O PEDIDO DE FALÊNCIA DA EMPRESA DEVEDORA PELO SEU CREDOR FUNDADO NO ARTIGO 94, INCISO I, DA LEI 11.101/2005 E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

04/05/2019

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Inicialmente, importante esclarecer quais são as duas possibilidades que o credor portador de um título executivo certo, líquido e exigível, possui para ver seu crédito satisfeito. A primeira é a ação de execução de título extrajudicial, na qual o credor (exequente) requer a execução do título executivo, ou seja, tem o intuito de obrigar o devedor (executado) a cumprir com o direito consolidado, podendo se valer de medidas expropriatórias para satisfazer seu crédito.

A segunda via possível é o procedimento de decretação de falência solicitado pelo credor. Tal instituto está disposto na Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2005) e, para o caso apresentado, qual seja, portador de título executivo, apresenta alguns requisitos essenciais para a propositura da ação.

O artigo 94 da Lei nº 11.101/05 dispõe acerca dos casos em que é possível a decretação da falência do devedor, vejamos:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.

§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.

§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.

§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.

§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.

Em relação ao inciso I do referido artigo, ora analisado, trata-se da hipótese do pedido de falência fundado na impontualidade injustificada. Quer-se se dizer que quando o devedor, de forma infundamentada e com obrigação líquida (título), deixa de pagar o credor na data acordada, é possível a abertura do procedimento.

Ocorre que para fins de ajuizamento de ação de falência, a soma da dívida – materializada em um ou mais títulos executivos – deve ultrapassar a quantia de 40 salários mínimos. Importante salientar que essa medida se deve ao fato de o procedimento falimentar ser oneroso, com inúmeras despesas decorrentes de depositários, peritos e demais colaboradores.

Já em relação ao protesto do(s) título(s), a finalidade dele é justamente marcar a impontualidade, e para isso até mesmo os títulos não passíveis de protestos devem sê-los, como por exemplo, a sentença judicial. De outro modo, o protesto possui algumas particularidades, ou seja, deverá nele conter especificamente que se trata de protestos para fins falimentares, conforme §3º do artigo acima mencionado:

“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

§3º Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.” (grifado)

Ainda em relação ao protesto, o STJ sumulou o entendimento a respeito do recebimento do protesto. Relevante mencionar, também, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul considera imprescindível a identificação das pessoas que receberam a notificação do protesto:

“SÚMULA Nº 361
A notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu.”

A jurisprudência é clara ao afirmar que para se autorizar o processamento do pedido de falência, é necessário que a prova da impontualidade demonstre de maneira inequívoca a certeza de que a notificação ao devedor foi feita. Todavia, em alguns casos, pode ocorrer de o devedor não ser encontrado. Nesses casos é preciso esgotar todos os meios e diligências necessárias para apuração do endereço atualizado do devedor, antes de efetuar a notificação acerca do protesto por edital.

Somado a isso, verificou-se que o Superior Tribunal de Justiça, bem como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendem não bastar a inadimplência para pedidos de falência fundados na impontualidade injustificada. Diante desses casos deve haver também a insolvabilidade da empresa.

A insolvência se configura no momento em que a impontualidade denuncia a incapacidade da empresa em cumprir regularmente com as suas próprias obrigações. A iliquidez momentânea, por si só, não basta, podendo ser afastada por prova em contrário, como por exemplo, com o depósito elisivo – depósito do quantum devido, realizado em juízo, demonstrando a solvência do devedor. A consequência deste ato é a retirada do pedido falimentar, uma vez que o requisito da insolvabilidade da empresa não foi preenchido.

Salienta-se que a impontualidade, por si só, não preenche o requisito da insolvabilidade, ou seja, quando essa impontualidade é momentânea ela não é considerada para fins de provimento do pedido de falência.

De outro modo, é relevante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça entende não ser legal a utilização do processo de falência com o propósito coercitivo, ou seja, apenas para que seja satisfeito o crédito não adimplido. Nota-se que nos casos em que é verificada que a ação de falência foi empregada com esse fim, ela foi julgada improcedente.

Nesse sentido, o procedimento para a decretação de falência com base no inciso I do artigo 94 da Lei nº 11.101/2005, possui os seguintes requisitos indispensáveis para a propositura da ação:

i. O inadimplemento da obrigação;

ii. A dívida materializada em título executivo;

iii. O valor do(s) título(s) ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos;

iv. Impontualidade injustificada, comprovada com o protesto do(s) título(s) conforme artigo 94, inciso I, §3º, da Lei nº 11.101/2005 e a Súmula nº 361, do STJ;

v. Aparente insolvabilidade da empresa;

Assim, muito embora o credor possua a faculdade em ajuizar a ação de falência com base no inciso I do artigo 94 da Lei de Recuperação e Falência com o intuito de ver seu crédito adimplido, a procedência final não é garantida, uma vez que devem estar plenamente configurados os requisitos acima mencionados.

Entretanto, vale consignar que, em alguns casos, é possível que o devedor ao receber o protesto para fins falimentares ou o ajuizamento de ação de Falência veja-se mais inclinado a pagar de imediato o débito, através do depósito elisivo ou até mesmo compor. Contudo, acaso tenha a intenção de continuar em litígio, a ação prosseguirá e, como visto, se não preenchidos os requisitos, não terá êxito, fazendo com que o credor tenha de ajuizar nova demanda, a ação executiva.


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