Bens de capital essencial garantidos por alienação fiduciária e a necessidade de manutenção na posse da empresa após transcurso do período de blindage

13/11/2023

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A lei que dispõe sobre a recuperação judicial aduz que os contratos garantidos por alienação fiduciária não se sujeitam aos seus efeitos, forte no artigo 49, §3, e é de conhecimento que na grande maioria das vezes os contratos bancários possuem essa modalidade de garantia, a exemplo de empresa transportadora. Nesse sentido, em razão da não sujeição, em caso de inadimplemento, não haveria óbice para que o bem fosse perseguido.

 

Entretanto, é preciso avaliar a importância e essencialidade do bem ao desenvolvimento da atividade empresária, isso porque a jurisprudência atual entende que caso se constitua bem de capital essencial, leia-se - sem o bem a empresa não conseguiria operar, devem se sujeitar aos efeitos do período de blindagem, de acordo com o art. 49, §3° c/c o art. 6°, §4°, da Lei n° 11.101/2005. Vejamos a jurisprudência.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.BENS
ESSENCIAIS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRAZO DE SUSPENSÃO
DE CONSTRIÇÃO SOBRE BENS DE CAPITAL.
1. O objeto de
pretensão do presente recurso de agravo de instrumento
concentra-se em dois temas - declaração de essencialidade de
bens dados em garantia (alienação fiduciária) de operações de
crédito junto à instituição credora; e falta de delimitação do
prazo de suspensão de atos de constrição sobre bens essenciais.
2. A despeito de não se aplicar o período de suspensão aos
créditos referidos nos §§3o e 4o do art. 49 da Lei no 11.101/05,
a reforma oriunda da Lei no 14.112/20 explicitou a possibilidade
conferida ao juízo da recuperação judicial de para suspender
atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais
à manutenção da atividade empresarial pelo período de
suspensão disposto no art. 6o, §4o, da Lei no 11.101/05, por
meio da inclusão do §7o-A no artigo 6o da Lei no 11.101/05. 3.
Os bens cuja propriedade resolúvel é da instituição bancária
agravante constituem-se como essenciais e indispensáveis à
manutenção da atividade produtiva da empresa de acordo
com os documentos acostados aos autos.4. A Lei no 11.101/05
preconiza, nos termos do art. 7o-A, que a suspensão de atos
constritivos sobre bens de capital essenciais à manutenção da

atividade empresária seja limitado ao prazo disposto no art. 6,
§4o, da Lei no 11.101/05, ou seja, 180 dias prorrogáveis por
uma vez. Contudo, nos termos da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, inexiste retorno automático da
possibilidade de restrições sobre aludidos bens.
AGRAVO DE
INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.(Agravo de
Instrumento, No 50161210820238217000, Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da
Silva, Julgado em: 26-04-2023) (grifo nosso)

 

Nesse sentido, assevera o doutrinador Manoel Justino Bezerra Filho: "Ficará extremamente dificultada qualquer recuperação, se os maquinários, veículos, ferramentas, etc. com os quais a empresa trabalha e dos quais depende para seu funcionamento, forem retirados.” (BEZERRA FILHO, 2005. p. 136)

 

Durante o prazo previsto pelo período de blindagem, a lei assegura que a Recuperanda seja mantida na posse do bem essencial ao desenvolvimento da empresa. Entretanto, é evidente que o prazo legal de 180 dias é extremamente exíguo e insuficiente para qualquer superação de crise que tenha exigido o pedido de recuperação judicial e causado a suspensão dos pagamentos.

 

A discussão é bastante ferrenha nos processos, e a jurisprudência é no sentido de manter a essencialidade do bem, somente durante o período de proteção, observa-se:

 

Agravo de instrumento – Recuperação judicial – Decisão
recorrida que indeferiu requerimento das recuperandas voltado
à revogação de ordem de bloqueio de circulação de veículos
alienados fiduciariamente, proferida nos autos do cumprimento
de sentença processado sob o no 0041432-29.2019.8.26.0100 –
Essencialidade dos bens reconhecida no julgamento do agravo
de instrumento no 2281496-38.2020.8.26.0000, no qual se
concluiu pela manutenção deles na posse das recuperandas
apenas até o encerramento do período de suspensão "stay
period" – Possibilidade de retomada dos bens, ainda que
essenciais, após o transcurso do "stay period"
(Lei no
11.101/2005, arts. 49, § 3o, e 6o, § 7o-A) – Enunciado III do
Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste E.

Tribunal de Justiça – Prazo de suspensão já esgotado na espécie
– Atualidade da essencialidade alegada, ademais, não
demonstrada – Decisão mantida – Recurso
desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2055863-
04.2023.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão
Julgador: 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de
Itu - 2a. Vara Cível; Data do Julgamento: 23/08/2023; Data de
Registro: 23/08/2023) (grifo nosso)

 

Entretanto, tal posicionamento da jurisprudência vai de encontro à finalidade da recuperação judicial, isso porque o bem não deixa de ser essencial transcorrido o período do stay period, o que aponta necessidade de revisão do posicionamento jurisprudencial, sob um olhar da efetiva recuperação da atividade empresária e dos empregos que gera.

 

Além do mais, o §7-B do artigo 6° da Lei dispõe a competência do juízo da recuperação para determinar sobre a substituição dos atos de constrições que recaem sobre bens de capital essencial. Nessa linha, pode-se dizer que o juízo universal deve deliberar sobre a manutenção do bem na posse da empresa – ainda que após o stay period, uma vez que este é responsável pelo patrimônio da Recuperanda.

 

Sob tal perspectiva houve menção no conflito de competência n. 79170-SP, apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde a corte ponderou que: “estabelece, inequivocamente, o objetivo de preservar a supremacia do interesse público sobre o interesse privado”, de forma que o destino do patrimônio da recuperanda “não pode ser afetado por decisão prolatada em juízo diverso do que é competente para a recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso do plano de recuperação, ainda, que ultrapassado o prazo de suspensão”. Do contrário, estaria sendo violado o princípio da preservação da empresa, previsto expressamente no art. 47 da Lei n° 11.101/2005.

 

Portanto, o risco da paralisação do desenvolvimento da atividade econômica, podendo ocasionar até a falência da empresa, pela remoção do bem essencial à cadeia produtiva atinge diretamente o propósito da recuperação e seu objetivo primordial, inclusive atingindo o credor titular da garantia fiduciária, uma vez que o interesse deste é no recebimento de valor devido, não no bem propriamente considerado. Desse modo, atualmente, tem-se a jurisprudência caminhando em sentido diverso à manutenção da empresa em recuperação judicial, ponto que precisa ser reanalisado, urgentemente, pelas Cortes Superiores, pois o princípio da preservação da empresa e da proteção aos trabalhadores, ambos de estatura constitucional que, se em conflito com interesse privado, devem ser objeto de ponderação para prevalência do mais importante.

 

Advogada Camila Luzardo

Crippa Rey Advogados

 

 

 

Referências bibliográficas:
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.


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