Reflexões e tendências sobre o Tema 1.125 dos Recursos Especiais Repetitivos.
Luciano Kunzler, Advogado Tributarista
Não há dúvidas sobre a relevância da decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706, o famoso Tema 69, da “tese do século”, que findou por excluir da base de cálculo de PIS e COFINS os valores a título de ICMS incluídos em seus “recebimentos”, pois não integrantes do conceito de receita, tratando-se de valores com mero trânsito contábil nas contas do contribuinte porém destinados ao ente tributante estadual.
Do referido julgado, houve quem aquiescesse com a ideia de que o Tema 1.098 do STF – a tratar da possibilidade ou não de exclusão dos valores de ICMS-ST das bases do PIS e COFINS – seria resolvido nos mesmos moldes do ilustre paradigma, resolvendo a celeuma. Todavia, quando da desafetação do Tema 1.098, o STF reputou tratar-se a questão de matéria de cunho infraconstitucional, dado que a não-cumulatividade das contribuições em exame teria estatura legal, a ser tratada, exclusivamente, pelo competente Superior Tribunal de Justiça.
No âmbito do STJ, contudo, a questão sobre a possibilidade de o substituído excluir da base de cálculo de seu PIS e COFINS não-cumulativos os valores de ICMS-ST antecipadamente recolhidos pelo substituto em momento anterior da cadeia, encontra duas vertentes antagônicas em suas 1a e 2a Turmas. A decisão da 2a Turma entende de maneira mais ortodoxa a premissa de ter que haver dupla incidência de PIS e COFINS no substituto e no substituído para que se fale, efetivamente, em crédito da não- cumulatividade e desconto via compensação do PIS e COFINS devidos pelo substituído¹. A decisão da 1a Turma, em sentido antagônico, advoga pelo entendimento de que o creditamento de PIS e COFINS não-cumulativos, por ser previsão expressa advinda da lei de regência, independe da dupla incidência de PIS e COFINS, bastando haver cômputo do valor do ICMS-ST no preço de aquisição da mercadoria para revenda (ou insumo) para que o direito a crédito e compensação seja fruível pelo substituído².
Nesse cenário, torna-se imprescindível verificar e acompanhar o que está em julgamento no Tema 1.125 dos Recurso Especiais Repetitivos, no qual dois Recursos Especiais³, um pela Fazenda Nacional e outro pelo Contribuinte, foram selecionados como paradigmas do debate que pretende definir se o valor de ICMS-ST antecipado pelo substituto gera ou não créditos da não-cumulatividade de PIS e COFINS para o substituído. Trata-se exatamente da discussão declinada pelo STF e que se mostra plenamente apta a resolver a cizânia entre as duas turmas da Corte Especial.
Entretanto, mister alertar que, como o próprio ordenamento jurídico brasileiro tem demonstrado ultimamente, toda a prudência deve ser considerada e a promessa de encontrar pacificadora e remansosa jurisprudência sobre o complexo tema não é da mais fácil de se acreditar.
Saliente-se que, no elenco de assuntos do Tema 1.125, a não-cumulatividade não consta?. A princípio, tal fato pode até não ser um problema e indicar que, realmente, nos moldes em que posta a discussão, trata-se muito mais de verificar a repercussão do Tema 69 na fruição do direito ao creditamento e desconto dos valores de ICMS-ST na apuração do PIS e COFINS do que de um real cotejo das disposições legais com o conceito constitucional de não-cumulatividade.
Nesse viés, inclusive, se deram as falas do ilustre Doutor Roque Carrazza, pela contribuinte Distribuidora de Bebidas Maitan, e do Doutor Pedro Henrique Braz Siqueira, pela Confederação Nacional da Indústria enquanto amicus curiae. Amboas ressaltaram que a tese do Tema 69 não fez qualquer distinção quanto ao ICMS enfocado, tratando- se do gênero do qual derivam as espécies próprio e ST, de modo que a segunda espécie traz modificação tão somente quanto ao tempo do recolhimento, em nada modificando a situação de contribuinte do substituído, o qual, se não puder se creditar do imposto que a si competia e que foi pago pelo substituto e repassado no preço de aquisição, importará em acréscimo de 26% na carga tributária deste.
O racional é até óbvio, se considerarmos que no valor da aquisição de mercadoria para revenda, ou mesmo de insumos à industrialização, está inserido o valor do ICMS próprio do substituído, antecipado pelo substituto, mas efetivamente pago no preço pelo substituído, no que seria inadmissível obstar-se crédito sobre tal valor.
E, a gerar uma certa expectativa positiva no contribuinte, sobretudo naqueles que estão na condição de substituídos na cadeia produtiva em caso de substituição tributária progressiva ou “pra frente”, o ministro relator perfilou-se, em seu voto, com a tese defendida pelos contribuintes. Ou seja, o ministro relator Gurgel de Faria – que anteriormente vedara o creditamento, quando relator na 2a Turma do REsp 1.456.648 – assume agora novo posicionamento, destacando que o regime de arrecadação da substituição tributária em nada modifica a regra de incidência dos tributos e, consequentemente, em nada pode se afastar do racional da “tese do século”. A tese sugerida pelo relator foi a seguinte: “O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidos pelo contribuinte substituído no regime de Substituição Tributária Progressiva.”
Ainda é prematuro apontar qual a corrente sairá vencedora, principalmente, após o pedido de vistas da ministra Assusete Guimarães, no que é possível que traga voto-divergente. Além disso, no presente cenário de insegurança jurídica que vivemos, não se pode perder de vista as recentes modificações inseridas no ordenamento jurídico, seja pelas já obtidas decisões judiciais favoráveis em casos isolados com escora direta no RE 547.706/PR – passíveis de modificação ainda que transitem em julgado – bem como, e sobretudo, no que atine ao teor dispositivo da MP 1.159/2023 no ponto, a vedar o creditamento.
Por fim, e que traz ainda mais tônus à necessária prudência aos advogados, contadores e empresários, é essencial referir um ponto que passa despercebido aos que não se aprofundam no estudo do direito: o voto do relator e as defesas dos contribuintes, embora alinhadas, apoiaram-se todas na ofensa à “livre-concorrência” e à “quebra do pacto federativo”, em função de permitir que Estados e Distrito Federal editem leis em sentidos opostos, permitindo ou vedando o creditamento, no que se ofertaria, muito provavelmente, vantagens e desvantagens aos contribuintes conforme a unidade federativa em que operem. E, aí, a matéria voltaria, em tese, a ser da alçada do STF, ficando, inclusive, sujeita à sempre abjeta modulação de efeitos.
O melhor, no momento, é tomar medidas preventivas e evitar aventuras fiscais, se possível, buscando o respaldo do judiciário para garantir seu direito, ainda que mesmo o judiciário esteja titubeante.
¹ REsp 1.456.648/RS: RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E COFINS NÃO CUMULATIVAS. CREDITAMENTO. VALORES REFERENTES A ICMS-SUBSTITUIÇÃO (ICMS- ST). IMPOSSIBILIDADE. 1. Não tem direito o contribuinte ao creditamento, no âmbito do regime não cumulativo do PIS e COFINS, dos valores que, na condição de substituído tributário, paga ao contribuinte substituto a título de reembolso pelo recolhimento do ICMS- substituição. 2. Quando ocorre a retenção e recolhimento do ICMS pela empresa a título de substituição tributária (ICMS- ST), a empresa substituta não é a contribuinte, o contribuinte é o próximo na cadeia, o substituído. Nessa situação, a própria legislação tributária prevê que tais valores são meros ingressos na contabilidade da empresa substituta que se torna apenas depositária de tributo (responsável tributário por substituição ou agente arrecadador) que será entregue ao Fisco. Então não ocorre a incidência das contribuições ao PIS/PASEP, COFINS, já que não há receita da empresa prestadora substituta. É o que estabelece o art. 279 do RIR/99 e o art. 3o, §2o, da Lei n. 9.718/98. 3. Desse modo, não sendo receita bruta, o ICMS-ST não está na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas devidas pelo substituto e definida nos arts. 1o e §2o, da Lei n. 10.637/2002 e 10.833/2003. 4. Sendo assim, o valor do ICMS-ST não pode compor o conceito de valor de bens e serviços adquiridos para efeito de creditamento das referidas contribuições para o substituído, exigido pelos arts. 3, §1o, das Leis n n. 10.637/2002 e 10.833/2003, já que o princípio da não cumulatividade pressupõe o pagamento do tributo na etapa econômica anterior, ou seja, pressupõe a cumulatividade (ou a incidência em "cascata") das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS. 5. Recurso especial não provido.
² REsp 1.428.247/RS: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. NÃO CUMULATIVIDADE. ICMS - SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA (ICMS- ST). AQUISIÇÃO DE BENS PARA REVENDA POR EMPRESA SUBSTITUÍDA. BASE DE CÁLCULO DO CRÉDITO. INCLUSÃO DO VALOR DO IMPOSTO ESTADUAL. LEGALIDADE. CREDITAMENTO QUE INDEPENDE DA TRIBUTAÇÃO NA ETAPA ANTERIOR. CUSTO DE AQUISIÇÃO CONFIGURADO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973. II - A 1a Turma desta Corte assentou que a disposição do art. 17 da Lei n. 11.033/2004, a qual assegura a manutenção dos créditos existentes de contribuição ao PIS e da COFINS, ainda que a revenda não seja tributada, não se aplica apenas às operações realizadas com os destinatários do benefício fiscal do REPORTO. Por conseguinte, o direito ao creditamento independe da ocorrência de tributação na etapa anterior, vale dizer, não está vinculado à eventual incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre a parcela correspondente ao ICMS-ST na operação de venda do substituto ao substituído. III - Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor. IV - A repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação de regência. V - Recurso especial provido. 3 REsp no 1.896.678 e REsp no 1.958.265 4 Os assuntos elencados são 1. (14) Direito Tributário; 2. (5946) ICMS/Imposto sobre Circulação de Mercadorias;
³ (5981) Substituição Tributária;
4 (6039) PIS; 5. (6008) Base de Cálculo; 6. (6035) Cofins
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