Conforme é cediço, a propriedade é um direito fundamental insculpido no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, que faz parte do patrimônio jurídico dos indivíduos, como o mínimo existencial para assegurar uma vida digna.
Dentro do viés positivo do direito à vida, há a exigência do atendimento de condições materiais mínimas para que seja observado o valor supremo da dignidade da pessoa humana, estando aí inserido o direito à propriedade, o qual pode ser adquirido nas formas previstas no Código Civil brasileiro, dentre elas a usucapião.
Cumpre ressaltar que o instituto jurídico da usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade de bens, móveis ou imóveis, em razão da posse mansa e pacífica, por um determinado lapso temporal legalmente previsto, sem que o possuidor direto precise firmar qualquer negócio jurídico com o proprietário registral do bem, desde que preenchidos os requisitos legais.
De acordo com a Teoria Subjetiva da posse, idealizada por Savigny, para que o sujeito seja considerado possuidor, deve não apenas ter o requisito do “corpus”, ou seja, o domínio físico sobre o bem, como também o “animus”, consistente na vontade de possuí-lo e sobre ele exercer os atos inerentes à propriedade.
Para o ordenamento jurídico brasileiro, a referida Teoria Subjetiva da posse é adotada, excepcionalmente, para a usucapião, na qual exige-se o preenchimento do pressuposto denominado “animus domini”, haja vista que, para ser considerado legítimo possuidor, não basta o indivíduo ter a posse fática sobre o bem, mas, principalmente, ter a pretensão de possuí-lo como se dono fosse, através do exercício de ao menos um dos direitos inerentes à propriedade, como usar, gozar, dispor e reaver o bem de outrem.
Em se tratando da aquisição da propriedade de bens imóveis, o ordenamento jurídico traz algumas espécies de usucapião, a depender do tamanho do bem imóvel e do lapso temporal possessório, o qual pode ser contabilizado acrescentando o tempo de posse dos seus antecessores, conforme dispõe a regra do art. 1.243 do Código Civil.
Dentre as modalidades previstas, podem ser citadas a usucapião extraordinária, a qual exige 15 (quinze) anos de posse mansa, pacífica e ininterrupta, ou 10 (dez) anos quando no imóvel está estabelecida a moradia do interessado, em razão de ter sido atendida a sua função social, independente de metragem mínima do imóvel, nos termos do art. 1.238 da legislação civil.
Afora isso, existe a usucapião ordinária, que autoriza a aquisição da propriedade do imóvel, por quem, de forma contínua e incontestadamente, possuir boa-fé e justo título, o qual consiste em documento idôneo comprobatório da transmissão da propriedade, se o possuir pelo lapso temporal de 10 (dez) anos, forte no art. 1.242 do Código Civil, que pode ser reduzido para 5 (cinco) anos, caso o imóvel tenha sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, e o possuidor haver estabelecido na propriedade a sua moradia, ou realizado no imóvel investimentos de interesse social e econômico.
Percebe-se, pois, que o legislador civil valorizou o cumprimento da função social da propriedade, nos termos do determinado no art. 5º, inciso XXIII, do texto constitucional, consistente na exigência do atendimento dos interesses da coletividade, na medida em que previu hipóteses de redução dos prazos de posse, para fins de aquisição da propriedade pelas modalidades de usucapião extraordinário e ordinário.
Existe, ainda, a usucapião especial, na qual exige-se como tempo de posse apenas 5 (cinco) anos, desde que atendidos os requisitos de metragem máxima de até 250m², em se tratando da modalidade urbana, na qual esteja estabelecida a moradia da parte interessada, ou de 50 hectares, em sendo caso da modalidade rural, desde que tenha tornado o imóvel produtivo por seu trabalho ou de sua família, respeitada, ainda, a exigência de os interessados não serem proprietários de outro imóvel, urbano ou rural, nos termos dos arts. 1.239 e 1.240 do Código Civil.
Outrossim, como forma de regularizar o imóvel conjugal quando ocorrer o abandono do lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros, há, ainda, a previsão da usucapião conjugal, forte no art. 1.240-A do Código Civil, a fim de ser usucapida a meação e parte disponível que competia ao outro consorte/convivente, caso haja o exercício da posse direta, ininterrupta e sem oposição, pelo período de 2 (dois) anos, do imóvel urbano de metragem de até 250m².
Importante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro oportuniza à parte interessada a aquisição da propriedade do bem imóvel mediante pedido de usucapião judicial ou extrajudicial.
O pedido de usucapião judicial segue o procedimento comum ordinário, nos termos do CPC/15, com a necessidade de citação do proprietário registral, confinantes e vizinhos do imóvel usucapiendo, cientificação por carta das Fazendas Públicas e citação por edital de eventuais interessados, a fim de dar ampla publicidade ao pleito e viabilizar a apresentação de eventuais impugnações.
Como há notoriedade da sobrecarga de demandas no Poder Judiciário e a consequente lentidão da máquina judiciária, o legislador, visando dar celeridade e agilidade aos pedidos, criou a figura da usucapião extrajudicial, a qual pode ser formulada diretamente no cartório do registro de imóveis da localidade em que situado o imóvel usucapiendo, nos termos da regra prevista no art. 216-A da Lei n.º 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos.
Desta forma, há para o interessado as duas possibilidades jurídicas de ingresso com o pedido de usucapião – judicial ou extrajudicial – cada uma com os seus prós e contras.
Muito embora o pedido de usucapião extrajudicial seja, em tese, mais célere, em razão de não existir a mesma demanda de pleitos e a morosidade da máquina judiciária, poderá ocorrer a remessa do pedido ao Poder Judiciário caso haja a oferta de alguma impugnação por qualquer interessado, haja vista que o oficial cartorário não detém poderes suficientes para solucionar eventuais litígios, papel que compete ao Juiz de Direito. Assim, o que seria rápido, passará a ser moroso, a fim de se adequar ao procedimento judicial comum ordinário (risco que se corre ao optar pela via extrajudicial).
Ademais, no pedido extrajudicial, o rol de documentação exigido é maior, a fim de conferir maior certeza e segurança jurídica ao servidor cartorário, além de ensejar a cobrança de custas e emolumentos, o que poderá ser isentado caso o pedido seja pela via judicial, haja vista a possibilidade da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Em face do exposto, compete ao interessado na aquisição originária da propriedade, desvinculada, pois, de quaisquer ônus anteriores, optar pela modalidade de usucapião que mais se adequa ao seu caso concreto, preenchendo todos os pressupostos legalmente exigidos, a fim de ver atendido o seu direito fundamental à propriedade.
Considerando as peculiaridades que o tema aborda, recomenda-se sempre a consulta jurídica de um profissional habilitado para a condução do caso, e o escritório Crippa Rey Advogados Associados está à disposição para as constatações e orientações relativas ao tema.
Porto Alegre, 01 de junho de 2021.
Karina Larsen da Cunha – OAB/RS 81.277
Pós-graduada e especialista em Direito Civil
Advogada do Departamento Cível
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