Recente decisão condenou internauta a pagar indenização para político em razão de ofensas em rede social e trouxe diversas indagações sobre o assunto. O crescente número de usuários da internet fez com que aumentasse também a prática de crimes que usam o meio digital para praticá-los. Não necessariamente temos novos tipos penais para os crimes, pois temos principalmente um grande número de crimes contra a honra onde o meio social cibernético é utilizado para realizá-los.
É sabido que o direito à livre manifestação do pensamento, previsto no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, é uma garantia fundamental, porém não absoluta, devendo ser exercida de forma responsável, sob pena de configurar abuso de direito, uma vez que igualmente é assegurada, nos termos do mesmo dispositivo, em seu inciso X, a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas, dispondo que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Por seu turno, a Constituição Federal também impôs o dever de reparar os danos advindos da violação ao direito à honra, como se observa no art. 5º, V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Sendo assim, observamos que a liberdade de expressão encontra limites na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, devendo ser exercido com consciência e responsabilidade. Algumas expressões, de cunho ofensivo, podem configurar ofensa a honra subjetiva, gerando dever de indenizar mesmo não havendo publicidade (ou a publicidade sendo reduzida). A ampla circulação, com o atingimento de grande número de pessoas, não é condição para a configuração da responsabilidade civil, mas pode agravá-la.
Temos também um crescente número de denúncias relacionadas a crimes sexuais e divulgação de pornografia, ou então a conhecida como “revenge porn” que é onde temos a divulgação da imagem alheia pela própria pessoa com quem o fotografado se relacionou afetivamente, como um ex-namorado, ex-companheiro, ex-noivo, ex-cônjuge ou, até mesmo, alguém com quem manteve algum contato superficial, mas tem motivos torpes para fazer tal disseminação não autorizada de imagem íntima.
Nesse sentido, confira-se os seguintes julgados do E. Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL - Ação indenizatória por danos morais - Postagem ofensiva na rede social "Facebook" dirigida ao prefeito do Município - Sentença de improcedência - Apelo do autor - Acolhimento - Publicação com carga negativa e tom jocoso, extrapolando, assim, direito de crítica, inerente ao exercício da liberdade de expressão - Termos que não guardam correlação com o cargo de prefeito municipal - Direitos da personalidade atingidos - Danos morais devidos - "Quantum" indenizatório fixado em R$ 10.000,00 à luz das circunstâncias do caso e dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa Correção monetária pela tabela prática deste Egrégio Tribunal, a contar da publicação desta decisão (Súmula 362 do STJ) e juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) - Além disso, a requerida de- verá se retratar, pela mesma rede social, por meio de nova publicação com o fito de se desculpar pelas agressões injustificadamente cometidas - Sentença reformada - Recurso provido. (TJSP, Apelação Cível nº 1001624-59.2018.8.26.0415, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Clara Maria Araújo Xavier, j. 07/10/2020).
APELAÇÃO. Ação de reparação de danos morais c/c retratação. Publicação de ofensas pela internet contra prefeito local. Postagens de caráter pessoal, pejorativo e malicioso que em muito extrapolam o viés político. Aborrecimentos, mácula à honra e inequívoca repercussão na cidade dos fatos que em muito extrapolam o reles dissabor. Dever de reparação moral bem detectado. Quantum indenizatório todavia fixado em excesso (R$ 30.000,00). Minoração. Pertinência. Arbitramento em R$ 10.000,00 que melhor atende ao efeito pretendido. Dever de retratação. Pedido expressamente formulado pela parte autora. Ratificação que se impõe. Sentença reformada em parte. Adoção parcial do art. 252 do RITJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP, Apelação Cível nº 1013007-15.2017.8.26.0562, 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. JAIR DE SOUZA r, j. 17/09/2019).
Outro caso que recebeu destaque na mídia foi a decisão que foi provocada por ação movida por Melhem após o youtuber escrever em seu perfil no Twitter a seguinte mensagem: "Não caiam nesse discursinho de merda do Marcius Melhem. Esse cara é um criminoso, um escroto, um assediador que merece cadeia por todo sofrimento que causou".
Ao analisar a matéria, o magistrado entendeu que as expressões "criminoso" e "assediador" não foram utilizadas no sentido técnico- jurídico que essas palavras podem apresentar e conotam um sentido claramente ofensivo, relevando a vontade de negativamente censurar o comportamento de Melhem em um grau considerável. "A liberdade de expressão, que a Constituição de 1988 a todos garante, é de ser exercida dentro de limites razoáveis inerentes a exprimir uma opinião, quando não se revele excesso no emprego e sentido de palavras, termos e contexto designadamente ofensivos como aqueles que o réu empregou, sem qualquer razão ou motivo que isso justificasse, ou pudesse escusar a conduta do réu em escrever e publicar um texto que, dotado de poucas linhas, era todo ofensivo à honra pessoal e profissional do autor", ponderou o juiz.
Em casos como esse a reparação por dano moral não tem relação imediata com uma ideia patrimonial, mas com critérios como o grau da ofensa praticada, seus efeitos e o público alcançado. Além de condenar Castanhari a indenizar Melhem em R$ 100 mil, o julgador também determinou que o youtuber publique em "todas as suas redes sociais informação acerca do conteúdo desta sentença, para que seus 'seguidores' tenham conhecimento de que o réu suportou condenação nestes autos".
A defesa de Castanhari emitiu nota sobre o caso alegando que há nulidade do processo, já que o juiz não aceitou a produção de prova testemunhal oportunamente requerida, recusando também o pedido de que fosse obtida cópia da sentença favorável à Revista Piauí, em um processo sigiloso movido pelo Marcius Melhem contra a revista. Entende também que os valores fixados a título de danos morais são desproporcionais, considerando a natureza do caso e a jurisprudência uníssona do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Por fim, a defesa acredita que Felipe exerceu regularmente o seu direito de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, tendo agido unicamente com a intenção de defender a amiga, atriz e apresentadora Dani Calabresa e está confiante de que a sentença de primeiro grau não será mantida nas instâncias superiores.
Natasha Japur
OAB/RS 98.400
Advogada Criminalista
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