Diante da disponibilização pelo STJ da edição 174 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo III, traremos os principais destaques e entendimentos atualizados [1].
A execução fiscal é uma ação proposta pela Fazenda Pública para cobrar do devedor créditos já inscritos em dívida ativa. A forma típica de defesa do executado nessas ações é por meio de embargos à execução fiscal, e no art. 9 da Lei de Execução Fiscal a garantia em juízo que o devedor pode oferecer pode ser de quatro tipos: depósito em dinheiro, fiança bancária, nomeação de bens à penhora ou seguro garantia.
Para o STJ, o oferecimento desta garantia não tem o condão de extinguir a justa causa para a persecução penal, podendo assim, em razão da independência das esferas cível, administrativa e penal, ocorrer o oferecimento da denúncia mesmo com a suspensão da execução fiscal e a existência de garantia do pagamento no crédito tributário.
O delito referido ocorre quando o agente se recusa ou deixa de entregar a nota fiscal (ou equivalente) relativa à venda de mercadoria/ prestação de serviço realizada ou quando entrega nota fiscal/equivalente em desacordo. À exceção dos demais crimes do art. 1 da Lei 8137, é um crime formal que se consuma com o fato de “negar/deixar de fornecer”. Assim, a ausência de constituição definitiva do crédito tributário (já que pendente recurso administrativo) não é fundamento para pedido de trancamento do inquérito policial por falta de justa causa, dada a independência das esferas administrativa e penal.
Todos os crimes do art. 2 são considerados formais, não sendo exigível um resultado naturalístico para sua consumação. Sendo assim, mesmo com o procedimento administrativo fiscal de constituição do crédito tributário sem estar concluído, os crimes do art. 2 podem ser apurados e processados. Importante não confundir com o caso dos crimes materiais contra a ordem tributária, como os previstos no art. 1 incisos I a IV da Lei 8137/90, que não são tipificados antes do lançamento definitivo do tributo.
Cabe, nesse caso, diferenciar a conduta de apropriação indébita TRIBUTÁRIA da PREVIDENCIÁRIA (prevista no art. 168-A do CP). No caso da apropriação indébita tributária, o agente deixa de repassar quaisquer outros tributos – que não contribuições previdenciárias – recolhidas dos contribuintes. Não é necessário que haja intenção de causar prejuízo aos cofres públicos. Basta o dolo genérico de deixar de recolher os valores devidos ao fisco de forma livre e consciente.
É necessária a contumácia com dolo de apropriação para caracterizar a conduta. Segundo entendimento do STF e do STJ se ocorreu apenas uma vez, um mês, não restaria configurado o crime por não ser de forma reiterada, sendo atípica a conduta.
É típica a conduta de deixar de repassar ao fisco o tributo descontado ou cobrado, que não integra o patrimônio do sujeito passivo da relação tributária e que, por isso, foi indevidamente apropriado em detrimento dos cofres públicos. Não havendo o repasse ao fisco, mesmo que o sujeito passivo da relação tributária “documente” que descontou ou cobrou o tributo, o crime de apropriação indébita tributária resta consumado. Ainda que o tributo tenha sido devidamente escriturado, ou seja, conste nos livros contábeis/fiscais, se não há o pagamento ao fisco, o crime se configura. Da mesma forma, ainda que o sujeito passivo da relação tributária tenha emitido a guia de pagamento do tributo, mas não a tenha pago, haverá a incidência da norma penal.
Por esse motivo é entendimento do STJ que a “clandestinidade” da conduta não interfere na ocorrência do tipo penal.
Havia uma controvérsia em se tratando do mau uso dos recursos que são administrados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, se tal conduta se enquadraria ao tipo penal de estelionato ou ao crime do art. 2, IV da 8137, então restou configurado que se amolda ao último.
Para a configuração do crime de cartel é necessário também que o elemento subjetivo se dirija ao domínio de mercado. É necessária a demonstração de que os acordos, ajustes ou alianças entre os ofertantes tinham por objetivo o domínio de mercado, assim caracterizado por uma posição de força econômica de que goza uma empresa, que lhe permite impedir a manutenção de uma concorrência efetiva no mercado relevante, ao permitir-lhe, em medida considerável, comportar-se de forma independente em relação aos seus concorrentes, clientes e consumidores.
O STJ, vendo que as suas decisões estavam sendo reformadas pelo STF, decidiu alinhar-se à posição do Supremo e passou a também entender que o limite para a aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários e no descaminho subiu realmente para R$ 20 mil.
O tema foi decidido sob a sistemática do recurso repetitivo e fixou-se a seguinte tese:
“Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.”
(STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 - recurso repetitivo).
PORÉM, vale ressaltar que a 1ª turma do STF ainda decide em sentido contrário:
Não é possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários de acordo com o montante definido em parâmetro estabelecido para a propositura judicial de execução fiscal.
STF. 1ª Turma. HC-AgR 144.193-SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020.
Uma diferença importante do entendimento anterior, é que esse parâmetro vale somente aos tributos federais, sendo um valor que a União considera insignificante.
Para os crimes de sonegação fiscal envolvendo tributos estatuais ou municipais, deve ser analisado caso a caso se há lei dispensando a execução fiscal no caso de tributos abaixo de determinado valor.
O escritório Crippa Rey Advogados está sempre atento às discussões atuais e buscando mais conhecimento. Por fim, o escritório fica a disposição para demais esclarecimentos e coloca-se ao dispor para sanar eventuais dúvidas existentes sobre o tema.
Porto Alegre, 06 de setembro de 2021.
Natasha Japur - OAB/RS 98.400
Advogada Criminalista
[1]Os entendimentos foram extraídos de julgados publicados até 18/06/2021
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