O Escritório Crippa Rey Advogados SS vem, muito respeitosamente à presença de Vossas Senhorias, sempre atento às inovações legislativas e regulamentares, apresentar INFORMATIVO a todos os clientes, colegas e empreendedores, concernente à recente aprovação das regras de implantação e regulamentação do chamado “Sandbox Regulatório” pelo Banco Central do Brasil (BC), juntamente com o Conselho Monetário Nacional (CMN), que irá compor o Marco Legal das Startups que está sendo desenhado no Brasil [1].
Por meio da Resolução BCB n. 29, de 26 de outubro de 2020, e da Resolução CMN n. 4.865, de 26 de outubro de 2020, que estabelecem as diretrizes para o funcionamento do Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento (“Sandbox Regulatório”), bem como as condições para o fornecimento de produtos e serviços no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro, restou aprovado e regulamentado pela autoridade monetária brasileira o sandbox, trazendo diversas discussões e debates acerca de suas diretrizes.
Em linhas gerais, pode-se dizer que o Sandbox Regulatório é um ambiente em que entidades são autorizadas pelo Banco Central do Brasil para testar, por período determinado, projeto inovador na área financeira ou de pagamento, observando um conjunto específico de disposições regulamentares que amparam a realização controlada e delimitada de suas atividades[2].
Nesse âmbito, os produtos e serviços experimentais são testados com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos e monitoramentos diferenciados, cujo ambiente de teste possibilita a conquista dos primeiros consumidores pelas empresas atuantes e o experimento das inovações no mercado.
Tal iniciativa compõe uma série de ações recentes do Banco Central visando a modernização e aumento da competitividade no Sistema Financeiro Nacional e de Pagamentos Brasileiro, tais como a implementação do Open Banking e do PIX no Brasil[3]. Segundo o BC, o objetivo é possibilitar a entrada de modelos de negócio inovadores que resultem em maior eficiência, atinjam um público mais amplo e tragam mais competição aos sistemas financeiro e de pagamentos do país, sem o peso regulatório tradicional, já que um processo de autorização regular para atuar pode levar meses.
Assim, com o Sandbox Regulatório, pode haver uma flexibilização e customização do processo, definindo-se requisitos mínimos personalizados, proporcionais ao risco que o projeto traz, o que não seria possível com uma autorização tradicional. Segundo a Resolução prevê, durante o período de testes, o BC terá acesso aos resultados obtidos e avaliará os riscos associados aos novos produtos: se houver algum problema, a inovação poderá ser ajustada, limitada ou proibida; por outro lado, caso a experiência seja bem sucedida, a comercialização em larga escala poderá ser liberada[4].
Conforme prevê o artigo 5º da Resolução, a regulamentação e a condução do Sandbox Regulatório terão como objetivos:
“Art. 5º:
I - estimular a inovação e a diversidade de modelos de negócio no Sistema Financeiro Nacional e no Sistema de Pagamentos Brasileiro;
II - aumentar a eficiência e reduzir custos no Sistema Financeiro Nacional e no Sistema de Pagamentos Brasileiro;
III - promover a concorrência e a inclusão financeira;
IV - atender às necessidades dos usuários finais, em especial a liberdade de escolha, segurança, proteção de seus interesses econômicos, transparência na prestação de serviços e na cobrança de tarifas, tratamento não discriminatório, privacidade e proteção de dados pessoais e do sigilo bancário, acesso a informações claras e completas e condições adequadas de fornecimento de produtos e de serviços;
V - aumentar a confiabilidade, qualidade e segurança dos produtos e serviços;
VI - aprimorar a regulamentação de assuntos de competência do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil; e
VII - aprimorar os processos de supervisão do Banco Central do Brasil.
Dito isso, o Sandbox pode ser compreendido como integrante de um regime regulatório diferenciado, onde ocorre o uso do aprendizado experimental visando a aprimorar significativamente os produtos e serviços antes de lançá-los ao mercado.
Tal instituto revela-se como um incentivo regulatório, ou seja, uma medida de fomento à inovação financeira através da isenção normativo-regulatória temporária, haja vista que o Estado permite que empresas testem inovações financeiras em um ambiente controlado, com isenção parcial da aplicação de normas regulatórias, visando flexibilizar barreiras de entrada e custos de compliance regulatório (que geralmente são pesados para empresas em estágio inicial de desenvolvimento), com a finalidade primordial de promover a inovação financeira e o desenvolvimento seguro do mercado financeiro[5].
Nos últimos tempos, a adoção de modelos de sandbox ganhou protagonismo no âmbito da regulação financeira por força do fenômeno das fintechs e startups, gerando diversos debates e questionamentos acerca do nível de intervenção do regulador.
Nesse contexto, o ambiente experimental tem se caracterizado como uma medida menos intervencionista, pois permite que inovações sejam testadas e monitoradas de forma controlada, funcionando como uma espécie de experimentalismo estruturado, de forma a identificar eventuais necessidades de aprimoramento envolvendo proteção do consumidor, o melhor funcionamento do mercado, bem como tendências e riscos do setor[6], revelando-se um instrumento capaz de enfrentar o problema da desconexão regulatória sistêmica[7].
O Reino Unido foi o primeiro país a utilizar essa ferramenta regulatória, tendo a Financial Conduct Authority (FCA), em 2015, criado a primeira sandbox regulatória do mundo. Atualmente, além do Reino Unido, a experiência está presente em diversos países europeus e asiáticos, como Austrália, Canadá, Suíça, Hong Kong, Malásia e Singapura, bem como em alguns países da África e do Oriente Médio, como os Emirados Árabes Unidos.
Apesar disso, nenhum desses países possui programas idênticos, isto é, cada país apresenta um arcabouço regulatório específico, com regras de ingresso e salvaguardas de acordo com as suas peculiaridades locais[8].
No caso da experiencia inglesa, na primeira rodada realizada, 75% das empresas selecionadas finalizaram o período de teste com sucesso, das quais 90% mantiveram o desenvolvimento de suas atividades econômicas em ambiente de livre mercado.
Dentre outras vantagens e resultados alcançados, destacam-se as seguintes: muitas empresas progrediram de uma autorização restrita de funcionamento para a autorização completa; foi possível atrair investimentos e facilitar o acesso ao funding de startups, tendo em vista que 40% das empresas que concluíram o período de teste receberam aporte de capital durante ou logo após a finalização do processo; a sandbox interferiu positivamente no processo de desenvolvimento do modelo de negócios das empresas, uma vez que grande parte das empresas fizeram uso do aprendizado para aprimorar os seus produtos e serviços antes de lançá-los no mercado livre[9].
No Brasil, destaca-se que outros agentes também optaram pelo modelo inovador do Sandbox Regulatório, a fim de criar um ambiente propício à inovação, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep), os quais abrangem, respectivamente, o mercado de capitais e o mercado de seguros privados. Para o aprimoramento de seus projetos, os órgãos têm trocado ideias e sugestões sobre o assunto.
No âmbito das inovações regulatórias introduzidas pelo Banco Central recentemente, é possível afirmar, portanto, que as sandboxes funcionam como um instrumento a serviço do exercício da função regulatória, tendo por objetivo central encorajar a inovação financeira e aumentar a competitividade no mercado financeiro e, ao mesmo tempo, garantir a estabilidade financeira e a higidez sistêmica do setor, compondo com o Marco Legal das Startups que está sendo desenhado para o Brasil[10].
Conforme prevê o artigo 4º da Resolução, o Sandbox será operacionalizado por meio de ciclos, cuja duração será determinada pelo BC, devendo ser limitada ao prazo de um ano, prorrogável uma única vez por igual período. Segundo o BC, o início do primeiro ciclo de desenvolvimento de projetos está previsto para o primeiro semestre de 2021, enquanto a Resolução entrará em vigor em 1º de dezembro de 2020.
De acordo com o governo federal brasileiro, a inscrição será realizada por meio do site do Sandbox Regulatório. As entidades interessadas deverão apresentar projeto enquadrado no conceito de ‘projeto inovador’, definido na regulamentação do programa, o qual deverá estar no âmbito de competência do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil[11].
Assim, sendo o que tínhamos para esclarecer no presente momento, informamos que estamos sempre atentos às inovações legislativas e regulamentares, e colocamo-nos, como de costume, à inteira disposição para maiores consultas acerca do tema, complementando informações, debatendo o assunto ou prestando outras explicações.
___________
[1] O Projeto de Lei Complementar 249/2020, que institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador no Brasil, foi apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional no dia 20 de outubro de 2020 (Agência Senado, 2020).
[2] Artigo 3º da Resolução BCB n. 29 e Resolução CMN n. 4.865.
[3] Para saber mais sobre o Open Banking e sobre o PIX acesse os links: http://crippareyadvogados.com.br/publicacao/a-regulamentacao-do-sistema-financeiro-aberto-(open-banking)-no-brasil e http://crippareyadvogados.com.br/publicacao/pix:-o-novo-sistema-de-pagamentos-instantaneos-do-banco-central-do-brasil .
[4] Conforme o Artigo 1º das Resoluções BCB n. 29 e CMN n. 4.865, o Sandbox Regulatório é ambiente único para a execução de projetos sob a competência do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, compreendendo as regras dispostas nas Resoluções mencionadas, de acordo com a competência de cada autoridade reguladora.
[5] O Sandbox Regulatório, a partir dos objetivos que conduzem à sua instituição e à dinâmica do seu funcionamento, pode ser encaixado, dentro da teoria da regulação, como um instrumento regulatório de fomento baseado em incentivo regulatório, por meio do chamado experimentalismo estruturado, tendo como pilar a isenção normativo-regulatória temporária (VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi. Regulação das fintechs e sandboxes regulatórias. Dissertação de Mestrado em Direito da Regulação. Rio de Janeiro: Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, 2019).
[6] O modelo não traz benefícios apenas ao regulador e ao subsistema regulado, mas também e principalmente às empresas participantes, em decorrência do aprimoramento de suas inovações, do acesso aos investimentos decorrentes da publicidade que é dada pelo regulador às empresas participantes e da credibilidade e segurança inerentes ao status de participante selecionado pelo sistema, tendo em vista o processo seletivo do regulador, que sanciona o modelo de negócio e a proposta inovadora (VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi, 2019).
[7] A desconexão regulatória é o rompimento entre o arcabouço normativo-regulatório existente em face da nova realidade trazida pela inovação, exigindo do regulador capacidade para identificar a eventual necessidade de se operar a reconexão regulatória, sob pena de se manter em vigência regras regulatórias obsoletas e incompatíveis com a nova dinâmica mercadológica advinda do processo inovador (FORD, Cristie. Innovation and the state: finance, regulation, and justice. New York: Cambridge University Press, 2017, p. 166-167).
[8] VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi, 2019.
[9] VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi, 2019.
[10] Em outras palavras, de um lado, há necessidade de fomentar as inovações tecnológicas, sem que os requisitos regulatórios sejam obstáculos inibidores dessas iniciativas; ao mesmo tempo, os órgãos reguladores conseguem inibir o surgimento de inovações que representem riscos para o mercado; e, para os clientes, é a garantia de que terão a sua disposição soluções seguras e inovadoras (VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi, 2019).
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