Diante da decisão paradigmática proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Escritório Crippa Rey Advogados analisa o impacto e a repercussão a partir de tal decisão acerca da não incidência de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), nos casos de integralização de capital social de uma Empresa.
A decisão foi proferida pela 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos do Processo nº 5082610-43.2021.8.21.0001/RS, APELAÇÃO CÍVEL, responsável pela reforma da Sentença, até então favorável ao Município de Porto Alegre. O colegiado interpretou que a imunidade tributária, nos casos de integralização de capital social, é incondicionada, de forma automática, independente das atividades desenvolvidas pela sociedade.
No writ em comento, o Fisco Municipal porto alegrense entendeu, administrativamente, que a imunidade tributária em questão não seria aplicável à pessoa jurídica do requerente, por se tratar de uma empresa que preponderaria suas atividades e receitas oriundas da exploração imobiliária: “Durante o período analisado, as receitas operacionais da requerente foram todas oriundas da locação de seus imóveis, conforme pode ser extraído dos demonstrativos contábeis apresentados. Além disso, o objeto social da empresa faz referência à exploração do ramo imobiliário. Assim, por apresentar unicamente receitas operacionais de atividade imobiliária, que são excluídas do gozo do benefício pela legislação vigente, não há como ser reconhecida a imunidade de forma definitiva para a transmissão em tela. Pelo exposto, proponho o INDEFERIMENTO do pedido de imunidade do ITBI e a lavratura do Auto de Lançamento, tendo em vista o disposto no art. 6º, inciso IV e §5º da LC 197/89.”
Destaca-se que este tema de discussão administrativa está em praticamente todos os fiscos municipais brasileiros, além da judicialização do tema em vários tribunais, as solicitações de imunidade de ITBI, solicitadas com base na integralização de capital social, em se tratando de empresas com atividades preponderantemente exploradoras do ramo imobiliário, têm sido denegadas pelos fiscos municipais.
Em 2020, o STF julgou o Tema nº 796 (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 796.376 – SANTA CATARINA), e considerou que, quanto aos valores excedentes ao valor integralizado no capital social, é devido e deve incidir o imposto de ITBI:
3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796,
fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A imunidade em
relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da
Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o
limite do capital social a ser integralizado".
A fixação de tese, quanto ao valor excedente de integralização, é dada como superada, após a repercussão geral do tema.
Embora parte do Judiciário entenda que o trecho da decisão também verse sobre a análise do Art. 156, §2º, I, art. CF/88, outra parte entende que a decisão não é vinculativa ao tema principal julgado, devendo a análise ser restrita ao valor excedente do capital social integralizado.
O recente julgado da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reabre a discussão sobre o assunto. Parte do Judiciário entende que a decisão do STF também versou sobre o referido artigo, ou seja, além do excedente de capital social, a tese abrangeria a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização (integralização) de capital, não estando sujeita à condicionantes da segunda hipótese do artigo, que condiciona a imunidade ou não de ITBI, quando trata-se de atos societários (fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, nessa segunda hipótese aplicar-se-ia a ressalva da atividade preponderante do adquirente, nas situações de compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento.
Vejamos a íntegra do referido artigo discutido:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...)
II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de
bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais
sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a
sua aquisição; (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos
incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização
de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa
jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do
adquirente for a compra e venda desses.
Da mesma forma, vejamos a recepção feita pela CF/88, por se
harmonizar com o teor do inciso I do § 2º, do art. 156 da Lei
Maior, em relação ao inciso I do art. 36 do Código Tributário
Nacional:
Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não
incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo
anterior:
I - quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa
jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa
jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos
mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do
inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do
patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.Art. 36 Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não
incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo
anterior:
I - quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa
jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa
jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos
mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do
inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do
patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Além do julgado em comento, há decisões no mesmo sentido, conforme precedente da Vigésima Primeira Câmara Cível, do TJRS:
“(...) O art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal, em sua
primeira parte, prevê a imunidade tributária da transmissão de
bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em
realização de capital social. Nas razões de decidir do julgamento do
RE nº796.376, embora não vinculantes, expresso o entendimento de
que a exceção prevista na parte final do inciso I, do §2º, do art. 156
da CF/88 (atividade preponderante a venda ou locação de
propriedade imobiliária) nada tem a ver com a imunidade referida
na primeira parte desse inciso, que é exatamente a situação
presente no caso ora "sub judice". APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação/
Remessa Necessária, Nº 50043126020148210008, Vigésima
Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo
Bandeira Pereira, Julgado em: 19-07-2023).
Depreende-se que a divergência a ser debatida pelos Tribunais Superiores, em relação ao julgado da matéria, basicamente será sobre definir a abrangência ou não do trecho final mencionado no Art. 156, §2º, I, art. CF/88: “salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses”.
Para a equipe Tributária e Societária do Escritório Crippa Rey Advogados, o julgado da 21ª Câmara Cível do TJRS adianta a correta interpretação constitucional acerca do tema integralização de capital social de bens imóveis, que nada mais é que um remanejo societário empresarial das quotas da sociedade através de bens dos sócios, assim como a transferência jurídica do patrimônio, e que diferencia-se da condicionante mencionada na segunda parte do referido inciso: transmissão mediante fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante não seja a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
É muito claro que o trecho mencionado acima não se refere ao item inicial do inciso 156, §2º da CF/88: transmissão de bem imóvel para formação do capital social da pessoa jurídica; e sim, sobre a segunda hipótese, que versa sobre incorporação/cisão/fusão/extinção de uma empresa sobre a outra.
Dito isso, é muito provável que o STF ou STJ seja provocado a decidirem acerca da semântica e oração do referido artigo constitucional, de forma a evitar a mera liberalidade e cobrança atual e indevida por parte dos Municípios, ao tratarem de integralização de capital social de empresas com atividades majoritariamente imobiliárias, como aluguéis e compra e venda de imóveis, em que cobram ITBI sobre a integralização, se oriundos da exploração imobiliária de tais bens.
Matheus Ritter dos Santos
OAB/RS 129.230
Advogado do Departamento Societário
Escritório Crippa Rey Advocacia Empresarial
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