As multas tributárias e o projeto de lei que cria "código de defesa do contribuinte" visando os descontos em litígios fiscais

22/11/2022

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I. INTRODUÇÃO

 

Em 08 de novembro de 2022, o Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 foi aprovado na Câmara de Deputados. Em síntese, a referida proposta legislativa, de autoria do Deputado Felipe Rigoni (União-ES), propõe a instituição do denominado “Código de Defesa do Contribuinte” para sistematizar direitos e deveres do contribuinte perante as Fazendas Públicas.

Trata-se de uma proposta legislativa que busca uniformizar procedimentos fiscais e incentiva o bom pagador por meio da redução de multas.

É possível verificar que o projeto de lei visa uma alteração significativa no que tange à aplicação de multas tributárias. Conforme o texto proposto, haverá um desconto regressivo sobre as multas e juros de mora para incentivar os contribuintes a quitar voluntariamente o débito.

Destaca-se a perquirição de concessão de (i.) 60% de desconto se o pagamento ocorrer no prazo para contestar inicialmente o lançamento dos débitos; (ii.) 40% se o débito for pago durante a tramitação do processo administrativo em primeira instância e até o fim do prazo para apresentar recurso voluntário; e, (iii.) 20% nos demais casos, contanto que o pagamento ocorra em até 20 (vinte) dias depois da constituição definitiva do crédito tributário.

Isso significa dizer que, se o contribuinte confessar o débito e desistir de contestá-lo na via administrativa ou no Judiciário, os descontos serão acrescidos de 20%. Por consequência, no primeiro caso – quando ocorrer o pagamento no prazo para contestar inicialmente o lançamento dos débitos, o desconto total pode chegar ao patamar de 80%. Não obstante, necessário frisar que os descontos cairão para a metade se as multas forem qualificadas por dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo ou se a pessoa devedora contumaz.

Desta feita, todos os pontos do Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 que foram aprovados pela Câmara dos Deputados serão levados ao Senado Federal, para o andamento do processo legislativo.

 

II. BREVES CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS MULTAS TRIBUTÁRIAS

 

De plano, é possível verificar que um dos principais pontos desenvolvidos pelo Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 são relacionados às multas tributárias. Por essa razão, visando a melhor compreensão da proposta, imperioso destacar que as multas tributárias são penalidades impostas pelo descumprimento das normas de Direito Tributário.

Em outras palavras, é a punição imposta ao contribuinte em razão da falta ou atraso da entrega/pagamento das obrigações principais ou acessórias. Trata-se da coerção objetiva que o Ente Fiscal impõe ao contribuinte, pela violação de seu direito subjetivo de crédito, positivando o fato ilícito da relação tributária. Forte nisso, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agravo de Instrumento nº 727.872/RS, firmou jurisprudência no sentido de que as multas tributárias devem classificadas em (i.) multa moratória, que ocorre quando há o atraso no pagamento de determinado tributo; (ii.) multa punitiva isolada, que incide quando não há tributo devido aos cofres públicos, mas subsiste um ato ilícito relativo a um dever instrumental do contribuinte; e, (iii.) multa punitiva acompanhada do lançamento de ofício, que é quando existe uma omissão ou fraude, além da sonegação do imposto.

De mais a mais, frisa-se que o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, determina que o sistema tributário brasileiro é regido pelo “Princípio do Não-Confisco”, que traduz uma limitação ao exercício da competência tributária, alcançando as multas, que não podem atingir valores insuportáveis, que aniquilem o patrimônio do contribuinte ou que sejam destrutivas ou desarrazoadas.

No ponto, colaciona-se o referido dispositivo legal:

 

Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
(...)

 

Nesse contexto, o confisco ocorre quando uma alíquota efetiva, sobre a operação, resulte em mais de 50% do seu valor econômico líquido – calculado entre o preço e o tributo. Sobre isso, Paulo de Barros Carvalho e Iris Cintra Basilio destacam que a disposição constitucional veda a instituição de tributo com efeito de confisco e também qualquer ato que venha a produzir o mesmo efeito, que provoque, portanto, resultado semelhante. Exemplificativamente, o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) não pode ter alíquota tão elevada que inviabilize a propriedade imóvel, impeça a manutenção do bem, sendo preferível aliená-lo, por acarretar custo tributário altíssimo e insuportável ao contribuinte.
Por essa razão, o STF também decidiu no julgamento do Agravo de Instrumento nº 727.872/RS, que é devido a aplicação de multas no patamar de 20% no caso de multa moratória e 100% para as multas punitivas. Disso ressai, que o Princípio do Não-Confisco impede que as multas tributárias absorvam uma parte muito grande da propriedade ou renda de uma Empresa.

Portanto, o cerne da questão se relaciona com a limitação das multas tributárias, visto que, por vezes, as multas aplicadas sobre algumas infrações resultam em um patamar maior que os ditos 50%. Por consequência, geram confisco, em razão da sua desproporcionalidade.

 

III. O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 17/22

 

Seguindo nesta lógica, o Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 busca instituir uma série de normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres do contribuinte. Especificamente, a Ementa do projeto legislativo estabelece dispõe o seguinte:

 

Estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres do contribuinte, principalmente quanto a sua interação perante a Fazenda Pública e dispõe sobre critérios para a responsabilidade tributária.

 

Nesse sentido, o projeto legislativo busca construir diversos direitos aos contribuintes, como acesso facilitado ao superior hierárquico da repartição fazendária em que estiver em curso seu atendimento; não obrigatoriedade de pagamento imediato de qualquer autuação; imediato exercício do direito de defesa; e, tratamento adequado e eficaz na repartição fazendária. Além disso, como já mencionado, o texto estabelece, no Código Tributário Nacional, uma série de multas máximas que podem ser aplicadas pelo Fisco pelo não cumprimento de obrigações tributárias. A saber:

 

- 100% do tributo lançado de ofício porquanto não foi declarado ou ocorreu
a declaração inexata;
- 100% do valor do tributo descontado na qualidade de responsável
tributário e não recolhido aos cofres públicos;
- 50% do débito objeto de compensação não homologada quanto houver
má-fé do contribuinte;

- 20% do valor de tributos relacionados ao descumprimento de obrigações
tributárias acessórias;
- 20% do valor do tributo em virtude do não recolhimento no prazo legal.

 

Destaca-se que se houver dolo, fraude ou simulação, a multa nas primeiras três hipóteses será dobrada. Sentido contrário, os contribuintes considerados bons pagadores e cooperativos com aplicação da legislação tributária contarão com redução das multas pela metade - conforme mencionado na introdução do presente artigo. Consequentemente, as penalidades pecuniárias que não sejam combinadas com a cobrança de tributo deverão ser proporcionais e razoáveis para induzir o comportamento do contribuinte, sem excesso em comparação com o prejuízo para a Fazenda Pública Ademais, o projeto legislativo avança no sentido de impor condições para negociação de dívidas de contribuintes. Em igual sentido, infere nas decisões do STF, ao decretar que, em Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade, a modulação dos efeitos deverão ocorrer no mesmo julgamento que declarar a inconstitucionalidade de uma norma. De igual sorte, o projeto legislativo institui a ocorrência de dano moral ao contribuinte quando a Fazenda Pública lançar tributo, lavrar auto ou negar recurso que contrarie decisões do STF ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou orientação vinculante consolidado no âmbito administrativo do órgão. Frente a isso, verifica-se uma relação direta entre as preposições do Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 com a capacidade contributiva, que também se relaciona com o Princípio do Não-Confisco. Isso porque, a noção de capacidade contributiva determina que legislações que criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Outrossim, a concessão dos descontos e incentivos tal como proposto no Código de Defesa do Contribuinte, encaminham o sistema tributário brasileiro para uma noção maior de isonomia entre os Contribuintes e o Fisco, bem como observa a capacidade contributiva da sociedade, ao passo que evita a aplicação confiscatória dos tributos que, por assim dizer, “esgotam” a riqueza tributável das pessoas.

 

IV. CONCLUSÕES

 

De todo o exposto, é possível concluir que o “Código de Defesa do Contribuinte”, tal como proposto no Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022, poderá servir como um efetivo mecanismo legislativo para sistematizar direitos e deveres do contribuinte perante as Fazendas Públicas.

Resultando, assim, em um maior equilíbrio na relação entre os contribuintes e o Fisco. Sobretudo, pelo fato de que institui diferentes descontos e parâmetros de aplicação das multas tributárias, que por vezes acabam por inferir de forma desproporcional no patrimônio dos contribuintes. Ou seja, o Projeto de de Lei Complementar nº 17 de 2022 objetiva construir uma relação mais isonômica e não confiscatória no âmbito do sistema tributário brasileiro.

Por consequência, os reflexos do Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 ensejam na obtenção de uma segurança jurídica, visto que busca construir condições para negociação de dívidas de contribuintes. Isso significa dizer que, os contribuintes contarão com mais estabilidade, ordem e previsibilidade das autuações fiscais. Outrossim, tem-se que o Projeto de Lei Complementar nº 17 de 2022 será encaminhado ao Senado Federal, para que siga o curso comum do processo legislativo e assim possa ser validado.

 

 

Porto Alegre, novembro de 2022.

 

Murilo Borges
OAB/RS 128.593
Departamento Tributário
Escritório Crippa Rey Advogados


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