A concessão de férias e o pagamento em dobro em caso de atraso aos olhos da justiça do trabalho

16/04/2021

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O pagamento de férias, como se sabe, deve ser realizado até dois dias antes do início da folga do empregado. O não pagamento nesse período, por seja qual motivo, acaba por trazer risco a empresa de condenação ao pagamento em dobro no caso de ação trabalhista. Acontece que isso não está previsto na lei expressamente. Então qual o fundamento, já que não existe previsão legal?

 

A justiça do trabalho fundamenta a aplicação da multa no atraso do pagamento das férias pela própria Consolidação das leis do Trabalho, no seu art. 137:

 

Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.

 

Chamará atenção, entretanto, que o art. 134 referido diz respeito ao prazo de 12 meses em que o trabalhador tem direito a férias, não aos dois dias anteriores à concessão. O pagamento das férias nos dois dias anteriores ao período de férias está previsto no art. 145 também da CLT, mas não há referência a pagamento em dobro.

 

Art. 145 - O pagamento da remuneração das férias e, se for o caso, o do abono referido no art. 143 serão efetuados até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período.

 

Então de onde surgem as condenações? Trata-se da súmula 450 do Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 450 do TST

FÉRIAS. GOZO NA ÉPOCA PRÓPRIA. PAGAMENTO FORA DO PRAZO. DOBRA DEVIDA. ARTS. 137 E 145 DA CLT.  (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 386 da SBDI-1) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014

É devido o pagamento em dobro da remuneração de férias, incluído o terço constitucional, com base no art. 137 da CLT, quando, ainda que gozadas na época própria, o empregador tenha descumprido o prazo previsto no art. 145 do mesmo diploma legal.

 

Ou seja, trata-se de uma aplicação por analogia da multa prevista no art. 137, quando o empregador não concede férias ao empregado no prazo de 12 meses após o fechamento do período aquisitivo.

 

Uma “súmula” editada por uma corte superior, como o TST, tem aplicação a todos os demais tribunais do trabalho na extensão do território brasileiro. Com isso, no caso de extrapolação do prazo de pagamento de dois dias prévios às férias, a empresa incorre em aumento significativo do risco em ação trabalhista.

 

Mas, como se trata de entendimento jurisprudencial, e não de norma expressa e objetiva, como uma lei, sua aplicação pode ser balizada por princípios gerais de Direito, como a razoabilidade e proporcionalidade.

 

E justamente nesse sentido, recentemente um julgado do próprio TST analisou especificadamente em que momento é passível de aplicação de multa quando o empregador não realiza o pagamento das férias no prazo legal de dois dias de antecedência à fruição.

 

No julgado, uma empresa foi condenada tanto em primeira quanto em segunda instância ao pagamento em dobro do valor de férias porque fora efetuado no primeiro dia de férias do trabalhador.

 

O caso, em recurso de revista, chega ao Tribunal Superior do Trabalho. A turma julgadora entendeu que não houve prejuízo de fato ao trabalhador quando do pagamento realizado desta forma. Vejamos o julgado:

 

"A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. FÉRIAS. PAGAMENTO FORA DO PRAZO LEGAL. ATRASO ÍNFIMO. DOBRA INDEVIDA. Em face da má aplicação da Súmula nº 450 do TST, impõe-se o provimento do agravo de instrumento a fim de determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. FÉRIAS. PAGAMENTO FORA DO PRAZO LEGAL. ATRASO ÍNFIMO. DOBRA INDEVIDA. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem deixou assente que as férias foram pagas no dia em que iniciaram. Assim, dadas as particularidades do caso concreto, o atraso ínfimo, de apenas dois dias, no pagamento da remuneração das férias não deve implicar a condenação da reclamada ao pagamento da dobra. Recurso de revista conhecido e provido " (RR-11008-82.2019.5.03.0168, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 18/12/2020).

 

A empresa, portanto, foi absolvida da condenação ao pagamento de valor em dobro. Um bom exemplo de como a boa argumentação jurídica pode fazer, efetivamente, a diferença nos investimentos.

 

A condenação ao pagamento em dobro pelo fato de não pagamento das férias dois dias antes da fruição não parece razoável, mas foi aplicação rigorosa da súmula 450. Feliz a decisão, portanto, que traz razoabilidade ao processo trabalhista.

 

O Escritório Crippa Rey Advogados se coloca a inteira disposição para maiores consultas sobre o tema e resolução de dúvidas e casos sobre a matéria.

 

 

Leonardo de A. Machado

OAB/RS 117.392


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