As particularidades da Recuperação Judicial para o Produtor Rural: facilidade no ajuizamento, mas limite de créditos abrangidos

05/07/2021

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A Lei 11.101/2005 estabeleceu as diretrizes para a recuperação judicial, a qual é um procedimento que permite ao devedor a renegociação coletiva do seu passivo, a fim de combater a crise econômico-financeira instaurada[1].

 

O referido ordenamento determinava que para adentrar à recuperação judicial era necessário apresentar a certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, conforme estabelece o inciso V, do artigo 51[2].

 

Contudo, a lei não especificava qualquer tratamento diferenciado ao produtor rural, que acabava por ser submeter à determinação do artigo anteriormente mencionado. Porém, é consabido que os empresários do ramo rural exercitam a sua profissão de maneira diferenciada, devendo, portanto, ter um tratamento diferenciado.

 

Nesse aspecto, o antigo ordenamento acabava por limitar o acesso do Produtor Rural ao instituto da Recuperação Judicial, uma vez que a inscrição no Registro Público de Empresas é requisito necessário para acesso ao Sistema Recuperacional, por um período de pelo menos 2 (dois) anos.

 

Com o advento da Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, os produtores rurais, que atuam como pessoa física, podem requerer recuperação judicial. Para tanto, os produtores precisam comprovar apenas o desempenho de atividades rurais há pelos menos 2 (dois) anos, pela apresentação dos documentos elencados no artigo 48, parágrafo 3º, da referida lei.

 

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

[...]

§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.

 

A inclusão do produtor rural, pessoa física, na lei de Recuperação Judicial e Falência, solidifica o entendimento firmado pelo judiciário, haja vista que, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, na decisão da Terceira Turma[3], entendeu que as dívidas contraídas pelo produtor rural, antes da sua inscrição perante a Junta Comercial, poderiam ser incluídas na recuperação judicial.

 

Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a

tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de

exercício regular da atividade empresarial.

 

Entretanto, o parágrafo mencionado é restrito ao Produtor Rural e não se aplica aos demais empresários em busca de soerguimento, como sabiamente propõe SACRAMONE:

 

[...] a interpretação do dispositivo legal deve ser restrita ao produtor rural e não aos demais empresários.

Desta forma, nos termos da lei, ao produtor rural não basta, em sua petição inicial, expor as causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira. O produtor especificamente deverá demonstrar sua crise de insolvência, caracterizada pela insuficiência de recursos financeiros ou patrimoniais com liquidez suficiente para saldar suas dívidas. [4]

 

Outrossim, apesar de facilitar a utilização do instituto da Recuperação Judicial por parte do Produtor Rural, a Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020 limita os créditos que podem ser inscritos no procedimento.

 

Nesse aspecto, com a nova atualização somente estão sujeitos à Recuperação Judicial os créditos decorrentes exclusivamente da atividade rural, desde que devidamente comprovados nos registros.

 

Além disso, as dívidas oriundas do crédito rural poderão ser abrangidas, desde que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira, antes do pedido de recuperação judicial. 

 

Do contrário, as dívidas que tinham como finalidade a aquisição de propriedade rural, bem como as suas respectivas garantias, se constituídas nos último 3 (três) anos anteriores ao pedido de recuperação, não poderão ser incluídas no processo, o que limita o alcance do processo de Recuperação do Produtor Rural.

 

Essas limitações acabam por prejudicar o Ruralista, restringindo a abrangência dos créditos e, consequentemente, obstaculizando o pleno soerguimento do empreendedor rural.

 

 

Luiza Costa Pinto

OAB/RS 116.749

Advogada do Departamento

de Recuperações Judiciais

 

[1] SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência, pág. 119. 3ª Ed, São Paulo: Almedina, 2018.

[2]Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

[...]

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores.

[3] REsp nº 1.800.032-MT. Acesso disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1832496&num_registro=201900504985&data=20200210&formato=PDF

[4] SACROME, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência, pág. 302. 2ª Ed – São Paulo: Editora Saraiva, 2021.


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