutáveis as condições externas. Havendo alterações das circunstâncias, modifica-se a execução, tentando restabelecer-se o status quo ante.[4]
Assim, para que sejam aplicadas as teorias, é necessária a presença de quatro requisitos, quais sejam:
Por fim, salienta-se que para a aplicação dessa teoria é necessário que os requisitos estejam todos presentes de forma cumulativa.
A seguir, trazemos algumas interessantes decisões judiciais proferidas ante a atual conjuntura, demonstrando como vem sendo aplicadas as teorias acima especificadas pelos Tribunais.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[5] proferiu decisão acerca de uma ação de revisão contratual, na qual a parte Autora é locatária de um imóvel da parte Ré que, em razão da pandemia pelo Corona vírus (COVID-19) e da situação de emergência, foi determinado o fechamento dos shoppings centers em todo o Estado de São Paulo.
Diante disso, a parte Autora restou intensamente prejudicada com a queda do seu faturamento e a interrupção da atividade empresarial, qual seja, o comércio de vestuário. Com isso, ajuizou a ação e requereu, em caráter de urgência, a concessão da tutela provisória, com o intuito de autorizar o pagamento proporcional do aluguel mensal referente ao mês de março, a qual funcionou apenas por alguns dias. Assim como, requereu a suspensão da exigibilidade do aluguel mensal enquanto vigorar o Decreto de fechamento do comércio.
Salienta-se que tais pedidos foram baseados nas teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, uma vez que por motivos imprevisíveis, a parte Autora restou prejudicada, sem a possibilidade de exercer a sua atividade comercial, tendo que arcar com uma prestação que se tornou excessivamente onerosa.
O Juízo da 32ª Vara Cível do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo, diante do preenchimento dos requisitos das teorias, bem como a tutela, concedeu a tutela de urgência, autorizando, de forma excepcional, o pagamento do aluguel do mês de março em valor proporcional ao dias de funcionamento, bem como determinou a suspensão do pagamento dos alugueres do imóvel enquanto perdurar o período da quarentena estabelecido pelo Decreto Municipal.
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[6] deferiu, em parte, a tutela de urgência requerida pela parte Autora, que atua no ramo do comércio varejista de eletroeletrônicos e móveis, suspendendo a exigibilidade de metade do aluguel devido pela parte Autora. A Demandante ficou obrigada a pagar pelo prédio locado, o correspondente à metade do valor atualmente vigente.
Ressalta-se que o Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de São Carlos/SP, onde o processo está tramitando definiu que tal determinação irá perdurar enquanto durar o impedimento da abertura da loja física do prédio alugado. Salienta-se que o Juiz se utilizou das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva para fundamentar sua decisão.
Nesse caso, a Autora alegou estar de portas fechadas desde 20/03/2020, em razão da pandemia e do Decreto nº 64.881/2020, do Estado de São Paulo, que determinou a suspensão de todas as atividades não essenciais, atingindo diretamente a Demandante. Afirmou ainda, que por um motivo imprevisível, inevitável e alheio à sua vontade, a Execução do contrato restou impossibilitada.
De outro modo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[7] indeferiu os pedidos do Autor, atuante no comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios, de suspensão da exigibilidade de pagamento das obrigações do Contrato de Locação, incluindo-se o aluguel, condomínio e o fundo de promoção e propaganda.
O Juiz da 25ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro fundamentou sua decisão, afirmando que embora o comércio tenha sido fechado, este já voltara a funcionar rapidamente. Além disso, afirmou que por ser o Autor integrante de um conjunto de lojas, mantém suas atividades em shoppings centers de diversas cidades.
Por fim, afirmou que a parte Autora não pode querer antecipar os efeitos da crise financeira, bem como que a teoria da imprevisão deve ser alegada em ação fundada na impossibilidade do locatário cumprir com a sua obrigação, tendo em vista que esta se tornou excessivamente onerosa.
Salienta-se que decisões nesse sentido estão sendo proferidas em todos os Estados, com diversos entendimentos e conclusões. Da análise dessas decisões, os Juízes levam em consideração a atual situação do Estado, da empresa solicitante e dos riscos que o deferimento ou não pode acarretar, quer-se dizer com isso, que esta análise é realizada de forma subjetiva por cada Magistrado.
A partir disso, pode-se concluir que a decisão, favorável ou não, àquele que busca o Judiciário para solucionar o impasse quanto ao aluguel de imóvel comercial, irá depender de cada caso concreto. Certo é que, os diversificados entendimentos que estão surgindo demonstram o quão emergencial se faz a aprovação de um regramento que venha para conferir maior segurança jurídica acerca dessa importante questão.
A título exemplificativo, já se tem os Projetos de Lei nº 1.179/2020[8] e nº 1.397/2020[9], que seguem em tramitação e vêm trazer disposições emergenciais e transitórias, modificando, temporariamente, normas do Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Locações, abordados recentemente em informativo próprio, intitulado sob “GESTÃO DE CRISE NO ÂMBITO PRIVADO EM TEMPOS DE COVID-19: As possíveis leis transitórias e as orientações para minorar o desequilíbrio patrimonial”.
O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca a inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e avaliação de eventuais casos concretos de seus clientes e parceiros acerca da matéria atinente à revisão ou quebra de contratos relacionados a aluguéis de imóveis ou quaisquer outros que se façam necessários.
[1] TARTUCE. Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. v.2. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.210.
[2] AZEVEDO. Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral dos contratos. 4.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p.43.
[3] TARTUCE. Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. v.2. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.211.
[4] TARTUCE. Flávio. Direito Civil: Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v.3. 14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.269.
[5] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Foro Central Cível. Comarca de São Paulo. 32º Vara Cível. Processo nº 1029384-84.2020.8.26.0100.
[6] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Comarca de São Carlos. Foro de São Carlos. 3ª Vara Cível. Processo nº 1003243-85.2020.8.26.0566.
[7] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Comarca da Capital. 25ª Vara Cível. Processo nº 0062410-91.2020.8.19.0001.
[8] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2247564
[9] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242664
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