Os Mecanismos de Autocomposição na Recuperação Judicial

30/04/2021

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A Lei nº 14.112/2020 trouxe várias alterações à Lei nº 11.101/2005, a conhecida Lei de Falências, e uma das suas principais mudanças foi a positivação da conciliação ou mediação como meio de negociação dentro da recuperação judicial. Com a vigência das alterações, a lei de falências conta uma uma Seção, exclusiva, para os dispositivos relacionados aos mecanismos de autocomposição, dispondo sobre seu procedimento, prazos e impeditivos.

 

A conciliação e mediação vêm ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como marco inicial a resolução nº 125/2010 do CNJ[1].

 

No mesmo sentido, os métodos autocompositivos conquistaram grande visibilidade e espaço com a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) e o novo Código de Processo Civil, no qual estabelece que deve ser oportunizado às partes a possibilidade de transigir por meio da audiências de conciliação, assim dispõe o art. 334 do CPC:

 

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

 

Nesse sentido, em 2016, foi aprovado o enunciado nº 92 da 1ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, estabelecendo que a conciliação e mediação são compatíveis com a recuperação judicial, vejamos:

 

92 - A mediação e a conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais.

 

O implemento e fomento dos institutos da concilição e mediação não é só um meio de negociação, mas também atua como instrumento de política social e exercício da democracia.

 

Assim, leciona Fredie Diddier Jr.:

 

Compreende-se que a solução negociar não é apenas um meio eficaz e econômico de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. (…) O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultura - da cultura da sentença para a cultura da paz.[2]

 

Portanto, percebe-se que a novidade trazida pela Lei nº 14.112/2020 só consolida o que vem sendo praticado no judiciário brasileiro e, inclusive, em algumas recuperações judiciais emblemáticas. Como exemplo de utilização de métodos autocompositivos no processos de recuperação judicial, há a recuperação judicial da famosa empresa de telefônia OI, a qual se dispôs a negociar créditos de pequena monta por meio da mediação.

 

Nesse sentido, cabe colacionar trecho da decisão nos autos do processo nº 0203711-65.2016.8.19.0001 em trâmite na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ que deferiu a mediação como meio de negociação no autos da recuperação judicial da referiada empresa, que atualmente é uma das maiores recuperações judicias do país:

 

(...) As Recuperandas, após informar que, juntamente com o NUPEMEC têm trabalhado para viabilizar a mediação dos créditosde pequena monta, requerem que este juízo nomeie a FundaçãoGetúlio Vargas - FGV - para organizar e executar a mediaçãodesses credores, já deferida nos autos às fls. 104.876/104.881.(...)

 

A empresa OI se propôs a negociar créditos de até 50 mil reais, tendo como principal objetivo desafogar a assembléia geral de credores, haja vista que mais de 90% dos credores da empresa era titulares de créditos de até 50 mil reais.

 

Ainda, há outras grandes empresas que fizeram uso de métodos autocompositivos em seus processos de recuperação judicial, podendo citar.a Inepar, na qual as sessões de conciliação estão sendo feitas pelo administrador judicial.

 

A alínea J, do artigo 22 da Lei de Falências, inserido pelas lterações trazidas pela Lei 14.122/2020, dispõe que é dever do administrador judicial estimular a conciliação e mediação nos processo de recuperação judicial:

 

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe:

I – na recuperação judicial e na falência:

(…)

j) estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência, respeitados os direitos de terceiros, na forma do § 3º do art. 3º da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); 

 

Seguindo a mesma linha e, inclusive, acompanhando o que dispõe o Código de Processo Civil, o art. 20[3] estabelece que a conciliação e mediação devem ser incentivadas em todos os graus de jurisdição, podendo, inclusive, ocorrer em caráter antecedente ou incidentemente, assim dispõe o art. 20-B:

 

Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente: 

I - nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais; 

II - em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; 

III - na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;

IV - na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

 

Cabe salientar, que a mediação ou conciliação não suspendem os prazos, mas, estando o processo de recuperação judicial apto a ser processado, é possível o pedido de antecipação de tutela, com o objeto de suspender as execuções por 60 dias, os quais serão descontados do stay period se ajuizada recuperação judicial posteriormente.

 

Vejamos o que dispõe o art. 20, parágrafo primeiro da Lei de Falências:

 

§ 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

 

Como meio de proteger o credor e dar maior segurança as negociações, se a empresa entrar em recuperação judicial até 360 dias após firmado o acordo, o crédito objeto da negociação preservará sua situação anterior, podendo ser habilito na classe que corresponde e pelo valor originário, conforme estabelecido o art. 20-C[4] parágrafo único da LRF.

 

Com a crise sanitária e econômica provocada pela pandemia da Covid-19, as alteração feitas na Lei de Falências trazem meios mais sólidos e alternativos para as negociações nos processos de recuperação judicial. Como reflexo da crise, já é possível observar um aumento significativos no número de pedidos de falência, o qual se elevou em 12, 7%[5], e de recuperação judicial, que cresceu 13,4 %, ambos se comparado ao ano de 2019.

 

Com o aumento do número de demandas judiciais em razão da crise, sendo na área da saúde ou relacionado a esfera trabalhista, atrelada com a morosidade inerente ao judiciário, é ainda mais recomendado que seja propiciado um ambiente para negociação por meio da conciliação ou mediação.

 

Nessa senda, está a recomendação nº 71/2020 do CNJ[6], a qual propõe a criação de Centro Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania empresariais.

 

Ante a breve análise das principiais normas e posicionamentos envolvendo a conciliação e mediação em conjunto com as alterações da Lei de Falência, é possível perceber que os métodos de autocomposição, seja por meio de conciliação ou mediação, são instrumentos eficazes e seguros para as negociações nos processos de recuperação judicial. Por meio de tais mecanismos é provável chegar a resultados mais céleres e econômicos se comparado aos morosos e complexos processos de recuperação judicial que tramitam no judiciário brasileiro

 

Tais alterações corroboram com o disposto no art. 47 da Lei de Falências, pois fazer uso da conciliação ou mediação como meio de negociação na recuperação judicial, só aumentam as possibilidades de se manter a fonte produtora de emprego, riqueza e atividade econômica.

 

Segundo Marlon Tomazzete[7], o princípio da função social da empresa, representado pelo artigo citado anteriormente, é motivo para haver maior engajamento para obter êxito na recuperação da empresa. Assim entende:

 

Na recuperação judicial, tal princípio servirá de base para a tomada de decisões e para a interpretação da vontade dos credores e do devedor. Em outras palavras, ao se trabalhar em uma recuperação judicial deve-se sempre ter em mente a sua função social. Se a empresa puder exercer muito bem sua função social, há uma justificativa para mais esforços  no sentido da sua recuperação.

 

Em outros termos, a alteração legislativa traz mais uma possibilidade para a surperação da crise empresária, cabendo aos profissionais da área, advogados, juizes, e administradores judiciais conhecerem o ordenamento e estarem dispostos a implementarem tais práticas.

 

 

Porto Alegre, 30 de abril de 2021.

 

 

Letícia Maracci

Advogada

OAB/RS 107.962

 

 

 

Bibliográfia

 

DIDDIER Jr., Fredie. Curso de Processo Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. Ed. Salvador: Juspodivum, p.305, 2017.

 

https://www.conjur.com.br/2021-mar-13/garcia-mediacao-conciliacao-lei-falencias - acessado em 25 de abril de 2021

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm - acessado em 25 de abril de 2021.

 

https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3434 acessado em 25 de abril de 2021. -

 

https://www.boavistaservicos.com.br/noticias/pedidos-de-falencia-avancam-127-em-2020/ acessado em 25 de abril de 2021.

 

https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156 acessado em 25 de abril de 2021.

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm - acessado em 25 de abril de 2021.

 

https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=24852 -acessado em 25 de abril de 2021.

 

https://julianacoppi.jusbrasil.com.br/artigos/783779096/a-aplicacao-da-mediacao-e-da-conciliacao-na-recuperacao-judicial-de-empresas?ref=feed – acessado em 26 de abril de 2021.

 

TOMAZZETE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v.3. 5 ed. São Paulo:Atlas, 2017.

 

[1] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156 acessado em 25 de abril de 2021.

[2] DIDDIER Jr., Fredie. Curso de Processo Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. Ed. Salvador: Juspodivum, p.305, 2017.

[3] Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.

[4] Parágrafo único. Requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta Seção.  

[5] https://www.boavistaservicos.com.br/noticias/pedidos-de-falencia-avancam-127-em-2020/ acessado em 25 de abril de 2021.

[6] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3434 acessado em 25 de abril de 2021.

[7] TOMAZZETE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v.3. 5 ed. São Paulo:Atlas, 2017, p.96.


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