A posse e a propriedade são direitos fundamentais protegidos constitucionalmente que assumem um importante papel na sociedade, no sentido de conferir um patrimônio mínimo aos indivíduos.
O instituto jurídico da posse é uma situação fática que possui tutela estatal, sendo considerada como o exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade, como usar, gozar, dispor e reaver o bem, nos termos dos arts. 1.196 e 1.228 do Código Civil. Assim, trata-se de um fenômeno fático-social totalmente autônomo e independente do direito de propriedade, sendo, pois, digno de proteção.
Por sua vez, a propriedade consiste em um direito real de utilizar de forma plena o bem, e de reavê-lo de quem, injustamente, o detenha, conforme regra insculpida no art. 1.228 do diploma civil, desde que observada a função social da propriedade, no sentido da necessidade de atendimento dos interesses da coletividade.
Por se tratarem de institutos jurídicos distintos, com tutelas estatais específicas, é possível a existência da posse de forma dissociada da propriedade de um bem. Logo, podem existir as situações de se ter a posse sem a propriedade, ou se ter a propriedade sem a posse, já que esta, por ser autônoma, não se confunde com aquela.
Dentro desse espírito protetivo distinto, pode ocorrer a disputa entre o proprietário e o possuidor de um mesmo bem, razão pela qual o ordenamento jurídico criou, para tanto, ações próprias a serem manejadas perante o Poder Judiciário, na hipótese da configuração de algum litígio no caso concreto. Assim, existem as Ações Possessórias, visando a proteção da posse, e as Ações Petitórias, como a de imissão na posse, com o condão de proteger a propriedade.
Com relação às Ações Possessórias, podem ser citadas a ação de reintegração de posse, no caso de esbulho possessório; a ação de manutenção da posse, na hipótese de ocorrência da turbação; e a ação de interdito proibitório, quando houver uma ameaça de perda da posse sobre o bem.
Quanto às Ações Petitórias, cujo principal objetivo é a tutela da propriedade, merece destaque especial a ação de imissão na posse, a qual pode ser utilizada quando existente a propriedade desprovida de posse anterior, visando, pois, a aquisição da posse nunca antes obtida.
Em recente decisão, o STJ reconheceu a vedação do ajuizamento da ação de imissão na posse na pendência de ação possessória, haja vista a impossibilidade de discussão sobre a propriedade na pendência de litígio sobre a posse do bem, em observância às regras trazidas nos art. 557 do CPC e art. 1.210, § 2º, do Código Civil, que vedam a exceção do domínio quando pendente a ação possessória.
Essa inviabilidade de debate concomitante se justifica em razão da existência de uma separação entre os juízos possessório e petitório, especialmente pelo fato de a posse ser um direito autônomo, que demanda de uma tutela estatal específica, de modo que o possuidor merece ter o seu direito resguardado, independente de ser proprietário ou não do bem.
Portanto, havendo uma ação possessória em curso, não é cabível o ajuizamento de uma ação petitória pelo proprietário do bem visando reivindicá-lo, como a de imissão na posse, haja vista a impossibilidade de discussão a respeito da propriedade durante o transcurso do lapso temporal do trâmite processual da demanda possessória.
Importante ressaltar, por fim, que essa vedação da exceção e defesa temporária do domínio não deve ser compreendida como uma limitação aos direitos constitucionais de ação e de propriedade, considerando que estes (assim como nenhum outro) direitos não se revestem de caráter absoluto, especialmente pelo dever de observância da função social. Além disso, o não debate acerca do direito de propriedade representa apenas uma condição suspensiva do direito de ação fundada na propriedade, o que nada impede que seja discutido em momento posterior.
Estas são as principais considerações acerca do tema envolvendo as ações relacionadas ao exercício da posse e do direito de propriedade, a luz de recente decisão proferida pelo STJ, e o escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para as demais orientações jurídicas.
Porto Alegre, 13 de setembro de 2021.
Karina Larsen da Cunha – OAB/RS 81.277
Pós-graduada e especialista em Direito Civil
Advogada do Departamento Cível
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